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Banco Central deve culpar guerra na Ucrânia pelo estouro da meta de inflação pela 2ª vez seguida

Toda vez que a inflação fica fora do limite de tolerância, Banco Central tem de enviar carta de explicação ao Ministério da Fazenda

10 jan 2023 - 05h10
(atualizado às 07h44)
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Toda vez que a inflação fica fora do limite de tolerância da meta, o BC tem de explicar por que falhou na sua principal missão
Toda vez que a inflação fica fora do limite de tolerância da meta, o BC tem de explicar por que falhou na sua principal missão
Foto: Dida Sampaio/Estadão / Estadão

BRASÍLIA - Em carta ao novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), o Banco Central deve citar a guerra na Ucrânia e a reabertura econômica pós-covid como as principais justificativas para não cumprir a meta de inflação pelo segundo ano seguido em 2022. O banco também deve reforçar a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, como arma para ganhar a batalha contra a alta de preços.

No mercado financeiro, o terceiro estouro consecutivo da meta já está na conta para 2023, sobretudo considerando o risco fiscal, que o BC pode destacar de novo ao se explicar para Haddad. A carta deve ser enviada pela autoridade monetária à Fazenda nesta terça-feira, 10, após a divulgação do IPCA - índice oficial de inflação - de 2022.

Segundo pesquisa do Projeções Broadcast, o IPCA deve fechar 2022 em 5,60% - porcentual acima do teto da meta (5%) estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), após desvio de 4,81 pontos porcentuais ante o teto da meta em 2021.

Toda vez que a inflação fica fora do limite de tolerância da meta, o BC tem de explicar por que falhou na sua principal missão: a estabilidade dos preços. Desde a criação do sistema de metas, em 1999, o BC descumpriu a meta seis vezes. Com a segunda carta seguida, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, se iguala a Henrique Meirelles no número de explicações oficiais à Fazenda.

Alimentos e combustíveis

Nas contas da economista Tatiana Nogueira, da XP Investimentos, a inflação de alimentos deve responder pela maior contribuição para o IPCA de 2022, devido à alta de preços de commodities e fertilizantes na esteira da guerra entre Rússia e Ucrânia. Mas o conflito no leste da Europa poderia ter prejudicado ainda mais a inflação brasileira não fosse a desoneração tributária sobre os combustíveis, patrocinada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) às vésperas da eleição presidencial.

Só a deflação dos combustíveis deve aliviar o IPCA em 1,4 ponto porcentual no ano passado, calcula a economista da XP. Considerando a redução tributária total, sobre itens como energia elétrica e telecomunicações, o efeito de baixa sobre a inflação de 2022 deve ser de 2,2 pontos porcentuais. Na divisão do BC, os preços livres, mais sensíveis à política monetária, devem responder por 6,8pp do resultado inflacionário do ano passado. "Supondo estabilidade dos preços administrados, a inflação de 2022 teria rompido muito mais o teto superior da meta."

Além da guerra na Ucrânia, Nogueira cita os efeitos da política de covid zero na China para a inflação de bens industriais, que provocou atraso na normalização das cadeias de produção. No âmbito doméstico, por sua vez, o principal impacto nos preços veio da reabertura do setor de serviços diante do maior controle da pandemia.

Os efeitos indiretos da disparada em 2021 da inflação de bens duráveis, como automóveis, em foram relevantes, afirma o economista João Fernandes, da Quantitas Asset. Afetado pela alta do custo, o seguro de automóveis deve terminar 2022 com aumento de 32%, nos cálculos de Fernandes, o maior avanço desde o início do Plano Real. Da mesma forma, o gasto com emplacamento e licença, que reflete o IPVA, deve ter a maior alta da série histórica, considerando a expectativa de elevação de 22% do economista da Quantitas.

Além disso, com o aumento da circulação de pessoas em 2022, as despesas com viagens devem avançar 20% em 2022, considerando a média entre as taxas esperadas para passagem aérea, hospedagem e pacote turístico, calcula Fernandes.

Para o economista, esses dois movimentos, contudo, já mostraram esgotamento no final do ano passado e a tendência é de que contribuam para um quadro inflacionário mais comportado em 2023. Por outro lado, o economista considera que os impostos federais vão voltar a incidir sobre a gasolina este ano, provocando o avanço de 13,5% do item no IPCA, contra queda de 25% em 2022. Desse modo, a expectativa é de que o índice oficial de inflação termine os dois anos em 5,60%. Para 2023, o teto da meta é de 4,75%.

Reação

"Vai ser mais um ano de descumprimento da meta [em 2023]. A reação do BC deve ser manter a Selic parada o ano todo. Se o fiscal piorar muito, o que não acho que deve acontecer, não dá para descartar uma alta de juros", avalia Fernandes, que vê espaço para a autoridade monetária voltar a alertar sobre a preocupação com as contas públicas na carta à Fazenda.

Tatiana Nogueira, da XP Investimentos, também estima que a taxa Selic vai continuar em 13,75% ao ano até o fim de 2023. "As expectativas de inflação de 2024 e 2025 voltaram a subir. O BC deve conviver com desconforto durante o ano, mantendo a Selic estável. Há risco de corte, mas as sinalizações da política fiscal vão na direção oposta", disse, citando o impacto de R$ 168 bilhões da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.

Para Nogueira, na parte da carta em que o BC aponta medidas para alcançar a convergência inflacionária, a autoridade monetária deve argumentar que espera continuidade da normalização de preços de commodities e bens industriais e que já colhe frutos de política monetária mais restritiva na desinflação de serviços.

Na avaliação de Fernandes, o novo estouro da meta de inflação deteriora um pouco a credibilidade do BC, algo que pode, inclusive, ser calculado pelo avanço das expectativas de inflação longas mesmo antes do aumento da preocupação fiscal. "Já há descolamento, que deve ser fruto da perda de credibilidade do BC e da mudança de patamar da inflação mundial."

Hoje, o BC mira os anos de 2023 e 2024 para convergência da inflação. No Boletim Focus divulgado nesta segunda-feira, 9, a mediana para o IPCA de 2023 subiu para 5,36%. Para 2024, o avanço foi para 3,70% e, para 2025, para 3,30%, contra o centro da meta de 3,00% para os dois anos.

Estadão
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