Análise: A Grécia capitulou diante de seus credores
Não acredito ter algum dia lido uma carta de um primeiro-ministro em que ele prometia abrir o mercado de academias de ginástica - e certamente isso nunca aconteceu no caso de uma carta que pode representar vida ou morte para uma economia.
Mas o documento enviado pelo premiê da Grécia, Alexis Tsipras, ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, bem como ao diretor do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, e à presidente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, faz essa promessa juntamente com outros compromissos de liberalização econômica envolvendo os mercados de serviços legais, bebidas, petróleo e mesmo alimentação.
O grande ponto da carta, no entanto, é que o governo de esquerda grego, formado pela coalizão Syriza, de certa forma capitulou diante de praticamente todas as exigências da União Europeia e do FMI por aumento de impostos e cortes nas aposentadorias. Tópicos anteriormente defendido pelo governo de Tsipras como uma questão de princípios parecem ter se tornado moedas pragmáticas de barganha.
Isso coloca os ministros da área econômica da zona do euro na berlinda. Será que eles podem recusar a se sentar à mesa com Tsipras imediatamente?
O do vazamento da carta de Tsipras pelo jornal - a manhã desta quarta-feira - pode ter importante impacto nas deliberações do BCE. O banco deve anunciar ainda nesta quarta-feira se vai pedir garantias às instituições financeiras gregas pelos 120 bilhões de euros enviados a título de Ajuda de Liquidez Emergencial.
No domingo, o BCE anunciou que não iria dar mais crédito aos bancos gregos, o que provocou o fechamento deles por uma semana, bem como a imposição de controles de capital - o congelamento de transferências para o exterior e a limitação de saques em 60 euros.
Se o BCE insistir em receber ativos dos bancos gregos como proteção contra perdas futuras, fontes me dizem que pelo menos dois bancos estariam em graves problemas, já que não contam nem com ativos nem dinheiro para pagar os empréstimos contraído junto ao BCE e ao Banco Central grego.
Em outras palavras: este pedido pode afundar um banco grego.
Por isso estou surpreso em ver o BCE tomando medidas drásticas neste momento em que o governo grego está tão perto de capitular. Porque a exigência de garantias pode ter a perversa consequência de exacerbar a crise nos bancos gregos e mostrar que as perdas potenciais da exposição do BCE à Grécia podem crescer.
E ainda pode piorar, caso os gregos votem pela rejeição às exigências feitas pelos credores no plebiscito de domingo, convocado por Tsipras no início da semana como forma de pressionar por uma renegociação do pacote de ajuda financeira recebido pela Grécia em 2010. Se os gregos realmente votarem "não", o BCE certamente pediria garantias e ao mesmo tempo dizimaria o sistema financeiro do país.
Por isso, Tsipras deve estar arrependido de ter convocado o plebiscito. E isso explica sua movimentação frenética, com novas ofertas aos credores, que podem tornar o referendo obsoleto.
E é bastante difícil imaginar como ele pode cancelar a consulta popular a não ser que os países da zona do euro e a União Europeia aceitem sua oferta de aumento de impostos e cortes na previdência como a base de um novo acordo.
Estamos ainda bem longe do fim dessa "tragédia grega".