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Autora de artigo contra PEC 241 deixa Ipea após críticas

13 out 2016 - 15h21
(atualizado às 15h42)
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Coautora de texto crítico ao projeto que limita gastos do governo foi contestada publicamente pelo presidente do Ipea, nomeado por Temer
Coautora de texto crítico ao projeto que limita gastos do governo foi contestada publicamente pelo presidente do Ipea, nomeado por Temer
Foto: Luis Macedo | Câmara dos Deputados / BBC News Brasil

Coautora de um artigo crítico publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre o projeto do governo que altera a Constituição para limitar gastos públicos pelos próximos 20 anos, a pesquisadora Fabiola Sulpino Vieira pediu exoneração do cargo de coordenadora da área de saúde da instituição.

A informação foi confirmada pelo Ipea à BBC Brasil nesta quinta-feira, dois dias após o presidente do instituto, Ernesto Lozardo, enviar nota pública contestando a posição da pesquisadora e declarando apoio do instituto à PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241 - apresentada como principal projeto do governo Temer contra a crise econômica.

O gesto foi visto com surpresa por parte dos servidores da instituição, que classificaram a exoneração como fruto de "pressão interna" e "intimidação" - o instituto nega e ressalta que o pedido partiu da ex-coordenadora.

A nota técnica que foi alvo da controvérsia, publicada em setembro e assinada por Vieira com o pesquisador Rodrigo Benevides, aponta que a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados na última segunda-feira pode resultar em perdas de até R$ 743 bilhões para a saúde.

Para os autores, a PEC parte do "pressuposto equivocado de que os recursos públicos para a saúde já estão em níveis adequados" e "impactará negativamente o financiamento e a garantia do direito à saúde no Brasil".

Em resposta, a presidência do Ipea afirmou que as conclusões são de "inteira responsabilidade dos autores" e classifica parte da nota como "irrealista e desconectada", enumerando dez pontos críticos ao trabalho técnico.

"A posição institucional do Ipea é favorável à PEC 241, por entender que ela possibilitará o equilíbrio das contas federais e um novo círculo virtuoso de crescimento", finaliza o texto assinado por Lozardo, que assumiu a instituição após o afastamento de Dilma Rousseff, em junho, e tem relação próxima ao presidente Michel Temer.

O texto criticado publicamente por Lozardo, entretanto, havia sido apresentado a um colegiado de diretores da instituição antes da publicação - incluindo o próprio presidente do Ipea, que estava presente na ocasião.

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Bastidores

A reportagem apurou que Vieira, especialista em políticas públicas e gestão governamental, foi chamada pessoalmente por Lozardo para dar explicações sobre o artigo. O pedido de afastamento aconteceu no dia em que a contestação foi publicada pela presidência.

"Fabíola Vieira não faz parte dos quadros do Ipea", segundo a instituição. O órgão afirmou à BBC Brasil que Vieira "pediu, por sua iniciativa, exoneração do cargo de coordenação que ocupava no Ipea, na última terça-feira, em caráter irrevogável". "Em virtude do caráter do pedido, a administração do Ipea deu encaminhamento à exoneração, como é praxe em qualquer caso semelhante."

Pessoas próximas afirmam que a pesquisadora prefere não comentar o caso - a reportagem não conseguiu contato com ela nos últimos dois dias.

Outros pesquisadores e coordenadores de diferentes diretorias do instituto, no entanto, foram entrevistados sob condição de anonimato. Eles afirmam que a contestação pública do artigo causou "constrangimento" aos pesquisadores porque "fere a liberdade e a pluralidade de visões" da instituição.

"Este não foi um artigo que saiu da cabeça dos pesquisadores e foi publicado. Notas técnicas são fruto de um processo demorado que envolve diversas conversas e aprovações", disse outro funcionário. "O texto passou pelo crivo de vários diretores e teve a publicação aprovada. Ele (Lozardo) resolveu desautorizar algo que ja havia sido autorizado."

A contestação pública do presidente ao artigo da ex-coordenadora foi classificada como "sem precedentes" por alguns servidores. Questionado, o Ipea não respondeu se episódios similares já aconteceram antes e afirmou que "não houve desmentido", porque o texto da nota continua "acessível no portal Ipea junto a todos os estudos que já foram produzidos pelo instituto".

"A nota da Presidência do Ipea deixa claro que as conclusões são de inteira responsabilidade dos dois autores e destaca que a direção do Ipea diverge das conclusões da nota técnica, porque o texto desconsidera diversas variáveis cruciais para se projetar ganhos ou perdas de recursos para a área de saúde até 2036, a partir da PEC 241", afirmou a instituição.

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Ética X Censura

A polarização nos corredores do Ipea se intensificou pela discussão interna de um novo Código de Ética para a instituição, ligada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

O ponto que mais gera polêmica entre servidores é uma proposta incluída pela gestão atual, que limita pesquisadores a comentarem apenas assuntos e relacionados a suas diretorias. O item foi visto como "censura prévia" que abriria precedentes para "retaliações" a artigos críticos ao governo.

O Ipea disse à reportagem que não comentaria as críticas sobre o conteúdo da minuta e afirmou que a revisão do código "começou a ser discutida em 2013, diante da constatação de que o código em vigor (...) não tratava de questões como conflito de interesse e a ética na pesquisa".

Segundo o instituto, um texto-base texto foi apresentado à nova diretoria, "que recomendou um amplo debate interno e manifestação de todos os servidores do Ipea sobre a proposta de código de ética". "Este é o estágio atual", informou.

O prazo para manifestações de pesquisadores sobre o texto se encerra em 31 de outubro - depois disso, um novo texto será enviado para "análise da área jurídica para publicação do novo Código de Ética em dezembro".

Votação

A polêmica PEC 241 foi aprovada em primeira votação na Câmara dos Deputados na segunda-feira, por 366 votos, 11 contra e duas abstenções. Estabelece um teto para o crescimento das despesas e gera discussão por congelar os gastos durante 20 anos (atualizados pela inflação) e alterar o financiamento da saúde e da educação no Brasil.

Dessa forma, a despesa permitida para um ano será a do ano anterior mais a porcentagem que a inflação desvalorizou da moeda. Caso o teto não seja cumprido, há oito sanções que podem ser aplicadas ao governo, inclusive a proibição de aumento real para o salário mínimo.

De um lado, a PEC é considerada necessária para reduzir a dívida pública do país - que está em 70% do PIB (soma das riquezas produzidas) - e tirá-lo da crise fiscal. Do outro, é vista como muito rígida e criticada por, em tese, ameaçar direitos sociais.

Haverá uma nova votação prevista para o fim deste mês e só depois o projeto deverá seguir para avaliação no Senado.

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