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Bolsonaro edita MP que restringe concessão de benefício assistencial e pode excluir 500 mil

Texto limita o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a quem tem renda de até 1/4 do salário mínimo; artigo da lei do auxílio emergencial permitia elevar linha de corte a meio salário

31 dez 2020 - 20h49
(atualizado às 20h54)
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BRASÍLIA - A poucas horas do fim de 2020, o presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória restringindo novamente a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, a quem ganha até um quarto do salário mínimo. O texto tem vigência imediata e, como antecipou o Estadão/Broadcast, pode excluir cerca de 500 mil brasileiros que teriam acesso à assistência, caso o critério de renda fosse ampliado como vinha sendo estudado anteriormente. Essas pessoas terão de recorrer à Justiça para obter o benefício.

A medida não era unânime dentro do governo, gerou embate entre ministérios e deve provocar polêmica no Congresso Nacional, sobretudo com o fim do auxílio emergencial a vulneráveis, o temor de aumento nas taxas de pobreza no País e uma demanda maior por programas sociais no País.

Um aumento gradual do valor, como queriam o Ministério da Cidadania e uma ala da área econômica, teria custo adicional de R$ 5,8 bilhões ao ano. A área que cuida da parte fiscal dentro da Economia foi contra e saiu vitoriosa. O texto é assinado por Bolsonaro, pelo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, e pelo secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, ministro em exercício durante as férias de Paulo Guedes.

A MP restringe o BPC novamente a quem tem renda domiciliar até 1/4 de salário mínimo por pessoa (equivalente a R$ 275 a partir do novo piso de R$ 1.100 que passa a valer em 1º de janeiro). Essa regra já estava em vigor em 2020, mas um artigo da lei do auxílio emergencial permitia elevar a linha de corte a 1/2 salário mínimo, conforme o grau de vulnerabilidade. O decreto de regulamentação, porém, não foi editado, o que tornou o dispositivo sem efeito.

O Parlamento já tentou mais de uma vez ampliar o alcance do BPC, sendo que a última investida, aprovada em março de 2020, gerou uma crise na equipe econômica e precisou ser vetada pelo presidente Jair Bolsonaro. Os congressistas haviam estendido os benefícios aos idosos e pessoas com deficiência com renda até 1/2 salário mínimo, independentemente do grau de vulnerabilidade, o que teria um custo adicional de cerca de R$ 20 bilhões ao ano.

Com o veto do presidente, o BPC ficou sem regra de concessão a partir de 2021, o que deixaria o governo sem base legal para autorizar novas inclusões no programa a partir de 1º de janeiro. Por isso, a nova MP precisava ser editada até 31 de dezembro para não deixar ninguém desassistido.

Técnicos do Ministério da Cidadania e do INSS tentaram costurar um decreto para regulamentar as novas concessões. A ideia era manter o critério de 1/4 de salário mínimo como regra geral, mas permitir a ampliação dessa faixa de renda a 1/3 ou 1/2 salário mínimo quando a vulnerabilidade fosse maior. A medida iria ao encontro de uma decisão já proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou o critério de renda insuficiente para classificar, sozinho, se a pessoa é ou não vulnerável.

Como revelou o Estadão/Broadcast em setembro, a mudança permitiria a inclusão de quase 500 mil pessoas no BPC, com o custo adicional de R$ 5,8 bilhões ao ano. O gasto a mais seria compensado com a redução de custos com a judicialização e com medidas de combate às fraudes, que podem poupar até R$ 10 bilhões.

O BPC é hoje o benefício mais judicializado da União. A avaliação entre defensores da ampliação era que, ao padronizar as regras e aderir a entendimentos de decisões já dadas por juízes, o benefício seria "pacificado" e haveria economia de recursos. A medida poderia, por exemplo, incorporar decisões já transitadas em julgado, como a que exclui a renda destinada à compra de remédios do cálculo do critério de acesso.

Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a equipe econômica não entendeu como suficiente a indicação da economia com menos ações na Justiça para compensar a elevação permanente de gastos. A decisão frustrou técnicos que trabalhavam na remodelagem da política. O entendimento dessa ala inclusive é o de que os beneficiários vão acessar o BPC pela via judicial, de forma desorganizada, o que é mais custoso para os cofres públicos.

Nas últimas semanas de dezembro, a MP virou uma "batata quente" dentro do governo, pois tem custo político elevado. Ao sinalizar com um endurecimento das regras de uma política social, que tem penetração em regiões como Norte e Nordeste, Bolsonaro pode desagradar aliados recém-conquistados no Centrão, bloco de partidos que passou a dar sustentação política ao presidente. Algumas fontes de dentro do governo já dão como certa uma mudança da MP no Legislativo.

A MP restringe o BPC a quem tem renda domiciliar até 1/4 de salário mínimo por pessoa
A MP restringe o BPC a quem tem renda domiciliar até 1/4 de salário mínimo por pessoa
Foto: Agencia Senado/Reprodução / Estadão

Pente-fino

O governo já havia criado um grupo de trabalho para elaborar diretrizes para a revisão do BPC. O objetivo é mapear possíveis fontes de fraude ou de concessão e manutenção indevida do benefício assistencial e traçar, a partir desse diagnóstico, um plano para efetuar as reavaliações.

O BPC custa hoje cerca de R$ 62 bilhões e alcança 4,9 milhões de brasileiros. O benefício é um dos mais judicializados da esfera federal, com uma profusão de decisões flexibilizando o entendimento sobre o que deve ou não ser computado no critério de renda para receber a ajuda.

Embora seja uma despesa relevante no Orçamento, o BPC não passou até hoje por um amplo pente-fino, como o que foi feito nos pagamentos de auxílio-doença. Já houve descobertas pontuais de pessoas falecidas ou com renda superior ao limite recebendo o benefício assistencial, mas a tarefa do grupo de trabalho será traçar um plano de revisão com maior alcance e que possa ser incorporado de forma permanente à rotina de trabalho dos órgãos.

A portaria interministerial que cria o grupo foi publicada no Diário Oficial em 29 de dezembro e passa a valer a partir de 1º de fevereiro de 2021. A medida chega num momento em que, de um lado, cresce a demanda por gastos sociais, e de outro, o governo tenta buscar espaço num Orçamento já apertado para fazer as políticas.

O grupo terá quatro membros titulares, representando a Secretaria Especial do Desenvolvimento Social do Ministério da Cidadania, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, o INSS e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Os representantes terão 90 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, para apresentar o estudo, que deverá contemplar o diagnóstico de fontes de fraude e concessão indevida, o escopo da revisão, os critérios de priorização dos benefícios a serem revisados, as fases de operacionalização e o cronograma de reavaliações periódicas do BPC.

Estadão
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