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Brasil cresceu mais do que eu imaginava, diz "pai" do Brics

Jim O’Neill (ex-Goldman Sachs) se mostra surpreso também com a integração política dos quatro países

15 jul 2014 - 09h06
(atualizado às 10h37)
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Jim O'Neill cunhou o termo Brics há 13 anos e não imaginava que o Brasil cresceria tão rápido
Jim O'Neill cunhou o termo Brics há 13 anos e não imaginava que o Brasil cresceria tão rápido
Foto: Diogo Alcântara / Terra

Treze anos após ter apontado o Brasil, a Rússia, a Índia e a China como os emergentes que seriam propulsores da economia mundial, o economista Jim O’Neill (ex-Goldman Sachs) se mostra surpreso com a integração política dos quatro países – hoje associados ainda à África do Sul. Apesar de mostrar decepção com o desempenho econômico de Brasil e Rússia, ele acredita que, no longo prazo, os quatro Bric ainda são o grupo que integram a primeira divisão das economias emergentes.

"Pai" do Brics: sem foco, banco pode ser perda de tempo:

Em entrevista exclusiva ao Terra, O’Neill afirma que velhos atores como o grupo dos sete mais industrializados (G7) não são mais representativos e devem abrir espaço para os emergentes. Ele defende ainda a redução do G20 para um grupo menor formado por Estados Unidos, Japão, União Europeia, China, Índia, Brasil e Rússia como o novo foro de decisões. “O G20 parece muito legítimo, mas é muito grande para ser efetivo”, defende.

O economista vê a criação de um banco de desenvolvimento conjunto e um mecanismo de segurança anticrise como um sinal de “inadequação da governança global”. “Quando você olha a estrutura do FMI (Fundo Monetário Internacional) e os direitos de votos e das ações, é meio louco que os países Bric ainda estejam com uma participação menor”, avalia O’Neill.

Economista não vê evidências de legado da Copa para economia:

Uma reforma de cotas do FMI precisa passar pelo parlamento americano para entrar em vigor, mas o assunto está parado há anos. Sempre que possível, os emergentes demonstram sua insatisfação com a falta de reforma institucional. A criação dos organismos dentro do Brics, para o economista, representa uma criação de grupo paralelo. O sucesso do banco conjunto, na avaliação de O’Neill, depende do estabelecimento de regras e projetos claros. Do contrário será “uma perda de tempo”.

O’Neill esteve no Brasil com a família para assistir à Copa do Mundo. A organização de grandes eventos para ele tem um sentido maior para os países em termos de sentimento nacional do que na economia de longo prazo. “É algo fabuloso poder sediar uma copa bem-sucedida”, avalia. Confira os principais trechos da entrevista:

Terra - Há 13 anos, o senhor apontou as economias de Brasil, Rússia, Índia e China como diferenciadas e esses países como potenciais propulsores da economia mundial. No últimos anos, Brasil e Rússia vêm crescendo menos. Se aquele relatório fosse escrito hoje, o senhor elencaria outros países como principais emergentes? Brasil e Rússia participariam desse grupo hoje?

Jim O'Neill - Em um outro nível, se eu fosse colocar isso hoje, eu apenas chamaria de IC ou C, para a China, porque a China está indo melhor do que eu imaginava. Claro que a Rússia e o Brasil passaram os últimos três anos decepcionando, mas você não pode julgar o desempenho deles no longo prazo por apenas um ano. E se eu olhar nos últimos 13 anos, eles estão muito maiores hoje do que eu pensava que estariam há 14 anos. Então, no momento, acho que se justifica a presença dos quatro. Olhando para trás eu penso: uau, como eles (esses emergentes) cresceram! Particularmente sobre o Brasil, não achei que ele fosse ser maior do que a Itália até perto do fim desta década e já a ultrapassou há três anos.

Terra - O senhor vê diferença na condução econômica brasileira se compararmos os governos Lula e Dilma?

O'Neill -

Eu dizia que o Lula era o líder político do G20 mais bem sucedido da última década. Hoje, quando olho para trás, às vezes eu penso no quanto ele foi muito sortudo, porque ele veio em um tempo no qual muitas reformas já haviam sido feitas e normalmente não vemos os benefícios das reformas por um tempo. Dilma teve de vir depois dele. É um pouco como suceder o Ronaldinho, então foi muito difícil para ela ser vista tão boa como ele. Eu acrescentaria também que eles continuaram usando o governo para interferir na economia de longo prazo. 

Terra - Como o Brasil poderia se tornar menos vulnerável a crises externas?

O'Neill -

O desafio básico para o Brasil continua sendo o de depender menos das commodities. O que ocorreu nos últimos dois ou três anos é que o ciclo de preço das commodities aceleram e quando isso acontece, todas as coisas que pareciam tão boas antes, talvez eram apenas por causa do aumento do preço das commodities. De alguma maneira o Brasil terá de reduzir solidamente sua dependência das commodities, que, é claro, não é fácil, mas é algo que terá de ser feito.

Terra - Surpreende o senhor que os países tenham se agrupado de modo a formar um tipo de bloco econômico?

O'Neill -

Sim, fiquei surpreso. Obviamente, eu não nunca previ que eles se tornariam um tipo de grupo político. Mas como vemos, é difícil para eles concordarem em várias políticas, porque eles têm filosofias muito distintas. Acho que esse encontro que acontece agora no Brasil, que é o quinto, é muito importante, porque eles falam muito, mas precisam acordar algo que realmente irão fazer.

Terra - E a iniciativa de criar um banco de desenvolvimento e um arranjo contingente de reservas (CRA, na sigla em inglês)? Há potencial para se tornarem empreendimentos realmente sólidos?

O'Neill -

Acho que neste encontro, eles terão de vir com algo mais específico sobre o banco de desenvolvimento. Eles já conversaram nos últimos dois anos e eles parecem ter problemas em concordar onde será a sede e como o banco será capitalizado. Mas acho que se eles querem ter credibilidade, neste encontro eles precisam ter um caminho muito claro, de como o banco de desenvolvimento vai parecer, como será estruturado e quais seriam os principais propósitos. 

 

Terra - No médio ou longo prazo o senhor vê o CRA e o banco como projetos sólidos?

O'Neill -

Depende do compromisso de cada país. A maneira pela qual as coisas são desenvolvidas antes geralmente influencia os objetivos com o passar do tempo. Então, acho que é muito importante identificar alguns projetos específicos, os quais é possível subsidiar, e garantir que se consiga entregar. Porque anunciar tudo isso e não fazer nada seria uma tremenda decepção, uma perda de tempo. Temos de lembrar que cada um dos países já tem seu próprio banco de desenvolvimento. Aqui no Brasil, o BNDES é enorme. O Banco de Desenvolvimento da China também é muito bem-sucedido. Então, se vão encontrar algum campo comum, eles têm de identificar claramente o que essa instituição deverá fazer.

Terra - O senhor vê a criação desses dois organismos como sinal de crise de governança de organismo multilaterais como FMI e Banco Mundial? No FMI, por exemplo, os Estados Unidos estão há anos segurando a reforma de cotas.

O'Neill -

Eu sempre enfatizo que o propósito principal do grupo político do Brics é destacar a inadequação da governança global. Quando você olha a estrutura do FMI e os direitos de votos e das ações, é meio louco que os países Bric ainda estejam com uma participação menor. Sem a reforma de cotas caminhando, de alguma maneira, mesmo que em pequenas justificativas para a existência da criação do banco do Brics, você tem um pensamento assim: "se você não quer que façamos parte do seu clube, teremos o nosso próprio clube".

Terra - O senhor enxerga alguma interação política mais coordenada entre os Brics daqui para frente? Mesmo que seja um grupo tão heterogêneo? Pelo menos antes de cúpulas do G20, é comum um encontro prévio entre os cinco.

O'Neill -  

É muito difícil. Dois membros não são democráticos, enquanto dois são. Dois são grandes produtores de commodities, dois não são. A China tem uma vez e meia o tamanho dos outros três juntos. Então, encontrar campos comuns não é fácil. 

Terra - Ainda sobre foros multilaterais. O senhor vê no médio prazo outra reconfiguração de governança? O G20 deu lugar ao G7. Há chances de esse grupo ser reduzido a um tamanho intermediário ou haver troca de membros por se destacarem mais na economia mundial?

O'Neill - Para mim, o G20 parece muito legítimo, mas é muito grande para ser efetivo. Então, o que seria muito bom seria a partir do G20 a criação de um novo G7, no qual todos os países do Bric seriam membros, os europeus em um grupo só em vez de representados de maneira individual, porque eu acho que o G20 é grande demais para fazer algo.

 

Terra - Quem integraria esse novo G7?

O'Neill -

Para ser mais específico, um novo G7 deveria ter os Estados Unidos, o Japão, a União Europeia, China, Índia, Brasil e Rússia. Porque eles têm muito mais legitimidade em termos de governança para a verdadeira economia mundial. Os países do G7 de hoje não querem fazer isso, porque quem um grupo como democracias similares, mas não são mais representativos.

Terra - Como o senhor vê a entrada da África do Sul no grupo – arranjo feito recentemente? Dentre as economias africanas, o senhor parece ter mais entusiasmo pela Nigéria…

O'Neill -

Eu acho que é um possível erro haver incluído a África do Sul no grupo Bric. Eu peço desculpas à África do Sul, porque dizer isso, mas o país é muito pequeno. A China cria uma nova África do Sul a cada três meses. Hoje, a Nigéria já é maior do que a África do Sul, então eu não acho que faça muito sentido incluí-los. O motivo pelo qual aconteceu é que alguns anos atrás, os chineses - provavelmente mais do que os demais - viram a África do Sul como principal porta de entrada para o continente. Mas a África está mudando tanto que eu não acho que seja algo muito legítimo.

Terra - Por falar na Nigéria, outro acrônimo foi criado para designar novos emergentes de destaque, o chamado MINT (México, Indonésia, Nigéria e Turguia). Esse grupo rivalizaria com os Brics? Ou sua relevância ainda está muito aquém deste último?

O'Neill -

Se fosse num contexto de futebol, eu chamaria os Brics de primeira divisão e os Mint de segunda divisão. Eles não cresceram tanto quanto os Bric. Você teria de ter um grande desastre no países do Bric e um grande sucesso nos países do Mint para que isso ocorresse. Acho que os países Mint serão o próximo grupo mais importante depois dos quatro Bric. 

Terra - Além de protagonismo na cena econômica, os emergentes estão atuando em outras esferas, como a esportiva. Tivemos recentemente olimpíada em Pequim, jogos de inverno em Sochi, Copa na África do Sul e, agora, no Brasil, teremos olimpíada no Rio... Podemos esperar um protagonismo dos emergentes em outras áreas, como em eventos esportivos?

O'Neill -

Vou falar algo ao mesmo tempo sério e brincando. Algumas vezes penso que esportes internacionais mudam a consicência do mundo mais rápido do que os políticos. Esta Copa do Mundo é no Brasil, um país do Brics, a última foi em outro e a próxima, também. Então, são 12 anos de copas do mundo, três mundiais consecutivos em países-membro do Brics. Em outro nível, é algo muito visionário, e acho que é um sinal de como o mundo está mudando. O que significa que vai ajudar os países Brics a fazer melhor. A razão é que há evidências históricas de que sediar uma Copa do Mundo é bom para sua economia. É ótimo para a crença das pessoas, mas não há muita evidência de sucesso econômico. 

Terra - Há algum benefício relevante para o país?

O'Neill -

É fantástico para o espírito das pessoas que moram no país. Eu vim aqui para ver a Copa do Mundo no Brasil. Estive no Rio e aqui em Brasília e é uma bela experiência e poderia fazer com que os brasileiros ficassem ainda mais felizes em relação à posição de zombaria que o mundo fazia sobre os preparativos. Mas vai realmente ajudar a economia brasileira em uma base sustentável? Eu acho que não.

Terra - Aqui no Brasil, o setor do turismo aposta em um aumento no setor na ordem de 20%.

O'Neill -

Quando os países sediam Copa ou Olimpíada, eles sempre dizem que conseguiram essas melhoras permanentes no turismo, mas isso não acontece realmente. O que acontece tipicamente é que algumas pessoas que vão ao Brasil pensam: "Eu vou para a Copa do Mundo" e depois pensam: "Eu não vou no ano que vem". Então, o turismo no próximo ano seria menor no próximo ano do que se não tivesse copa neste.

Terra - Se comprarmos os gastos com os benefícios, é vantajoso receber eventos desse porte?

O'Neill -

Acho que mesmo que não haja benefício econômico sustentável, acho que para o espírito das pessoas que moram no país, especialmente agora que você tem toda a mídia mundial cobrindo o evento, é algo fabuloso poder sediar uma copa bem-sucedida. Porque você tem quatro semanas na qual 6,5 bilhões de pessoas ao redor do mundo olhando para o seu país. Então acho que é algo realmente bom para o Brasil ter feito.

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Fonte: Terra
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