Austeridade fiscal e crescimento
Governo precisa recuperar sua capacidade de realizar investimentos e fazer os ajustes estruturais
Na última recessão brasileira, que durou quase três anos, do 2.º trimestre de 2014 ao 4.º trimestre de 2016, o PIB brasileiro caiu 8,1%. Daí para a frente, o País mergulhou em virtual estagnação, com crescimento médio de 1,2%, nos últimos três anos, pouco acima da taxa de aumento populacional, o que impediu a recuperação da renda per capita. Ao invés de fazer galhofa, o governo Bolsonaro deveria olhar com mais seriedade esta questão, não só para prestar esclarecimentos à população, como também para buscar correções de rumo, em conjunto com o Legislativo.
O primeiro ponto que pretendo chamar a atenção é para a visão simplista, aceita por boa parte dos analistas econômicos, de que há uma relação contemporânea e direta entre corte de gastos e retomada do crescimento. Trata-se da consolidação fiscal expansionista.
A introdução desse conceito na literatura econômica se deve principalmente aos trabalhos de Alberto F. Alesina, da Universidade Harvard, que vem estudando o tema desde os anos 90, quando vários países emergentes começaram a entrar em sérios problemas de insolvência fiscal. Alesina é um economista de grande competência, mas a interpretação de suas pesquisas não é tão simples como as autoridades econômicas parecem crer. Além disso, estudos mais recentes têm demonstrado de forma robusta que a austeridade fiscal, embora tenha a virtude de melhorar os índices de endividamento do País, provoca efeitos contracionistas significativos na atividade econômica.
Um excelente artigo publicado em blog do Fundo Monetário Internacional em julho de 2018 (Ajuste fiscal e crescimento: um dilema de política econômica), com amostra de países da América Latina, apresenta resultados interessantes. Vale a pena mencionar as principais estimativas feitas neste estudo, considerando corte de gastos de 1% do PIB e seus efeitos acumulados em dois anos. Em média, constatou-se queda de 0,8% no crescimento do PIB. Para países superendividados, com alto risco de insolvência (não me parece ser o caso brasileiro atual), o efeito contracionista é menor, mas ainda negativo em cerca de 0,5%. O achado mais importante para a situação econômica do Brasil atual é que corte de investimentos públicos provoca efeitos contracionistas muito mais expressivos do que corte nos gastos correntes: 1,3% e 0,4%, respectivamente. Que lições podemos tirar desses estudos?
A primeira é que, embora necessária, a austeridade fiscal cobra seu preço em termos de crescimento econômico, ao menos no curto prazo. A segunda é que o ajuste fiscal brasileiro, que atinge principalmente os investimentos públicos, provoca efeitos contracionistas muito expressivos, com elevação do desemprego. Atualmente, sabe-se que isso pode comprometer também o médio e o longo prazos, mediante um fenômeno que os economistas chamam de histerese.
A política econômica brasileira, como disse o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, parece resumir-se a cortar, cortar, cortar. Se o governo não recuperar sua capacidade de realizar investimentos, talvez, até mesmo, com alterações no teto de gastos, e se a austeridade fiscal não for complementada por ajustes estruturais, a economia continuará patinando ou até mesmo acabará retrocedendo, dado que o ciclo econômico mundial também é desfavorável.
Destaco, entre outras medidas, a reforma tributária, nos moldes da excelente PEC 45/19, que aumentaria expressivamente a produtividade da economia; a reforma administrativa, que no médio prazo abriria espaço no engessado Orçamento federal; a reorganização das finanças dos Estados e municípios; a recuperação da infraestrutura; um projeto sério para a área educacional; e políticas voltadas à redução da pobreza e da desigualdade.
A situação é séria e não pode ser tema de brincadeiras de mau gosto.
ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA