Arcabouço fiscal: qual é avaliação dos economistas sobre a nova regra do governo
Leitura de parte dos analistas é de que o arcabouço pode estancar o crescente endividamento do País, mas sugere um ajuste mais lento
O projeto de lei do novo arcabouço fiscal - apresentado ao Congresso na terça-feira, 18 - se revelou mais brando do que o desenho que se imaginava inicialmente, de acordo com economistas ouvidos pelo Estadão.
O texto entregue ao Congresso trouxe 13 exceções. Permite, por exemplo, despesas com aumento de capital de empresas estatais não financeiras. A medida não foi bem vista pelo mercado financeiro. Nesta quarta-feira, 19, o dólar opera em alta, e a Bolsa de Valores recua.
A avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, é a de que a proposta apresentada pelo governo "veio pior do que a apresentação inicial" por causa das exceções que foram abertas ao limite de gastos.
De acordo com Vale, o arcabouço reforça o caráter de que todo o ajuste fiscal será realizado com base na receita. "E a expectativa de crescimento de 7,8% na receita líquida no ano que vem é bastante irrealista. Uma regra que dificilmente será cumprida."
Ele também vê um dificuldade de se cumprir as promessas feitas pelo governo para o superávit primário. A equipe econômica prometeu zerar o rombo das contas públicas no ano que vem e entregar um superávit de 0,5% em 2025.
"Usar a inflação do ano vai permitir uma expansão de gastos maior do que 0,6% estimados pela regra, o que coloca mais dificuldade em se cumprir o superávit primário", afirmou Vale.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena
O economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, avalia que o novo arcabouço fiscal é uma regra boa e que afasta o risco de piora da dívida pública e do descontrole de gastos. "Claro que poderia ser uma regra melhor, mais dura com os parâmetros de variação de receita e nos mecanismos de ajustes. Mas a regra está 'na média', a questão agora é acompanhar como ela vai ser executada, porque não basta ter regra, e sim o compromisso", afirmou.
Entre os pontos positivos dos parâmetros da arcabouço fiscal, Salto avaliou, por exemplo, que não vê risco de o governo superdimensionar receitas e, consequentemente, os gastos no exercício fiscal seguinte. "A menos que a própria inflação seja superdimensionada, isso não vai acontecer. A projeção de inflação do governo precisa estar alinhada com a do boletim Focus", ressaltou o economista. Pela nova regra fiscal, o crescimento das despesas de um ano para o outro está limitado a 70% do crescimento das receitas no período.
Para Salto, portanto esse "primeiro eixo" do arcabouço, relacionado ao controle das despesas tende a ser cumprido, levando a um efeito fiscal relevante para o governo. "Já esse segundo eixo, de atingir superávit primário, é mais difícil", contemporizou. "Depende de entrada de receitas recorrentes, por meio de reonerações ou fim das subvenções", emendou o analista.
Embora Salto tenha destacado que a Warren ainda irá revisar as principais projeções fiscais para o governo federal levando em consideração o novo arcabouço, a estimativa, por ora, é que o patamar da dívida pública em relação ao PIB passe a ficar estável apenas entre 2027 e 2028.
Claudia Moreno, economista do C6 Bank
A opinião da economista do C6 Bank Claudia Moreno é de que a regra vai na direção correta para permitir o equilíbrio da relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB). "O nosso questionamento é como vão chegar até lá", diz.
Nas contas dela, o País precisa de ajuste fiscal de dois pontos percentuais do PIB - em 2026, o governo projeta um superávit de 1% do PIB. "Seria preciso de mais arrecadação para (a conta) fechar, e as medidas que foram anunciadas são incertas", afirmou Moreno.
Sobre as exceções, ela avalia que o governo pode acabar usando as estatais para aumentar os investimentos. "O problema o que é que isso pode significar um aumento de gastos."
Caio Megale, economista-chefe da XP Investimentos
O economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, avalia que o novo arcabouço fiscal se caracterizou como mais expansionista, principalmente porque a nova regra já parte de um base alta de despesas deste ano após a aprovação da PEC da Transição.
Segundo ele, o crescimento real das despesas em 2024 acabará ficando em cerca de 2,1%, ao invés do que se esperava - um pouco abaixo de 1%, com o modelo que o governo utilizou para fazer a correção monetária do limite de gastos.
"Confirma o viés mais expansionista da política fiscal para frente, vai demandar um esforço de receita. A despesa está aí, é um crescimento importante, e a receita é incerta", disse ele.
Pelo texto do arcabouço, a variação da receita será medida, em termos reais (acima da inflação), até junho do ano anterior, com base na inflação acumulada até junho, enquanto a correção monetária somada a essa variação real será composta pela inflação acumulada de janeiro a junho, acrescida das projeções do governo contidas na proposta orçamentária para julho a dezembro.
Laura Moraes, economista da Neo Investimentos
A economista da Neo Investimentos Laura Moraes acredita que ainda restam dúvidas em relação ao arcabouço fiscal. "Na minha visão, coloca limites fracos que não são suficientes para estabilizar a trajetória da divida." Ela também critica o fato de o projeto não trazer uma grande penalidade para o caso de não cumprimento das metas de resultado primário.
O projeto obriga o presidente da República a explicar os casos de descumprimento das metas fiscais, mas retira a responsabilização por não cumprimento da meta que existia antes na Lei de Responsabilidade Fiscal.
"Ou seja, a meta de resultado primário é somente uma indicação de intenção", disse. "A penalidade por não cumprimento vem somente para evitar que caia na banda de 50% de aumento da despesa. Essa punição parece bastante branda e sugere um ajuste fiscal muito mais lento". / COLABORARAM ANNA CAROLINA PAPP E ADRIANA FERNANDES