Ao menos 3,4 mi de famílias não vão receber Auxílio Brasil
Impasse sobre promulgação da PEC dos Precatórios mantém beneficiários elegíveis na fila do programa, apesar de promessa do governo em acabar com a espera; ministro da Cidadania quer pagar valores retroativos em janeiro
Enquanto Senado, Câmara e governo não se entendem sobre a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, pelo menos 3,4 milhões de famílias vão passar o Natal na fila do Auxílio Brasil, sem receber o benefício de transferência de renda do governo federal.
Sem a promulgação da PEC, o governo poderá pagar apenas o benefício mínimo de R$ 400 para as 14,5 milhões de famílias que já receberam o Auxílio Brasil em novembro e que eram beneficiárias do Bolsa Família antes da pandemia.
O Ministério da Cidadania confirmou ao Estadão que a folha de dezembro será paga no próximo dia 10 apenas para essas famílias contempladas no mês passado. A fila continuará enquanto a PEC não for promulgada, admitiu o governo.
Como mostrou o Estadão, uma medida provisória foi editada para permitir o pagamento de R$ 400 em dezembro. Em novembro, depois da extinção do Bolsa Família, o benefício médio pago às famílias passou de R$ 186,68 para R$ 224,41, faltando o valor adicional para completar os R$ 400, o que dependia da PEC.
A promessa do governo Bolsonaro era zerar a fila de cerca de 2 milhões de famílias - chegando a 17 milhões de lares. Com novas inscrições no Cadastro Único depois do fim do auxílio emergencial, o número de beneficiários poderia ser ainda maior.
Em comunicado ao Ministério da Economia, o Ministério da Cidadania informou que, considerando a medida provisória aprovada pelo Congresso criando o novo programa, 17,9 milhões de pessoas seriam atendidas a um custo adicional de R$ 54,6 bilhões. Segundo planilha obtida pelo Estadão, há hoje um rombo de R$ 2,6 bilhões no teto de gastos mesmo com a PEC.
"O governo, mais uma vez, mostra indiferença com a pobreza, ao estimular expectativas sobre compromissos que em seguida são descumpridos", criticou a socióloga Leticia Bartholo, uma das maiores especialistas do País em programas de transferência de renda. Segundo ela, são cerca de 10 milhões de pessoas esperando há meses na fila que não poderão contar com a transferência de renda em dezembro.
Acordo
O ministro da Cidadania, João Roma, tem prometido pagar em janeiro de 2022 os benefícios retroativos depois que a PEC for promulgada. Ele participa das negociações.
Ontem, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), anunciaram um acordo em relação à PEC dos Precatórios, que abre ao todo espaço de R$ 106,1 bilhões no Orçamento de 2022 para o Auxílio Brasil turbinado. O Congresso deve promulgar hoje, ou seja, validar parte do texto aprovado igualmente por senadores e deputados.
As demais partes serão votadas na próxima terça-feira pela Câmara - em conjunto com uma outra proposta sobre o pagamento de sentenças judiciais ligadas a idosos e pessoas com deficiência, em tramitação desde 2012. Após passar na Câmara, o texto teria de retornar novamente ao Senado. "O objetivo é dar uma solução até o recesso parlamentar", disse Pacheco.
Segundo ele, as partes comuns da PEC aprovadas por deputados e senadores, que já podem ser promulgadas, garantem espaço fiscal de mais de R$ 60 bilhões. "Não há qualquer versão de queda de braço nem disputa entre uma Casa e outra. O que não dá é para uma PEC ter dois textos diferentes", disse Lira.
Mãe não sabe quando benefício será pago
Tamiris Moreira, de 28 anos, está entre os milhões de brasileiros que vão ficar sem o Auxílio Brasil neste mês. Beneficiária do auxílio emergencial de R$ 150, Tamiris, mãe de um menino de 5 anos, conseguiu finalmente ontem fazer o seu cadastro no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) na cidade Ipu, no Ceará. Mas a atendente já foi logo avisando: "Volta daqui a três meses para saber como está".
No início da pandemia, ela recebeu o auxílio emergencial de R$ 1.200 dado a mães chefes de família. "Como ela, são milhões sem assistência", diz Paola Carvalho, diretora da Rede Brasileira de Renda Básica. /COLABORARAM DANIEL WETERMAN e IANDER PORCELLA