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Brasil espera arcabouço fiscal enquanto dívida pública incha

21 mar 2023 - 12h48
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Projeção de dívida pública de quase 80% do PIB no final do ano preocupa: não se sabe se o pacote fiscal, em gestação pelo governo, poderá cumprir promessa de Lula de controlar rombo e aumentar investimento público.A dívida pública brasileira, medida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), deverá voltar a crescer a partir deste ano, ainda que com baixa probabilidade (apenas 22%) de superar o patamar de 90% até 2026, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, propôs pacote fiscal para controlar gastos de verbas orçamentárias
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, propôs pacote fiscal para controlar gastos de verbas orçamentárias
Foto: DW / Deutsche Welle

A instituição projeta déficits primários para 2023 e 2024 e, em decorrência, taxas da dívida pública de 78,5% do PIB em 2023 e de 81,5% em 2024, na contramão da atual tendência de queda. O país fechou 2022 com a proporção em 73,5%. Foi o segundo ano de recuo do percentual.

A atual situação vem preocupando economistas do país, sobretudo por ainda ser desconhecido o arcabouço fiscal em gestação no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "É um cenário de crescimento continuado da dívida, de elevado risco de sustentabilidade e piora para as contas públicas", comenta a economista e diretora do IFI, Vilma Pinto.

O que quer o novo governo?

Ela ressalta que as projeções disponíveis na instituição não incluem a nova regra fiscal do governo, que poderá vir a público a esta semana. "Não sabemos exatamente como ficará essa nova regra fiscal e como isso pode eventualmente alterar nosso cenário", complementou.

Na sexta-feira passada (17/04), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a nova regra fiscal está nas mãos de Lula. Nesta segunda-feira, teve reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, e com lideranças no Congresso Nacional.

O novo arcabouço fiscal, ou nova regra fiscal, um conjunto de medidas que determinam como o governo pode gastar as verbas orçamentárias, deve substituir o teto de gastos, como previsto na chamada PEC da Transição.

Na prática, depois da modelagem pela Fazenda, o novo arcabouço passa por uma espécie de digestão dentro do próprio governo e ministérios, fase em que poderá haver divergências. Batido o martelo na forma final, o governo envia a proposta fiscal ao Congresso Nacional, onde também pode sofrer alterações.

O governo tem até 31 de agosto para enviar o novo arcabouço ao Congresso. Mas tanto a Fazenda quanto o Planejamento querem antecipar o encaminhamento para março, como forma de demonstrar compromisso fiscal.

Apoio no Congresso

Há mais desafios. A aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso exigirá expressivo apoio parlamentar para o governo, que precisa mobilizar uma base política ainda em formação.

Um observador que acompanha de perto o parlamento brasileiro lembra que serão duas as propostas em trâmite: a fiscal e a tributária, também complexa. Isso pode ampliar o tempo de tramitação de ambas, considerando que 2024 será ano de eleições municipais e o ritmo de trabalho no Congresso diminui no segundo semestre. Ou seja, a janela de aprovação seria o segundo semestre deste ano e o primeiro do ano que vem.

"Acho que o momento é de máxima incerteza. Tudo depende do que será não só anunciado, mas aprovado no Congresso", analisa Solange Srour, a economista-chefe do Credit Suisse, cuja compra pelo seu maior rival, o grupo também suíço UBS, por 3 bilhões de francos suíços, foi recém-anunciada, pondo fim às preocupações de curto prazo em relação à crise da instituição que está entre as 30 intimamente ligadas ao sistema financeiro mundial.

Investir, mas sem gastar demais

Nas últimas semanas, circularam extraoficialmente diferentes versões do que poderia ser a nova regra fiscal: âncora de controle de gastos, trava à expansão da dívida federal, variação do PIB per capita para a despesa, entre outros aspectos.

O ministro da Fazenda chegou a declarar em entrevista que a regra seria "uma combinação virtuosa" dos principais mecanismos atuais de controle das contas públicas.

Idealmente, o novo arcabouço deveria conciliar a sustentabilidade das contas públicas com o aumento do investimento público, uma das promessas mais repetidas pelo presidente da República.

Os indicadores e projeções, no entanto, dão bem o tamanho da ambição. Relatório divulgado semana passada pelo IFI mostra que o superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública seria de 1,5% ao ano no médio prazo, de 2022 a 2031.

"O médio prazo é mais relevante do ponto de vista de sustentabilidade fiscal", explica a diretora do IFI. No curto prazo, para 2023 e 2024, o esforço seria ainda maior: o superávit necessário chega a 3,6% ao ano.

Levando em conta as projeções do próprio IFI de déficit primário para 2023 (-1,4% do PIB) e para 2024 (-1,2%), estabilizar a dívida em proporção ao PIB no médio prazo exigiria ajuste perto de 3% do PIB. Para manter a relação dívida pública/PIB estável no curto prazo, o ajuste saltaria para 5% do PIB.

"Esperamos que as sinalizações futuras, particularmente a definição da nova âncora fiscal, contribuam para melhorar o cenário econômico e fiscal, de modo a promover sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo", diz Vilma.

Dívida no nível de 2017

Não se fala hoje exatamente do risco de uma crise de insolvência da dívida pública: o foco é na sustentabilidade de sua trajetória. Aliás, a queda nos últimos dois anos da proporção dívida pública/PIB - que bateu perto dos 90% no primeiro ano da pandemia - dá alguma margem maior de trabalho.

"Adveio a pandemia, a expansão de gastos, mas, mesmo assim, no fim de 2022, conseguimos uma taxa de 73%, voltando a níveis de 2017", comenta o economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e fundador da Oriz Partners.

O que fez a diferença durante a pandemia, prossegue Kawall, foi o forte crescimento da arrecadação. Isso, por conta da reabertura da economia, preço das commodities, o setor do petróleo com aumento de produção e de preços (as cotações do barril subiram muito com a guerra da Ucrânia), além da própria inflação.

Na comparação com outros países, o Brasil se saiu relativamente bem na passagem da pandemia, até chegar ao resultado do fim de 2022. "Aí o que preocupa muito é a decisão do governo, já depois das eleições, de acabar com o teto de gastos", comenta Kawall.

Daí a atenção de economistas, acadêmicos, bancos privados e organizações. "Todo ano você tem déficit primário, paga juros altos, a dívida aumenta, o juro incide sobre uma dívida maior e o PIB não cresce, a dívida explode. Essa não é uma situação sustentável. Você não pode ter déficit primário, juro real sobre a dívida elevado e o PIB crescendo pouco. Um dos três tem de ceder", projeta o pesquisador associado e professor do FGV Ibre, Armando Castellar, ex-chefe do Departamento Econômico do BNDES.

A média das projeções indica crescimento do PIB de apenas 0,89% em 2023 e 1,5% em 2024, conforme expectativas colhidas pelo Banco Central. Isoladamente, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), estima crescimento inferior, de 0,3%, ou perto da estagnação.

O Credit Suisse trabalha com projeção de crescimento do PIB brasileiro de 0,7%. "A nova regra fiscal vai ser crível não só para o mercado, mas para a academia e a sociedade, se houver controle de gasto, porque gasto é uma variável que o governo realmente pode controlar", completa Srour.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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