Brasil enfrenta 5 dilemas com o fim dos estímulos monetários nos EUA
Quando os estímulos começaram a serem retirados investidores devem voltar aos EUA e atrair capital estrangeiro hoje estacionado nas economias emergentes
O Banco Central americano (FED) anunciou nesta quarta-feira que começará a reduzir seu programa de estímulos monetários a partir de janeiro, levando governos e investidores a preverem uma maior saída de capitais das economias emergentes. O FED gastará US$ 75 bilhões por mês na compra de títulos do governo, uma redução de US$ 10 bilhões/mês que em relação ao montante que gastou ao longo de um ano (US$ 85 bi/mês).
A justificativa é a melhora nas taxas de desemprego americanas que, se continuarem baixando, levarão a novas reduções no programa de estímulo. Ao mesmo tempo, o banco disse que pretende manter as suas taxas de juros próximas do zero - nível em que estão hoje - até "bem depois" de o desemprego ficar abaixo de 6,5%. Hoje o desemprego é de 7%. Ou seja, o Fed está dizendo que quer que a economia melhore ainda mais antes de pensar em mexer nos juros.
Essa indicação é uma maneira de acalmar os mercados, mostrando que o BC está tirando o estímulo monetário, mas continua atento aos sinais da economia para não exagerar na dose. Em particular, a inflação continua muito baixa nos EUA, um indicador da fraqueza do ritmo da economia. Quando os estímulos do FED começaram a serem retirados, a previsão é de que a possibilidades de ganhos maiores para os investidores nos EUA atraia capital estrangeiro hoje estacionado nas economias emergentes. O Brasil faz parte dos cinco grandes emergentes rotulados de Cinco Frágeis - Brasil, Turquia, Índia, África do Sul e Indonésia - que os economistas consideram em situação mais desvantajosa para enfrentar um novo impacto externo, após sobreviverem à crise de 2007.
A BBC Brasil preparou uma lista com cinco dos principais dilemas que afligem o país e que os investidores estrangeiros terão em mente ao reavaliar os seus portfólios a partir de uma retirada gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos. "Em uma primeira rodada vão retirar dinheiro de todos os países emergentes. Em uma segunda rodada, vão começar a diferenciar entre as economias emergentes", prevê Liliana Rojas-Suárez, pesquisadora-sênior do Centro para o Desenvolvimento Global (CGD, sigla em inglês) e presidente do Comitê Latino-Americano de Assuntos Financeiros (CLAAF), grupo de economistas latino-americanos criado no Rio em 2000. "O Brasil não está enviando a eles (investidores) bons sinais", adverte a economista. A seguir, veja por quê.
1. Inflação restringe política monetária
Em outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) elogiou dois instrumentos financeiros que o BC brasileiro tem à disposição para combater a saída de capitais: um programa de intervenção pontual para garantir a liquidez no mercado de câmbio e sua disposição para elevar a taxa Selic. Entretanto, os juros são também os instrumentos mais úteis do país para combater a inflação - que, em trajetória de alta, restringe as possibilidades de escolha do governo.
No mais recente boletim Focus, um levantamento do BC junto ao mercado, as apostas eram de um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, usado para balizar a meta) em 5,7%, aproximando-se em 2014 do teto da meta, 6%. Depois de uma rodada de altas que elevou a Selic para 10% ao ano, o mercado agora espera uma pausa (no boletim Focus, a expectativa é uma Selic de 11% ao fim de 2014). Mas o espaço para reduções contracíclicas, na eventualidade de um choque externo causado pela saída de capitais, é considerado pequeno.
A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) notou que o Brasil foi uma "exceção" no continente em 2013 ao elevar os juros para combater a inflação, enquanto os outros países, com altas de preços menos intensas, reduziram as suas taxas e estão em melhores condições de subi-las novamente se necessário for.
2. Muita desvalorização, efeitos negativos
O outro instrumento usado pelo país, seu elogiado programa de intervenção no câmbio para gerar liquidez e evitar volatilidade no mercado, deve ser estendido para suavizar os efeitos da decisão do FED, indicou o BC. Se, por um lado, o câmbio supervisionado, mas flutuante, pode suavizar uma parte do impacto da saída de capitais, por outro, o efeito de um dólar mais alto na inflação também deixa as mãos do governo atadas. "A política cambial é de caminhar no fio da navalha", define o professor do Departamento de Economia da PUC-SP Antônio Carlos Alves do Santos.
Além de precisar encontrar uma taxa que reflita os movimentos de capitais, não eleve a inflação nem prejudique a balança comercial, o país precisa estar atento a outro fenômeno identificado pelo Comitê Latinoamericano de Assuntos Financeiros (CLAAF) em seu relatório: um possível descompasso no balanço de empresas com ativos em reais e dívidas em dólar.
Na América Latina, diz Rojas-Suárez, "muitas corporações que emitiram papeis denominados em dólar podem ter depositado as receitas levantadas com essas emissões nos sistemas bancários locais". Ela diz que este fenômeno é particularmente relevante no Brasil e no México. "Quando você olha para os balanços dos bancos, tudo parece normal: eles têm empréstimos em reais e depósitos em reais. O problema é que muitas destas empresas que têm depósitos em reais estão endividadas em dólar. Elas podem se encontrar em uma posição de ter de rapidamente tirar dinheiro em moeda local para pagar por suas dívidas em dinheiro americano."
3. Política fiscal 'frouxa'
Por causa de sua posição fiscal, uma saída de capitais do Brasil colocaria em questão a capacidade do país de tomar medidas anticíclicas (de contenção dos efeitos negativos), opinam os analistas ouvidos pela BBC Brasil. Antes de 2007, superavits em conta-corrente - dinheiro em caixa gerado por exportações de commodities a preços favoráveis - deram espaço para o país tomar medidas expansionistas e anticíclicas.
Desde então, os superavits brasileiros se transformaram em deficits. Em seu relatório Monitor Fiscal de outubro, o FMI previu que o deficit nominal (que inclui o pagamento de juros) fique em 3% do PIB neste ano e 3,2% no próximo. Rojas-Suárez diz que o indicador "basicamente mostra que as necessidades de financiamento externo do Brasil aumentaram". Economistas sugerem que a contrapartida seria o governo elevar o seu saldo primário (o saldo de gastos e receitas antes de juros), que tem ficado em torno de 2% do PIB. É o que o FMI chama de "refazer as almofadas" contra possíveis choques futuros.
Mas o ritmo lento da economia e medidas de desoneração tributária impediram o país de fazer isso até agora. "O Brasil tem escolhas, mas são de difícil implementação neste momento", afirma Rojas-Suárez. "Porém, é hora de restringir o máximo possível a expansão fiscal, é hora de acumular até mais reservas que no passado."
4. Um olho na economia, outro nas urnas
Uma das razões pelas quais o mercado não crê em medidas impopulares - como elevação do superavit primário - no curto prazo são as eleições de outubro do ano que vem. "Em todo mundo, a política econômica é feita para não prejudicar as chances de quem está no poder", diz o professor Alves dos Santos. "Isso cria um limite no grau de liberdade da gestão da política econômica (para tomar medidas contra os efeitos negativos da decisão do FED)".
Como outros analistas, o professor da PUC-SP acredita que "o governo vai tentar empurrar (a aplicação de medidas impopulares) até as eleições de outubro". "Existe o fator de bem-estar: o desemprego está baixo, os shopping centers estão abarrotados, ano que vem tem Copa... e por enquanto a coisa está sob controle. A grande dúvida é se será possível segurar isso (o status quo) até o fim de 2014", diz o professor. "Será necessário mudar a partir das eleições? Isso é consenso."
Rojas-Suárez observa que o tempo que o governo terá para reagir vai depender de quão brusca for a resposta à decisão do FED de reduzir os estímulos. "Depende de como o fim dos estímulos ocorra. Se for repentinamente, as consequências serão sérias. Se for gradual, serão menos sérias, porque, em primeiro lugar, os governos terão mais tempo para reagir; em segundo lugar, não seriam necessários movimentos bruscos por parte dos investidores", afirma a economista. "Na América Latina, a maioria das crises foi causada por mudanças, ou paradas, bruscas."
5. Baixa confiança dos investidores
Para os analistas, a reação dos investidores em relação ao Brasil responderá ao grau de confiança destes nas escolhas passadas e na condução futura da política econômica do país. Há dois temas: a questão da estabilidade, que precisamos monitorar, e a questão de se o país pode crescer sem um ambiente externo favorável", explica, Rojas-Suárez. "Quando se olha para os números de longo prazo no Brasil, é assustador: durante a bonança, o país foi um dos que melhoraram menos a sua infraestrutura na América Latina, em que o investimento relativo ao PIB avançou menos. São temas que têm a ver com educação, infraestrutura, investimento, e sob estes aspectos o Brasil não teve um desempenho tão bom."
Alves da Costa concorda que "quando um país está em uma situação macroeconômica fragilizada como o Brasil, qualquer impacto econômico será maior do que seria em condições normais". Apesar disso, ele acredita que "a situação do Brasil não é caótica, é perfeitamente controlável". Para o professor da PUC-SP, tão importante quanto os problemas da economia brasileira é a falta de confiança dos investidores na equipe de comando que toma as decisões do país.
Projeções não alcançadas, acusações de que o Ministério da Fazenda adota uma "contabilidade criativa" e um clima de desconfiança entre o setor privado e o governo nos leilões de concessões põem analistas e investidores estrangeiros com o pé atrás na economia brasileira. "Independente de a gente achar correta ou não a visão do mercado, o fato é que o mercado é importante porque toma decisões de investimento", disse Alves dos Santos. Para o professor, "é uma questão de criar as expectativas corretas". "O mercado até agora não viu nenhum sinal concreto de mudança de atitude no Ministério da Fazenda e esse é o problema."