Bolsa avança 1,8% e dólar recua a R$ 5,10, apesar da guerra na Ucrânia
Na volta do feriado do carnaval, mercado nacional acompanhou o bom desempenho do exterior; investidores ainda esperam uma saída diplomática para guerra entre Rússia e Ucrânia
Apoiados na recuperação dos mercados internacionais, os ativos nacionais têm um bom desempenho nesta quarta-feira, 2, na volta do feriado do carnaval, apesar da guerra entre Rússia e Ucrânia, que já entra em seu sétimo dia. A Bolsa brasileira (B3) seguiu o comportamento do exterior e subiu 1,80%, aos 115.173,61, enquanto no câmbio, o dólar teve queda de 0,94%, a R$ 5,1073.
No exterior, o dia também foi favorável, os mercados da Europa fecharam em alta, com destaque para o ganho de 1,36% da Bolsa de Londres. Em Nova York, os ganhos foram ainda maiores, com Dow Jones subindo 1,79%, S&P 500, 1,86% e o Nasdaq, 1,62%.
Apesar do bom desempenho do dia de hoje, Edward Moya, analista da Oanda, diz que as ações se recuperaram na esperança de que as sanções aplicadas pelo Ocidente possam estar surtindo efeito na Rússia. No entanto, o "apetite ao risco terá dificuldades para se recuperar completamente até que um verdadeiro fim da guerra na Ucrânia esteja à vista".
Os investidores ainda esperam uma saída diplomática para a guerra, com a esperança de um avanço nas negociações de cessar-fogo entre os dois países ajudando a impulsionar os ativos. Um segundo encontro entre os negociadores russos e ucranianos deverá acontecer amanhã, na Belarus.
Desde sexta, a solidariedade e o apoio à resistência ucraniana - na Europa e nos Estados Unidos, assim como no Japão e mesmo em países tradicionalmente neutros, como a Suíça - no aprofundamento de sanções à Rússia resultou, por outro lado, em bombardeios ainda mais pesados em cidades com Kiev, capital da Ucrânia, Kharkiv, no leste, e Kherson, que já teria sido tomada por militares russos.
Hoje, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a resolução que condena a invasão russa e pede a retirada imediata da Rússia do território ucraniano. O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg e afirmou que os aliados da Otan "providenciaram suporte significativo para a Ucrânia", e que o grupo segue apoiando o governo local.
"A situação que se tem hoje é muito complexa e o mercado talvez esteja sendo um pouco negligente. O conflito é sério e pode se tornar ainda mais sério. Há muito otimismo quanto à chance de uma conversa sobre cessar-fogo. Mesmo as sanções anunciadas, especialmente a exclusão de bancos russos do Swift, têm algum grau de dificuldade na implementação - fala-se em até 10 dias para que seja operacionalizada. Há impressão de que Putin já desejaria um cessar-fogo por não aguentar a asfixia financeira. Mas ele não parece ter atingido seus objetivos, ainda", diz Rodrigo Natali, diretor de estratégia da Inversa.
As consequências da guerra também já afetam vários países. Nesta tarde, o presidente do Federal Reserve (Fed, o presidente do banco central americano), Jerome Powell, disse que "vai elevar o juro com cuidado, para não gerar incertezas", reforçando a percepção do mercado de que um aumento de 0,50 ponto porcentual está agora fora de cogitação.
Por aqui, a interrupção do fluxo de exportação de fertilizantes russos ao Brasil, assim como para a grande maioria de outros países do mundo, é uma "questão de tempo", avalia a consultoria StoneX. Já a ministra da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, destacou o comportamento volátil das commodities agrícolas. "Se o (preço do) pãozinho vai subir? Hoje o preço do trigo disparou. Não é o mais alto dos últimos anos, mas o valor foi às alturas. A soja também já subiu e agora está caindo, o milho também...", analisou durante entrevista à CNN Brasil.
Segundo Luciano Costa, economista-chefe da Kilima Asset, a pressão sobre commodities como o petróleo e o minério beneficiam a B3, mantendo o interesse e o fluxo estrangeiro. Em relatório, a XP destacou que os "setores financeiro e (de) commodities respondem por 80% dos lucros do Ibovespa em 2022, e, atualmente, têm um peso de 62% dentro do índice".
A forte alta do petróleo, cujos contratos atingiram os maiores valores em mais de dez anos, deu apoio para o setor - Petrobras ON e PN subiram 3,19% e 2,06%, enquanto PetroRio avançou 9,73% e 3R Petroleum, 12,93%. Também na onda de valorização das commodities, Vale avançou 7,99% e CSN, 8,09%. No ano, o Ibovespa sobe 9,87%.
Câmbio
A onda de recuperação de ativos de risco no exterior e a valorização expressiva dos preços das commodities abriram espaço para uma nova rodada de apreciação do real. Na máxima de hoje, a moeda atingiu R$ 5,2236 de manhã, ganho de 1,32%, mas logo passou a cair a R$ 5,10. A moeda já acumula desvalorização de 8,40% em 2022.
No exterior, o índice DXY, que mede o desempenho do dólar frente a seis divisas fortes, cedeu 0,10%. Já o rublo russo que havia amargado queda de mais de 30%, liderou os ganhos entre emergentes, com alta de mais de 6% ante o dólar.
"Parece que o mercado devolveu a alta do dólar que vimos na sexta-feira, quando investidores se protegeram antes do feriado. Apesar do ambiente muito incerto, estamos vendo um aumento recente das commodities, que pode estar favorecendo um pouco o fluxo via exportadores para o Brasil", diz a economista Cristiane Quartaroli, do Banco Ourinvest, salientando que é cedo para apostar uma tendência maior de queda do dólar, já que o ambiente ainda é de muita incerteza.
Para o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, os mercados de risco apresentam uma recuperação pontual, após dois dias seguidos de queda, movimento que acaba se refletindo nos ativos domésticos, como o real. "Powell sacramentou um aumento moderado de 0,25 ponto nos juros, que devem continuar subindo depois de forma gradual", diz Velho.
Velho observa, porém, que o mercado pode experimentar uma nova rodada de deterioração, já que a guerra trará como grande efeito colateral a alta global da inflação, em sintonia, provavelmente, com perda de dinamismo da atividade. Os preços das commodities, tanto agrícolas como energéticas, devem seguir em rota ascendente, por conta do choque de oferta. "Ao mesmo tempo em que as commodities em alta favorecem o real e parece continuar o fluxo de estrangeiro para o Brasil, o dólar pode voltar a subir com aversão ao risco e essas pressões sobre a economia global". /LUÍS EDUARDO LEAL, ANTONIO PEREZ E MAIARA SANTIAGO