Além do Canal de Suez, conheça 3 passagens essenciais ao comércio marítimo
Depois de quase uma semana de uma enorme operação de desencalhe, o cargueiro Ever Given destravou a circulação no Canal de Suez. E nos ensinou que as travessias marítimas são a chave para o funcionamento do comércio internacional.
Os seis dias em que o cargueiro Ever Given ficou encalhado no Canal de Suez foram suficientes para causar grandes problemas no comércio internacional em todo o mundo.
O preço do petróleo subiu abruptamente, e inúmeras empresas foram seriamente afetadas, desde fornecedores de transporte doméstico a varejistas, supermercados e fabricantes.
Segundo a análise da seguradora alemã Allianz, isso pode gerar uma redução no crescimento comercial global anual entre 0,2 e 0,4 ponto percentual.
Isso porque esta passagem marítima é vital para as cadeias de abastecimento em todo o mundo. Mas não é a única.
O Canal de Suez se junta a uma longa lista de vias que são fundamentais para o funcionamento da economia global. Quais são quatro dessas vias e suas principais características?
1. Canal de Suez
Este portal entre o Oriente e o Ocidente, localizado no Egito, começou a funcionar em 1869. Tem 193 km de extensão e conecta o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho.
Em 2020, passaram por lá 19.311 navios, com cerca de 1,21 bilhões de toneladas de carga, segundo a Autoridade do Canal de Suez (ACS). Isso representa 12% do comércio global, o que o torna vital para o funcionamento normal da economia mundial.
Entre as mercadorias que passam por lá, uma das mais relevantes é o petróleo. Segundo estimativas da ACS, quase 2 milhões de barris de petróleo transitam no canal todos os dias. Além disso, cerca de 8% do gás natural liquefeito.
"Este canal é muito importante para abastecer a Europa", diz o engenheiro naval espanhol Jorge Pla Peralonso, especialista em tráfego marítimo.
Sem o Canal de Suez, as remessas que viajam entre a Ásia-Pacífico, o Oceano Índico, o Mar da Arábia e a Europa teriam que cruzar todo o continente africano, o que aumentaria os custos e prolongaria substancialmente os tempos de viagem.
Uma das rotas alternativas, passando ao redor do Cabo da Boa Esperança, leva quase nove dias a mais.
Segundo Peralonso, esse canal só foi fechado três vezes na história, em decorrência de conflitos políticos. "E a crise foi gigantesca, mesmo sem haver o volume de tráfego que existe agora", diz.
O canal também é uma importante fonte de renda para o Egito. Até antes da pandemia, o comércio que por ali passava contribuía com 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo análise da Moody's Investors Service.
2. Canal do Panamá
A abertura do Canal do Panamá, em 1914, revolucionou o comércio marítimo no mundo.
Por mais de um século, uma das grandes obras da engenharia latino-americana do século 20 constituiu o caminho mais curto entre os dois maiores oceanos do mundo: o Atlântico e o Pacífico.
Quase 6% do comércio mundial transita por ali: mais de 13 mil navios cruzam de um lado para o outro anualmente para transportar suas mercadorias.
A dimensão é gigantesca: o canal está em 144 rotas marítimas que ligam 160 países e com destino a cerca de 1,7 mil portos.
Também é crucial para o Panamá: no ano fiscal de 2020, a contribuição direta do canal ao país foi de 2,7% do PIB, segundo dados da Autoridade do Canal do Panamá (ACP).
"É uma grande fonte de receita para o Panamá. É um passo muito importante para todo o tráfego para os Estados Unidos e é obviamente uma alternativa ao tráfego leste-oeste do mundo", diz Peralonso.
"Para a região da América Latina, é fundamental. A maioria dos países se beneficia desse canal, há muito comércio para o Caribe e do Caribe para o Pacífico."
Mas esse canal, em comparação aos demais, é mais complexo. É construído com base num sistema de eclusas que, embora lhe tenha permitido funcionar de forma ininterrupta, pode ser o seu principal ponto fraco, porque depende das chuvas para funcionar.
Nos últimos anos, principalmente em 2016, o canal foi ampliado para otimizar o uso da água.
Mas a via sofreu uma de suas piores crises naturais em 2020, quando foi descoberto que estava ficando sem água.
A falta de chuvas em 2019 colocou em cheque o complicado mecanismo de eclusas que move os navios de um mar para o outro.
Assim, a instituição responsável pelo canal continua a trabalhar em várias medidas para manter seu funcionamento, incluindo a redução do número de navios que o atravessam.
3. Estreito de Ormuz
É sem dúvida uma das travessias marítimas mais estratégicas do mundo, conectando produtores de petróleo no Oriente Médio com os principais mercados na Ásia-Pacífico, Europa e América do Norte.
Com cerca de 160 km de extensão, o Estreito de Ormuz é, ao contrário dos canais de Suez e do Panamá, uma passagem marítima natural e não é controlada por nenhum país.
O estreito liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã (onde estão países como Irã, Kuwait, Arábia Saudita, Bahrein, Catar e os Emirados Árabes Unidos) e ao Mar da Arábia.
Em seu ponto mais estreito, o canal separa Omã e Irã por apenas 33 km. Ele possui duas vias marítimas, cada uma medindo apenas 3km.
Embora não haja dados oficiais sobre o trânsito desse canal, de acordo com a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos (EIA, na sigla em inglês), cerca de um quinto das exportações mundiais de petróleo passam por aqui.
Ou seja, uma média de quase 21 milhões de barris de petróleo transita por dia nessa passagem marítima. Isso representa, segundo o EIA, 21% do consumo mundial de líquidos derivados do petróleo.
A maior parte da mercadoria (petróleo) que passa por este estreito é proveniente da Arábia Saudita e seus principais destinos são os mercados asiáticos da China, Índia, Japão, Coréia do Sul e Cingapura.
É de se esperar, então, que essa área seja o centro de tensão entre vários países.
Em 2018, aliás, ele ganhou destaque depois que o Irã ameaçou, mais uma vez, bloquear a passagem. Isso ocorreu depois que Donald Trump retirou os Estados Unidos do acordo nuclear, impondo sanções severas a Teerã.
As ameaças do Irã de bloquear a passagem preocupam o mundo, porque, se essa rota se tornar impraticável, a oferta mundial de petróleo cairia 20%, segundo dados compilados antes das últimas sanções americanas, publicadas pelo jornal The Washington Post.
No entanto, Peralonso diz que é um alerta para "colocar pressão". "É muito difícil para um país que vive de petróleo fechar seu escoamento", afirma.
4. Estreito de Malaca
Esta passagem marítima se estende por cerca de 930 km entre os oceanos Índico e Pacífico. Em sua parte mais estreita, voltada para Cingapura, tem apenas 2,7 km de largura.
De acordo com as publicações The Atlantic e Sea Trade Maritime, 84 mil navios cruzam esse estreito a cada ano, representando 25% do comércio mundial.
Dois terços do volume que passa pelo estreito são petróleo bruto do Golfo Pérsico. São cerca de 16 milhões de barris destinados, principalmente, à China e ao Japão. Mas a via também é importante para cargas a granel e contêineres.
O estreito tem se tornado cada vez mais importante para potências econômicas como China, Japão e Coréia do Sul, mas também para os emergentes do Sudeste Asiático.
"Este é um caminho fundamental para todas as trocas de mercadorias que existem entre o Oriente Médio e o Extremo Oriente. É um tráfego fundamental entre Índia, China e o Golfo Pérsico", diz Peralonso.
Mas a China não quer continuar dependendo desse estreito, porque muitas nações têm interesses geopolíticos ali.
Por isso, em 2013, o presidente chinês, Xi Jinping, lançou um ambicioso projeto de infraestrutura chamado Corredor Econômico China-Paquistão, como parte da Nova Rota da Seda, que o gigante asiático planeja finalizar nos próximos anos.
O objetivo é conectar a região oeste da China com o Mar da Arábia e o Oceano Índico, via Paquistão.
E a razão da China para apoiar o megaprojeto é estratégica: o gigante asiático quer conseguir um acesso terrestre mais prático e eficiente ao Oceano Índico do que o caminho que tem feito até agora, através do Estreito de Malaca.