Ala do governo quer mudar teto para ampliar Bolsa Família
Sem folga no Orçamento para um reajuste prometido por Bolsonaro, Ministérios da Casa Civil e da Cidadania estudam como ultrapassar a margem
Com um espaço enxuto no teto de gastos em 2022, a possibilidade de bancar o novo Bolsa Família com recursos fora do limite de despesas, ou alterá-lo para acomodar o gasto extra, voltou ao radar de integrantes da ala política do governo. Duas fontes desse grupo admitem de forma reservada ao Estadão/Broadcast que as opções são consideradas e têm defensores.
O Ministério da Economia, por sua vez, não conta com nenhuma dessas alternativas e trabalha para reformular o programa mantendo as despesas dentro do teto atual, segundo quatro fontes consultadas pela reportagem.
A discussão entrou no radar da Casa Civil, que agora está sob o comando de Ciro Nogueira, um dos caciques do Centrão, bloco que dá sustentação política ao presidente Jair Bolsonaro. O tema também é de conhecimento de integrantes do Ministério da Cidadania.
A interlocutores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que a reformulação do programa será feita dentro das regras fiscais e que há espaço no teto para ir adiante com a medida.
Na última segunda-feira, 26, Bolsonaro citou em entrevista à rádio Arapuan, na Paraíba, o envio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para tratar do Bolsa Família. "Devemos, não está definido ainda, mandar uma PEC para acertarmos a questão do Bolsa Família. Se eu não tiver apoio dos partidos de centro, o Bolsa Família não tem como ser reajustado agora para novembro, dezembro", disse na ocasião, justificando a troca ministerial para fortalecer sua aliança com o bloco.
Segundo uma dessas fontes da ala política, a PEC citada por Bolsonaro seria para resolver o impasse do teto, regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação.
A discussão existe porque Bolsonaro tem acenado com um valor médio de ao menos R$ 300 para o novo Bolsa Família. Dentro da equipe de formulação do novo programa, há quem avalie que esse benefício precisa ser até maior para evitar sensação de perda na população, que ano passado começou recebendo um auxílio emergencial de R$ 600.
A política social do governo é considerada uma peça-chave para o presidente melhorar sua popularidade e disputar a reeleição em 2022.
Na quarta-feira, 28, o ministro da Cidadania, João Roma, disse que o governo pretende dar um reajuste de ao menos 50% no valor médio do Bolsa, hoje em cerca de R$ 190 mensais. "Pretendemos isso ou até mais", disse.
Na ala contrária a qualquer movimento envolvendo mudanças no teto de gastos, a mensagem é que o Palácio do Planalto "não deve gostar de inflação a 10% e juros a 15%", em referência aos impactos negativos que uma medida desse tipo teria na confiança de investidores e nos indicadores do País.
Ambições
O espaço no teto está enxuto porque Bolsonaro tem outras ambições além do Bolsa Família. O presidente quer tirar do papel programas para turbinar a geração de empregos e conceder reajuste aos servidores públicos. Como mostrou o Estadão, um aumento de 5% ao funcionalismo teria impacto de R$ 15 bilhões.
Há ainda incertezas sobre quanto ficará a fatura das chamadas emendas de relator, usadas por parlamentares para direcionar mais recursos às suas bases eleitorais e que consomem espaço de outras despesas.
Hoje, a equipe econômica estima que o espaço livre no teto seja de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões em 2022. O sócio e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Leal de Barros, calcula que só a reformulação do Bolsa Família resultará em despesa extra de R$ 26,2 bilhões, considerando um benefício médio de R$ 300 a 17 milhões de beneficiários.
O valor da 'folga' no teto foi revisto recentemente pela equipe econômica devido a uma redução na projeção de despesas com pessoal e Previdência, que se estenderá a 2022. Na quinta-feira, o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, assegurou que o espaço é "compatível" com um Bolsa Família para 17 milhões e valor médio de R$ 300. Mas ainda há fatores de risco que podem reduzir esse espaço, como a crise hídrica e a possibilidade de novos reajustes na tarifa de energia elétrica, batendo na inflação que corrige benefícios pagos pelo governo.
O valor médio de R$ 300 foi prometido por Bolsonaro em 15 de junho, quando as equipes ainda trabalhavam com um reajuste menor, para R$ 250. À época, a declaração do presidente acendeu um alerta entre os técnicos, uma vez que havia risco de faltar espaço no teto para honrar a promessa. Dias depois, um dos filhos do presidente, o senador Flavio Bolsonaro (Patriota-RJ), disse que o valor ficaria em R$ 270.
Nos últimos dias, no entanto, Bolsonaro voltou a acenar com o benefício maior, desta vez sendo seguido pela equipe de governo em seu discurso. Os técnicos precisam fechar os detalhes antes do envio do Orçamento de 2022, que precisa ocorrer em 31 de agosto.