A inteligência artificial é burra – caminho é longo no Brasil
Será que já está madura o suficiente para ser usada em negócios da vida real?
Acabo de concluir um curso sobre inteligência artificial na Universidade de Chicago, nos EUA. Eu já tinha vontade de me inscrever desde quando o formato era apenas presencial, mas ele ficou mesmo imperdível quando as aulas passaram a ser online por causa da pandemia.
Durante semanas, além de estudar o assunto com profundidade, o mais interessante foi observar o quanto a inteligência artificial evoluiu no resto do mundo. E hoje escrevo para contar por que o Brasil ainda patina no desenvolvimento dessa tecnologia.
Como grande parte das novidades, embora seja apresentada como uma grande promessa para inúmeros setores, seu uso prático nos negócios demora para acompanhar o entusiasmo. No caso da inteligência artificial, isso acontece especialmente porque as empresas ainda não sabem muito bem o que podem fazer nem com a big data nem com a small data.
Inteligência artificial é assunto para profissionais
É muito comum que entusiastas conduzam projetos de tecnologia que se tornam "modismo", assim como acontece com projetos de inovação, no geral. É corriqueiro as empresas criarem departamentos próprios para inovar, onde esses mesmos entusiastas se reúnem uma vez por semana para discutir ideias.
Só que projetos em inteligência artificial, machine learning e data science, de forma geral, não saem do lugar com entusiastas. Precisam ter à frente profissionais capacitados.
São cientistas muito feras que estão produzindo alguma coisa de valor nessas áreas no restante do mundo, sempre se dedicando exclusivamente aos projetos e com muito preparo técnico para tal. E o motivo para isso é um só:
A inteligência artificial na verdade é burra
Calma lá, antes que discorde, deixa eu explicar como cheguei a essa conclusão. Lembre-se que a inteligência artificial só consegue identificar padrões de comportamento e é preciso oferecer soluções a partir deles. Vou dar um exemplo. Imagine que um restaurante resolveu usar a inteligência artificial em seu e-commerce e conseguiu identificar que todo mundo que pede um prato X, prefere uma sobremesa Y.
Automaticamente, a inteligência artificial vai sugerir a sobremesa Y para todas as pessoas que pedem o prato X, eliminando a interação humana e automatizando o processo. Só que, com isso, a tecnologia constrói todo o algoritmo do novo negócio em uma estrutura binária (pede X, sugere Y).
Dou uma pausa nesse exemplo para contar sobre uma experiência. Há um tempo, a Cortana, ferramenta de inteligência artificial da Microsoft, foi lançada no Twitter, sem nenhum aprendizado anterior, para que fosse aprendendo tudo a partir da interação com as pessoas na rede social.
Resultado: em pouco tempo, Cortana estava extremamente machista, racista e xingando as pessoas. O experimento – feito em inglês, apenas – foi rapidamente suspenso, mas ilustra bem a maior limitação da inteligência artificial: trata-se de uma tecnologia binária.
Vale a pena relembrar que, na trajetória digital, o ser humano deve ser sempre o protagonista.
E reforço que não funciona usar uma ferramenta tecnológica, especialmente uma ferramenta complexa como a inteligência artificial, apenas para servir como uma imagem de modernização do negócio. A consistência dos projetos deve ser a base. Ou estou querendo demais?
Mas ainda faltam ainda profissionais capacitados para o desenvolvimento da inteligência artificial, tanto no Brasil quanto no mundo. Talvez a razão para isso esteja relacionada com uma mudança importante no mercado de trabalho. Na década de 1970, as mentes mais brilhantes do mundo estavam na Nasa e em outras instituições governamentais mundo afora para desenvolver soluções coletivas para o bem comum. Hoje, os grandes talentos estão no Facebook, no Google, na Microsoft, na Amazon...
Com isso, a capacidade de criar soluções para o bem coletivo foi extremamente limitada. Especialmente porque não basta ser entusiasta para trabalhar com inteligência artificial, é preciso conhecer de ciência e tecnologia em um nível de complexidade absurdamente profundo.
Falta ao Brasil também priorizar e dar importância para o valor que pode ser gerado através da inteligência artificial e da ciência de dados como um todo. Vale sempre lembrar: quando bem aplicada, essa tecnologia é muito benéfica e facilita nossas vidas. Mas não se esqueça que ela é burra – então nós é que precisamos completá-la com inteligência.
(*) Rodrigo Guerra é economista, empreendedor e fundador do Projeto Unbox. Enxerga a inovação como uma responsabilidade social das lideranças, e não como um conjunto de metodologias.