Bolsonaro surpreende e indica almirante da área nuclear para Minas e Energia
O presidente eleito Jair Bolsonaro surpreendeu o setor energético nesta sexta-feira, ao indicar para ministro de Minas e Energia o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, atualmente diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha.
Ao descartar indicações do mercado de peso que circulavam nos bastidores, a nomeação do militar foi recebida com certa resistência por especialistas, pela falta de experiência nos segmentos e também por poder colocar em dúvida o viés pró-mercado esperado de Bolsonaro.
No entanto, com poucas informações ainda sobre o perfil do almirante Bento, especialistas ponderaram que a escolha traz aspectos positivos, como expectativas de isenção para mediar antigos conflitos do setor de energia, devido à ausência de indicação política ou de mercado.
O anúncio, feito por Bolsonaro no Twitter, representa o primeiro nome da Marinha no alto escalão do governo Bolsonaro, que já conta com integrantes do Exército e da Aeronáutica.
Com pós-graduação em Ciências Políticas e MBA nas áreas de gestão internacional e gestão pública, o almirante Bento ocupou diversos cargos na Marinha, com comandante-em-chefe da Esquadra e secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, além de ter atuado no exterior como observador de tropas da ONU durante a guerra na Bósnia e na Croácia.
Até a véspera, pouco se sabia sobre qual seria a escolha de Bolsonaro para o ministério.
Foram levados à equipe de transição do governo nomes como do ex-secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (MME) Paulo Pedrosa, o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, assim como do próprio integrante da equipe de transição, Luciano de Castro, especialista no setor.
"O fato de você querer uma figura carimbada do setor eventualmente pode trabalhar contra uma revisão que se faz absolutamente necessária", disse o ex-diretor da agência reguladora de petróleo (ANP) e consultor do setor de petróleo John Forman.
O consultor pontuou que experiência nos setores de energia e mineração não necessariamente é importante, citando que o ex-ministro Fernando Coelho Filho, "um garoto de 32 anos, fez uma gestão espetacular", incluindo reformas importantes.
Na mesma linha, o professor e pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ Edmar de Almeida diz que, por não ter sido uma indicação política e nem de um setor específico, almirante Bento poderá ter "certa independência para arbitrar as disputas".
Adriano Pires, que chegou a ser cotado para o ministério, concorda. "A escolha do novo ministro de Minas e Energia foi acertada. O setor de energia precisa de um ministro independente e que tenha total apoio e confiança do presidente para implantar uma agenda de vanguarda, em especial no setor elétrico."
NUCLEAR
O almirante Bento, de 60 anos, também poderá trazer certa expectativa do setor nuclear no Brasil, segundo especialistas.
Há disputas atualmente sobre a conclusão das obras de uma terceira usina nuclear brasileira (Angra 3), cuja construção foi iniciada nos anos 80.
Diversos problemas foram encontrados no caminho de Angra 3, incluindo um escândalo de corrupção investigado pela Lava Jato, que envolveu o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da subsidiária da Eletrobras responsável pela usina.
Como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, Bento é responsável por comandar todas as unidades científicas e tecnológicas da Força, incluindo o Programa de Desenvolvimento de Submarinos e o Programa Nuclear da Marinha.
Em uma entrevista ao final do ano passado, publicada no site da Marinha, almirante Bento exaltou a importância de o Brasil "dominar por seus próprios meios" a tecnologia da energia nuclear, a qual "grandes potências jamais quiseram compartilhar com outras nações". Ele ainda destacou que a Marinha participou desta iniciativa, assim como foi responsável pelo desenvolvimento de um submarino com propulsão nuclear.
O almirante também tem experiência no trato com o Congresso Nacional, tendo atuado como assessor-chefe parlamentar do gabinete do Ministro da Marinha.
DÚVIDAS
Por outro lado, Almeida, da UFRJ, observou que o nome pode sinalizar certa dificuldade para a estratégia econômica em linha com o que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, estava pensando para o setor de energia.
"Privatizações, mais liberalização, não é o DNA da área militar. Então, isso coloca certa dúvida em relação a orientação estratégica mais liberal para o setor de energia", afirmou.
Especialistas pontuam que é preciso aguardar um pouco a escolha dos secretários e declarações de almirante Bento para que as expectativas sejam mais claras.
"Eu francamente não gostei. Talvez a expectativa de que seria alguém do mercado... deixou um gosto amargo com a vinda de um militar do problemático universo nuclear", afirmou um executivo do setor de petróleo à Reuters, que falou na condição de anonimato.
"Precisamos estudar o perfil dele, mas me parece, à primeira vista, que Minas e Energia não estaria inteiramente vinculado à visão liberalizante do Paulo Guedes."
MARINHA REPRESENTADA
Bolsonaro já havia anunciado a intenção de nomear um membro da Marinha para seu ministério, mas foi frustrado em sua primeira tentativa, uma vez que o comandante da Marinha, Eduardo Bacellar, rejeitou convite para assumir o Ministério da Defesa alegando questões pessoais.
Dessa forma, Bolsonaro nomeou o general da reserva do Exército Fernando Azevedo e Silva para a Defesa, ampliando o contingente de oficiais do Exército no primeiro escalão do governo.
A Secretaria de Governo será ocupada pelo general da reserva Carlos Alberto Santos Cruz, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) pelo general da reserva Augusto Heleno, além de o vice-presidente ser o também general da reserva Hamilton Mourão.
A Aeronáutica é representada no governo Bolsonaro pelo tenente-coronel da reserva Marcos Pontes, o primeiro brasileiro a viajar para o espaço, que vai ocupar o Ministério da Ciência e Tecnologia.