Banco do Brics busca alternativa a hegemonia de países ricos
Os líderes de Brasil, China, Índia, Rússia e Africa do Sul – grupo conhecido como Brics – lançaram nesta terça-feira em Fortaleza o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), ou Banco dos Brics - uma instituição financeira voltada para o financiamento de "projetos de infraestrutura e de desenvolvimento" em países pobres e emergentes. Participaram do encontro – o 6º Fórum dos Brics -, além da presidente Dilma Rousseff, o novo premiê indiano, Narendra Modi, e os presidentes Vladimir Putin, da Rússia, Xi Jinping, da China, e Jacob Zuma, da África do Sul.
Acredita-se que o novo banco possa representar uma equivalente “emergente” ao Banco Mundial, um órgão internacional tradicionamente dirigido por um representante dos Estados Unidos, com aporte americano significativo. Segundo Paulo Visentini, professor de Relações Internacionais da UFRGS, e Alcides Vaz, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a criação do banco faz parte de uma barganha política.
Uma das poucas demandas comuns dos Brics diz respeito à necessidade de reformas em instituições de governança política e econômica globais. Em especial, os cinco reivindicam mais voz no Banco Mundial e também no FMI (Fundo Monetário Internacional) – este, um órgão tradicionalmente comandado por um representante europeu. "A criação desse banco pode ser um marco histórico importante: se ele de fato sair do papel será a primeira vez que países emergentes criam uma instituição desse porte, com mandato para atuar em diversos continentes", acredita Visentini.
"Com a criação do banco, os Brics estão dizendo que se os Estados Unidos e a Europa não modificarem o perfil dessas instituições, eles vão criar suas próprias instituições", diz ele.
"Há uma tentativa de relativizar mecanismos tradicionais (de atuação econômica e política) e explorar alternativas a esses mecanismos nos quais emergentes não têm muito espaço", acrescenta Vaz. Mas o novo banco já nasce com uma série de questionamentos – entre eles o temor de que ele se transforme em um veículo para ampliação da influência chinesa e não venha a fomentar o desenvolvimento a que se propõe.
Dúvidas
Para Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas, e Marcos Troyjo, especialista em Brics da Universidade de Columbia, nos EUA, existe de fato a possibilidade de que a China tenha uma influência excessiva sobre o banco. O PIB da China é maior que o de todas as outras economias do Brics juntas e também é o que mais cresce – expandindo-se a uma taxa de mais de 7% ao ano.
"Esse novo banco pode permitir a China investir em alguns países em que hoje há receio da ‘invasão chinesa’", diz Stuenkel, explicando que, com envolvimento do banco, os investimentos chineses teriam uma "cara" mais multilateral. Stuenkel diz que em uma tentativa de evitar um peso excessivo da China no banco dos Brics, o Brasil teria insistido desde o início do projeto que o seu capital inicial fosse aportado igualmente pelos cinco países do clube emergente – embora os chineses tivessem condições de colocar muito mais dinheiro.
Ao mesmo tempo, a cidade mais cotada para ser a sede dessa nova instituição financeira é Xangai – o que poderia em tese dificultar essa tarefa. ONGs e movimentos da sociedade civil que fazem um encontro paralelo à cúpula de chefes de Estado em Fortaleza ressaltam a necessidade de garantir que os projetos financiados pelos recursos do banco realmente promovam "desenvolvimento".
"O problema é que, ao que tudo indica, esse banco vai continuar a financiar megaprojetos de infraestrutura que só beneficiam os líderes políticos e as empresas neles envolvidas", diz Carlos Tautz, do Instituto Mais Democracia. "Ninguém está falando em financiar hospitais, escolas ou saneamento básico para beneficiar diretamente as populações desses países."
Histórico
O projeto do banco dos Brics vem sendo discutido desde 2012. No ano passado, em Durban, na África do Sul, os cinco países deram sinal verde tanto para essa iniciativa quanto para o chamado Arranjo Contingente de Reservas (ACR) – um fundo que servirá para socorrer países com problemas de liquidez financeira. As duas instituições foram construídas à semelhança do Banco Mundial e do FMI, como admitiu recentemente o subsecretário-geral político do Ministério das Relações Exteriores, embaixador José Alfredo Graça Lima.
"O objetivo não é substituir essas instituições, mas suplementar, apoiando projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países do Brics ou em países emergentes, importantes para o Brics", explicou. Em Durban ficou decidido que o banco deve ter um capital de US$ 50 bilhões - aportado em quantias iguais pelos cinco Brics - e o ACR incluirá reservas de US$ 100 bilhões, sendo que US$ 41 bilhões virão da China; Brasil, Rússia e Índia, entrarão com U$ 18 bilhões cada; e África do Sul, com US$ 5 bilhões.
Mas ainda faltava chegar a um acordo sobre uma série de pontos relativos a esses dois projetos – e em especial o banco dos Brics. Por exemplo: além de onde será sua sede, quem será seu presidente, como deve ser a configuração de seu conselho administrativo e quais serão suas políticas de crédito. Também não está claro sob que condições países de fora dos Brics poderão acessar os recursos do banco.
Só se saberá em quais desses pontos já há consenso quando a declaração de Fortaleza for assinada pelos cinco países, na tarde desta terça feira. "Mas desde Durban já avançamos muito", disse uma fonte ligada ao Itamaraty. "Há um ano tínhamos pouco mais que uma página em branco." Segundo o que vem sendo divulgado por autoridades dos cinco países, o banco dos Brics poderia entrar em operação em 2016.
Embora a cidade melhor cotada para albergar sua sede seja Xangai, Nova Déli também seria uma candidata forte. O Brasil teria sido o único país que não apresentou uma proposta de sede.
Para Troyjo, da Universidade de Columbia, foi uma decisão míope. "Não pleitear uma sede brasileira só pode ser resultado de uma falta de visão de longo prazo, uma hipertrofia da agenda imediata do país, porque essa pode ser uma instituição multilateral de peso em alguns anos", opina.
Razões
Mas, afinal, para que países como Brasil, Índia e China – que já tem seus bancos de desenvolvimento - precisam de um novo banco para financiar projetos de infraestrutura? Além da razão política de criar uma alternativa à hegemonia americana e europeia no sistema financeiro internacional, do ponto de vista financeiro, o banco dos Brics poderia receber uma classificação de risco melhor que os países do grupo para captar dinheiro no mercado a custo menor.
Para Troyjo, a escolha dos Brics por uma estratégia de construção institucional também ajudaria a tirar a atenção da questão do crescimento econômico – que motivou a criação do acrônimo Brics - em um momento em que os cinco países estão desacelerando (embora isso para a China signifique uma expansão de mais de 7% ).
Stuenkel, da FGV, concorda que a institucionalização é uma saída para dar relevância ao grupo e garantir a cooperação entre países de interesses econômicos e políticos tão díspares. "O banco ajuda a assegurar que o grupo continuará existindo. Os cinco países estarão assumindo um compromisso firme, de longo prazo, que exigirá o encontro frequente de suas autoridades."
Vaz enfatiza que os cinco países do Brics nunca tiveram como ambição falar em uma única voz no que diz respeito a temas políticos da agenda internacional. "Não há programa de integração política: são países politicamente diferentes, com interesses diferentes e culturas diferentes", reforça José Botafogo Gonçalves, ex-ministro de Indústria e Comércio Exterior e ex-embaixador do Brasil na Argentina.
Ainda assim, Gonçalves acredita que essas diferenças não impedem que os integrantes do bloco construam uma agenda conjunta em torno de temas como desenvolvimento sustentável, investimentos em infraestrutura, transporte e energia. "O banco dos Brics seria um resultado concreto da cooperação. O G7 (grupo das nações mais industrializadas e desenvolvidas economicamente), por exemplo, nunca conseguiram nada nessa linha", opina Troyo.