Agricultura urbana não é só o vaso de hortelã no seu apê
Hortas comunitárias, entrega de orgânicos produzidos em área periurbana, clube de assinaturas de alimentos...
O quão perto você tem estado da natureza ultimamente? E o quanto você sabe sobre o processo de produção de um alimento, até que ele chegue aí na sua mesa, para o seu desfrute?
Se você demorou para responder a essas perguntas, saiba que não está sozinho. Em uma pesquisa realizada pela ONG WWF com mais de 11 mil pessoas em todo o mundo, nove em cada dez desconheciam totalmente os métodos de produção alimentar – especialmente os mais jovens. O dado foi anunciado em 2018 e logo chamou atenção. Hoje, com uma pandemia de intervalo, dá até para arriscar dizer que ele não deve ter mudado tanto.
Por isso, todos precisamos repensar algumas atitudes.
E é justamente isso o que a agricultura urbana vem fazendo, ao estimular a criação de novos negócios dedicados a manter a população das cidades abastecida de alimentos produzidos por ali mesmo, muitas vezes contando com o suporte da tecnologia – um verdadeiro encontro entre o rural e o urbano.
É o caso da duLocal, iniciativa que ajuda a garantir que pequenos produtores tenham demanda constante de produtos ao longo do ano. “Para isso, nós vendemos refeições preparadas com alimentos de qualidade e saudáveis, com delivery no centro expandido de São Paulo. Cada prato é vendido a R$ 40, com taxa de entrega, e sim: sabemos que, infelizmente, o alto custo não permite que ele seja acessível a todos”, conta Felipe Gasko, cofundador da duLocal.
Volte uma casa e entenda o agronegócio
Delivery de orgânicos produzidos em área periurbana é apenas um dos modelos de negócio criados a partir do uso da tecnologia na agricultura. Há também hortas urbanas e comunitárias com sistemas de irrigação que reduzem o consumo de água, como as iniciativas da ONG Cidades sem Fome, além de clube de assinatura de alimentos, empresas de insumos e incentivo à plantação doméstica e muitas plataformas que conectam pequenos produtores, cozinheiros e consumidores. Não dá para negar, a agricultura urbana está em alta.
Mas antes de nos debruçarmos sobre toda essa transformação, vale a pena entender melhor o modelo de negócios da agricultura formal, aquela feita no campo. E aqui vai um spoiler: o tão aclamado agrotech parece estar mesmo restrito a grandes pastos para a produção de carne e leite ou fazendas de grãos, que viram commodities nacionais negociadas no exterior.
“Já o pequeno produtor, aquele que trabalha sem descanso para cultivar frutas, legumes e verduras a um baixo preço, mal consegue manter sua subsistência. Até porque uma das principais características desse tipo de negócio é que, em geral, quem ganha dinheiro nessa cadeia é quem comercializa os produtos, não quem planta”, explica o cofundador da duLocal.
“Estamos todos em busca de uma agricultura mais sustentável, ou seja, que dá mais para o solo do que retira dele. E só dá para fazer isso com boas práticas como a compostagem, a cobertura do solo, o manejo das áreas de preservação permanente e o cuidado com o sistema hídrico local para que ele se recomponha. E não dá pra esquecer que muitos produtores usam veneno e adubo químico simplesmente porque é a alternativa mais barata a que eles têm acesso”, diz Gasko.
E como resolver essa questão financeira? Difícil dar uma única resposta, mas os governos de alguns países europeus optaram por subsidiar pequenos produtores numa tentativa de tornar a atividade economicamente mais atrativa.
Essa talvez seja uma discussão social importante de termos em nosso país, já que manter uma produção autossuficiente de alimentos é, sim, interesse de todos.
Em busca da sustentabilidade
A construção de uma sustentabilidade econômica, social e ambiental para a agricultura urbana é o santo graal que muitos buscam ao iniciar um novo negócio no setor. Foi inclusive dessa prerrogativa que surgiu o projeto Cidades sem Fome, presidido por Hans Dieter Temp.
“Hoje digo que a sustentabilidade ambiental que alcançamos, com tecnologias de reuso de água e outras práticas, foi uma consequência da implantação do projeto em si. Já a social foi conseguida com a melhora na qualidade de vida dos beneficiários selecionados para participar do projeto – todos moradores de regiões em situação de vulnerabilidade econômica. E a sustentabilidade econômica era mesmo a nossa principal meta aqui na ONG, como acredito que deva ser em todo projeto social. Afinal, os patrocínios ajudam a incubar os projetos e não a pagar as contas mês a mês como precisamos”, conta o próprio Hans.
Todos os projetos da ONG são incubados no modelo de negócio social, para que em algum momento comecem a gerar renda para cobrir as principais despesas de sua execução. E um dos problemas para fazer essa conta fechar era justamente encontrar quem comprasse a produção de alimentos das hortas comunitárias, principalmente das mais distantes de centros urbanos populosos, como revela Hans: “Nesse caso, fizemos parcerias com hortifrutis locais, que sofriam a falta de acesso a produtos de qualidade e puderam se monetizar. Além, claro, de contar com o apoio da tecnologia para realizar a venda”.
E a tecnologia mais usada, acredite, é justamente o WhatsApp, que cria grupos e disponibiliza a lista de alimentos produzidos na semana para quem quiser comprar na cidade. “Muita gente monta listas com vizinhos e divide o preço do frete para receber tudo fresco em casa”, garante o presidente.
“As tecnologias para melhorar o cultivo de alimentos na cidade já existem, mas para a maioria das pessoas que precisa utilizá-las elas permanecem tendo um custo muito alto. Esse talvez seja o maior impeditivo para a iniciativa pública e privada conseguirem chegar em soluções que parecem óbvias para uma sustentabilidade alimentar da população”, diz Hans Dieter Temp.
Entre tantos modelos de negócio de sucesso que já existem para alavancar a agricultura urbana, ainda falta ao setor de investimentos financeiros e à mão de obra qualificada olhos atentos e senso de oportunidade para transformar pequenos projetos locais em atividade remunerada e sustentável para uma parcela maior da população. Só assim estaremos falando de muito mais que uns vasos de planta no apê ou de condimentos para um par de famílias, e sim de um negócio tão sustentável quanto lucrativo.
(*) Renata Armas é redatora do Unbox.