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Armas e munições são excluídas do ‘imposto do pecado’ na reforma tributária promulgada: ‘Retrocesso’

Texto final não cita armamentos no Imposto Seletivo, que visa desincentivar o consumo de alguns bens e serviços; entenda

10 jan 2024 - 07h36
(atualizado às 09h15)
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No Brasil, mais de 70% dos homicídios são cometidos com armas de fogo
No Brasil, mais de 70% dos homicídios são cometidos com armas de fogo
Foto: Jay Rembert / Unsplash

Em meio ao vai e vem da tramitação da reforma tributária, promulgada no último dia 20, as armas e munições foram excluídas da lista doimposto do pecado’ - apelido dado ao Imposto Seletivo (IS), um ‘terceiro’ tributo que tem como objetivo desincentivar o consumo de alguns bens e serviços.

O Imposto Seletivo tem uma função similar à que antes era atribuída ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). De acordo com o texto promulgado a partir das discussões da PEC 45/2019 , incluído na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 132/2023, passam a ser sobretaxadas a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Mas, agora, os armamentos não estão citados nominalmente.

Em versão anterior da redação da reforma tributária, como mostrado pelo Terra, chegou a ser previsto que o Imposto Seletivo também incidiria sobre armas e munições, “exceto quando destinadas à administração pública”.

O advogado, doutor em Direito Internacional e coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, Jefferson Nascimento, explica à reportagem que o dispositivo, mantido pelo Senado, foi revertido pela Câmara na última votação relacionada à reforma tributária. “Sem dúvidas, é um retrocesso”, avalia.

"O que fica é um gosto amargo. Agora se inicia um amplo debate, que também vai levar um tempo importante", diz, adiantando já ter recebido sinalização por parte do governo de que a regulamentação do Imposto Seletivo será uma das prioridades do ano.

O que muda na prática?

Entre as mudanças propostas pela reforma tributária, há a simplificação dos impostos sobre o consumo. Serão dois, para além do Imposto Seletivo de finalidade extrafiscal: 

  • CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que unificará os tributos federais PIS, Cofins e IPI;
  • IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços), que unificará o ICMS e o ISS, tributos estaduais e municipais, respectivamente.

Atualmente, há uma alíquota de imposto sobre armamentos e munições maior do que a incidente sobre outros bens, considerando o caráter nocivo à saúde que esses itens podem provocar. Essa tributação é feita pelo IPI, que perderá seu caráter extrafiscal com a unificação dos impostos propostos pela reforma.

Quem cumprirá essa função agora será o Imposto Seletivo, mas com a remoção das armas e munições do Imposto Seletivo, a indústria armamentista pode ser favorecida pela reforma tributária.

“Agora não há nenhum dispositivo previsto que assegure que esses bens terão uma alíquota diferente da alíquota média incidente, por exemplo, sobre alimentos, material escolar para crianças, livros e outros. Isso não faz sentido”, explica o especialista.

A questão ainda pode ser revertida?

Os impostos estão sendo substituídos, mas ainda não se sabe quais serão suas alíquotas. Ainda não há certeza sobre as taxas do Imposto Seletivo, nem dos futuros CBS e IBS. Isso passará a ser discutido nesta nova fase da reforma tributária.

O que se espera é que o Imposto Seletivo, sendo incidente sobre revólveres e pistolas, se estabeleça a partir dessa diferença entre a alíquota base do CBS e do IBS, para que, no mínimo, seja mantida a alíquota atual.

“Já que não se conseguiu prever explicitamente na Constituição armas e munições no escopo do Imposto Seletivo, o que caberá fazer é discutir esse tema no âmbito de sua regulamentação”, explica Jefferson.

Um caminho possível, citado por ele, é promover debates para que os itens sejam incluídos no atual escopo do IS por conta de seu impacto sobre a saúde.

O que foi mantido?

  • Redução de alíquota

A Câmara dos Deputados, inicialmente, passou a reforma tributária com uma descrição ambígua sobre operações que seriam beneficiadas com uma redução de 60% das alíquotas de seus tributos. Foi direcionado que a redução poderia ser dada em casos de “bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética”.

Segundo o representante da Oxfam, esse trecho foi incluído no projeto ao final da tramitação da reforma tributária na Câmara, em meio à votação da agenda aglutinativa. “Foi um tema que não passou por nenhum tipo de debate durante os meses que a PEC 45 tramitou na Câmara e nos despertou muita preocupação”. 

Em conformidade com o proposto pelas organizações, o Senado inverteu a ordem da frase. A alteração foi mantida pela Câmara e consta no texto final da agora Emenda Constitucional 132:

Art. 9º ……………………….. § 1º A lei complementar definirá as operações beneficiadas com redução de 60% (sessenta por cento) das alíquotas dos tributos de que trata o caput entre as relativas aos seguintes bens e serviços: ……………………….. XIII – bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética.

Assim, caso seja possível retomar a sobretaxação de armas e munições, não haverá argumento para que as mesmas possam ter alíquotas reduzidas para casos que não são voltados à segurança nacional.

  • Brecha que enfraquece o IS

No geral, também foi mantido um parágrafo que enfraquece a dinâmica em torno do Imposto Seletivo. Como já explicado pela reportagem, esse trecho impede que o Imposto Seletivo incida sobre bens e serviços de alíquota reduzida: 

Art. 9º........ § 9º O imposto previsto no art. 153, VIII, da Constituição Federal não incidirá sobre os bens ou serviços cujas alíquotas sejam reduzidas nos termos do § 1º 

Para o representante da Oxfam, esse é um ponto de preocupação ainda maior pelo fato de que armas e munições saíram do escopo, pelo menos explícito, do Imposto Seletivo – mas que, de todo modo, o debate sobre esse trecho ultrapassa a questão da indústria armamentista.

Nascimento cita os insumos agropecuários -- previstos como passivos de redução de alíquota de 60%, mas que, sem um detalhamento mais preciso, podem ser considerados como parte desses insumos os agrotóxicos. “Vai haver um debate a respeito da aplicação do imposto seletivo, já que por conta desse parágrafo nono do artigo nono, uma coisa acaba travando a outra”, finaliza.

Quais os atuais impostos sobre armas e munições?

Até o momento, como citado em notas técnicas lançadas em conjunto pelo Instituto Sou da Paz e a Oxfam Brasil, nos armamentos incide o IPI, PIS/Confins e o ICMS.

Levando em consideração os dados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a tributação é dada da seguinte maneira:

Revólveres e pistolas

• IPI (federal): 29,25%

• PIS/Confins (federal): 9,25%

• ICMS (estadual): 37% no RJ e 25% em SP

• Tributação total: 75,5% no RJ e 63,5% em SP

Partes e acessórios de revólveres ou pistolas

• IPI (federal): 29,25%

• PIS/Confins (federal): 9,25%

• ICMS (estadual): 37% no RJ e 25% em SP

• Tributação total: 75,5% no RJ e 63,5% em SP

Cartuchos

• IPI (federal): 13%

• PIS/Confins (federal): 9,25%

• ICMS (estadual): 37% no RJ e 25% em SP

• Tributação total: 59,25% no RJ e 47,25% em SP

Em 2018, segundo a nota técnica das instituições, a tributação total para revólveres e pistolas era de 91,25% no RJ e de 79,25% em SP.

Por que é importante sobretaxar armamentos?

O gerente de projetos do Instituto Sou da Paz e mestre em Políticas Públicas, Bruno Langeani, ouvido pelo Terra em dezembro passado, acredita que o que motiva um olhar especial voltado à tributação de armas e munições é a série de danos secundários que esses produtos causam na sociedade.

“No Brasil, mais de 70% dos homicídios são cometidos com armas de fogo. Além dessas mortes violentas perpetradas, a arma de fogo também é um elemento usado para uma série de outros crimes que impactam a sociedade e o próprio desenvolvimento de um país. Na medida que um negócio fecha porque não aguenta mais ser roubado, ou que uma pessoa deixa de estudar à noite por medo de ser violentada, há um impacto grande no PIB do País”, acredita.

Além disso, um estudo do Instituto Sou da Paz divulgado neste ano, referente a dados do ano passado, estima gastos anuais de R$ 41 milhões no Sistema Único de Saúde (SUS) direcionados ao tratamento de pessoas internadas por conta de ferimentos de balas de arma de fogo. O gasto é 59% maior do que o valor direcionado ao tratamento de outras formas de agressão. “Um produto que causa tantos danos, tantos malefícios, não pode ser um produto barato”, complementa Langeani.

Fonte: Redação Terra
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