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 Foto: Reprodução/Petrobras/Washington Alves

Brasil ‘perdeu’ quase R$ 300 bi por subsídios a combustíveis fósseis na gestão Bolsonaro

Incentivos a fontes renováveis somaram menos que R$ 50 bi no mesmo período, de 2018 a 2022

Imagem: Reprodução/Petrobras/Washington Alves
  • Beatriz Araujo Beatriz Araujo
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4 dez 2023 - 09h06
(atualizado às 13h13)

Durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o país ‘perdeu’ quase R$ 300 bilhões por conta de subsídios direcionados a combustíveis fósseis. Esse montante engloba renúncias fiscais e incentivos diretos dados pelo governo federal, assim como taxas pagas pelos próprios consumidores brasileiros. Os benefícios aos fósseis chegaram a ser cinco vezes superiores aos recebidos pelo setor de fontes renováveis - na contramão da pressão global pela redução de emissões de gases de efeito estufa e de uma transição energética para fontes limpas.

Os dados são da pesquisa Subsídios aos fósseis e renováveis no Brasil (2018-2022): reformar para uma transição energética justa, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que o Terra teve acesso com antecedência. O material foi lançado oficialmente nesta segunda-feira, 4, e pode ser acessado no portal do instituto.

Quanto deixou de ser arrecadado para o País e quanto foi ‘dado’?

Em 2022, R$ 80,95 bilhões saíram, ou deixaram de entrar, nos cofres públicos por causa de subsídios aos combustíveis fósseis - como diesel, gasolina, óleos combustíveis, gás natural liquefeito (GNL) e carvão mineral. Em 2020, o valor foi ainda maior, foram ‘aliviados’ mais de R$ 87 bilhões. Isso sem considerar os subsídios estaduais e municipais, que não foram abordados na pesquisa do Inesc.

Já com relação às fontes renováveis - como a eólica, solar fotovoltaica, hidrelétricas, biomassa e etanol -, o incentivo do governo federal foi de R$ 15,57 bilhões em 2022. Se comparado aos subsídios aos fósseis, o valor é baixo. Mas, ainda assim, representa o ano que mais beneficiou as fontes renováveis desde o início da gestão passada.

O estudo do Inesc também mostra que em 2018, sob gestão de Michel Temer (MDB), os subsídios aos combustíveis fósseis foram de R$ 36,15 bilhões e às fontes renováveis de R$ 10,25 bi. Houve um salto de incentivos de mais de R$ 20 bilhões aos fósseis logo em 2019, quando Bolsonaro assumiu a presidência. Já para as fontes renováveis o padrão seguiu similar.

No total, de 2018 a 2022, foram concedidos R$ 334,6 bilhões em subsídios aos combustíveis fósseis. Destes, cerca de R$ 51 bi foram pagos pela própria população, por meio de taxas de subsídios cobradas nas contas de energia.

Qual o impacto desse cenário?

Chuvas fortes causam mortes, estragos, enchente e deixa centenas de pessoas desabrigadas em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, em setembro. Cena se repete em diversas cidades do Brasil.
Chuvas fortes causam mortes, estragos, enchente e deixa centenas de pessoas desabrigadas em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, em setembro. Cena se repete em diversas cidades do Brasil.
Foto: Divulgação/Prefeitura de Passo Fundo / Estadão

Ondas de calor e eventos climáticos extremos afetam a vida dos brasileiros de forma cada vez mais frequente e intensa, não deixando dúvidas de que a crise climática é uma realidade. Com o País - e todo o mundo - sentindo, o doutor em Energia e assessor político do Inesc, Cássio Carvalho, porta-voz do estudo, considera incoerente que sejam mantidos tantos subsídios aos fósseis enquanto o Brasil deveria estar investindo esforços na transição energética, que pode promover melhorias socioambientais.

No ano passado, evento na Bolsa de Valores de São Paulo marcou início da privatização da Eletrobras
No ano passado, evento na Bolsa de Valores de São Paulo marcou início da privatização da Eletrobras
Foto: Reprodução/PR/Alan Santos

Em entrevista para reportagem, ele pontua que os resultados do estudo são um reflexo do negacionismo climático dos últimos governos: “Foram diversos movimentos e ações governamentais que negaram a crise. Ao invés de caminharmos rumo à transição energética, fomos na contramão do mundo e tivemos uma regressão energética."

Sobre esses retrocessos dos últimos anos, Carvalho cita a privatização da Eletrobras; a criação do Programa para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, sendo que o carvão é um dos principais poluentes do planeta; e a falta de participação dos então líderes políticos em Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (Cops) e demais fóruns internacionais que discutem o futuro do planeta em razão da urgência climática. 

“Estamos vendo a natureza cobrando essa conta” - doutor em Energia e assessor político do Inesc, Cássio Carvalho, porta-voz do estudo.

Falando em abrangência mundial, ele relembra que este ano foi de recordes de altas de temperatura, reflexo das emissões de gases de efeito estufa que, em sua maioria, são provenientes dos combustíveis fósseis utilizados pelo setor energético.  

“No Acordo de Paris, que o Brasil é signatário, foi dada a meta de que, até o fim do século, o mundo não ultrapassasse o aumento de 1,5 ºC em relação ao período pré-industrial. Estamos em 2023 e a temperatura média já está elevada em cerca de 1,2 ºC. Ainda faltam décadas para chegarmos a 2100 e já estamos perto do limite”, destaca.

Como esses subsídios são aplicados?

Cássio Carvalho, do Inesc, também compõe o Grupo de Trabalho de Energia e Desenvolvimento Sustentável do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO)
Cássio Carvalho, do Inesc, também compõe o Grupo de Trabalho de Energia e Desenvolvimento Sustentável do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (CLACSO)
Foto: Reprodução/Inesc

De diversas formas. Segundo dados levantados pelo Inesc, o principal subsídio desfrutado pelas empresas de energia fóssil é o Repetro -  regime aduaneiro especial de exportação e de importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural. Esse é um incentivo de renúncia fiscal que permite a importação ou aquisição de bens, matérias primas e produtos utilizados pela indústria do petróleo para a produção de combustíveis fósseis. 

Além dele, para a etapa de produção de combustíveis fósseis, também existem outros subsídios. Para além dos nomes técnicos, confira mais detalhes sobre eles:

• Conta de Consumo de Combustíveis (CCC)

Subsídio de gasto direto do governo federal, pago pelos consumidores brasileiros nas contas de luz. Ele é referente aos sistemas isolados de energia elétrica presentes na região Norte do país. Esses subsídios aumentaram a partir de 2019, quando o governo venezuelano de Nicolás Maduro rompeu o contrato de fornecimento de energia a Roraima em meio a desentendimentos com o governo Bolsonaro. Com isso, a região passou a depender ainda mais de combustíveis fósseis brasileiros e a conta teve que ser paga por todos. Em agosto deste ano foi autorizado o retorno da importação de energia do país vizinho.

• Dedução dos valores aplicados na exploração e produção de petróleo e gás natural para cálculo do IRPJ (Imposto sobre a renda de pessoas jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)

Renúncia fiscal que gera descontos no imposto de renda de empresas. Segundo o Inesc, há pouca transparência sobre esses dados e, quando os mesmos estão disponíveis, estão dispostos de forma pulverizada.

• Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura (Reidi) 

Renúncia fiscal que gera isenções para a construção de, por exemplo, termelétricas.

• Termoeletricidade

Renúncia fiscal que viabiliza a produção de gás natural  e carvão mineral para energia elétrica. 

• Importação de Gás Natural Liquefeito

Renúncia fiscal que isenta impostos para a importação do combustível quando destinados à produção de energia elétrica. Em 2021, quando o Brasil enfrentou uma crise hídrica e necessitou da força da termoelétrica para garantir a segurança energética, foi importado GNL dos Estados Unidos e, então, esse trâmite recebeu subsídios.

• Serviços de geologia e geofísica aplicados à prospecção de petróleo 

Gasto direto do caixa do governo federal que incentiva a realização de estudos, levantamentos e serviços. O intuito principal é identificar áreas e blocos para serem ofertadas em futuras licitações públicas e exportação de novos poços.

Já na etapa do consumo dos fósseis, estão entre os subsídios:

• Isenções para consumo de óleo diesel, gasolina e o gás de cozinha (GLP - Gás liquefeito de petróleo)

Renúncia fiscal que reduz impostos dos combustíveis citados.

• Auxílio-gás dos brasileiros

Gasto direto que auxilia famílias com baixa renda. Com o auxílio, elas pagam 50% da média do preço nacional do botijão de gás de 13 quilos.

• Conta de Desenvolvimento Energético (CDE)

Gasto direto, pago pelos consumidores de energia elétrica. O CDE é como um guarda-chuva de diversos subsídios intrínsecos ao setor elétrico - que inclui, por exemplo, o CCC. 

E os subsídios para as fontes renováveis?

Apesar de reconhecer o forte impacto social de usinas hidrelétricas, como o caso da Belo Monte, no Rio Xingu, o Inesc considera ser uma fonte de energia renovável por esse tipo de usina não emitir gases de efeito estufa
Apesar de reconhecer o forte impacto social de usinas hidrelétricas, como o caso da Belo Monte, no Rio Xingu, o Inesc considera ser uma fonte de energia renovável por esse tipo de usina não emitir gases de efeito estufa
Foto: Reprodução/TV Brasil

No Brasil, o principal incentivo a fontes renováveis de energia é o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), instituído e regulamentado em 2002. Trata-se de um subsídio de gasto direto, financiado pela tarifa da conta de energia elétrica paga pelos próprios consumidores brasileiros - o que acontece em 48% dos casos dos benefícios voltados ao setor renovável.

Até o momento, esse programa viabilizou a implantação de mais de 200 geradores de energia elétrica limpa em mais de 100 municípios brasileiros. Além dele, na etapa de produção da energia limpa, incidem os subsídios:

• Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura (Reidi Renovável)

Renúncia fiscal gera isenções para a construção de empreendimentos de energia renovável.

• Geração distribuída

Renúncia fiscal em torno da lei da Micro e Minigeração Distribuída, regulamentada pela Aneel no ano passado, que reduz tarifas do sistema de distribuição de energia para quem faz uso de placas solares fotovoltaicas.

• Aerogeradores

Renúncia fiscal que reduz alíquotas de tributações incidentes em materiais e equipamentos para expansão da fonte eólica. 

• Biodiesel 

Renúncia fiscal que reduz alíquotas de tributações incidentes na produção e comercialização do biodiesel.

• Conta de Consumo de Combustíveis (CCC Renovável)

Subsídio de gasto direto do governo federal, pago pelos consumidores brasileiros. Ele é referente aos sistemas isolados de energia elétrica presentes na região Norte do país. Nesse caso, para sistemas que passam a ofertar geração de energia provinda de fontes renováveis.

• Fontes Incentivadas, redução de pagamento de TUST e TUSD

Gasto direto para reduzir tarifas de transporte de eletricidade. Esse tópico também está dentro do guarda chuva da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

• Política nacional de biocombustíveis (Renovabio)

Gasto direto que promove a expansão dos biocombustíveis na matriz energética, regularizando o abastecimento e assegurando a previsibilidade para o mercado de combustíveis.

• Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis)

Renúncia fiscal que impulsiona o desenvolvimento de fontes renováveis no país, reduzindo a necessidade de fontes fósseis. Esse subsídio isenta alíquotas de impostos para empresas que exercem atividades de concepção, desenvolvimento ou fabricação de placas solares. 

• Programa Mais Luz para a Amazônia 

Gasto direto que promove a implementação de fontes renováveis no Norte do país e a expansão dos sistemas interligados até essas regiões - reduzindo, assim, os sistemas isolados. 

Já no consumo de energia limpa, o subsídio é o de:

• Isenções para consumo de etanol hidratado

Renúncia fiscal que reduz impostos do combustível.

Combustíveis fósseis são o ‘principal vilão’?

Área desmatada da floresta amazônica perto de Uruará, no Pará
Área desmatada da floresta amazônica perto de Uruará, no Pará
Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino

No cenário global, em meio ao setor de Energia, são os principais poluentes. Mas, no Brasil, as emissões de gases de efeito estufa estão ligadas principalmente a mudanças de uso da terra - onde entra o desmatamento e a queima de resíduos florestais, por exemplo. Em 2022 o país emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa - sendo 48% relacionadas ao uso da terra.

Já o segundo setor que mais emite no país é o da agropecuária. O setor representou 27% das emissões brutas do país no último ano. Depois, em terceiro lugar, vem o setor de Energia. Os dados são do novo estudo de análise de emissões do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (Seeg), do Observatório do Clima, lançada em novembro.

"Entre 2019 e 2022, o Brasil emitiu 9,4 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa, retornando ao patamar de emissões dos mandatos de FHC 2 (9,8 bilhões) e de Collor/Itamar (9,1 bilhões) e anulando as conquistas dos governos Lula 2 e Dilma 1, quando as emissões em quatro anos foram de 7,6 bilhões e 7,7 bilhões de toneladas de CO2 e, respectivamente" - Seeg.

Mas, de todo modo, como dito no relatório do Inesc, o Brasil segue como o nono maior produtor mundial de petróleo. A questão é complexa pois, além dos impactos, a mineração de carvão criou cerca de 20 mil empregos diretos e indiretos em 2018, por exemplo. Para mudar esse cenário, como indica o estudo, é preciso uma “estratégia robusta de transição justa para as comunidades impactadas pela desativação de minas de carvão e usinas térmicas”.

O Banco Mundial, no Relatório sobre Clima e Desenvolvimento do País lançado neste ano, estima que eventos climáticos extremos causam, em média, perdas de R$ 13 bilhões ao ano no Brasil. Se a situação seguir nessa toada, a partir de 2030 a crise climática pode levar para a pobreza extrema um adicional de 800 mil a 3 milhões de brasileiros.

A previsão é de melhora?

O Inesc avalia que, agora, o Brasil se encontra em um contexto político favorável em função do compromisso do governo de construção e implementação do ‘Plano de Transformação Ecológica’ e de so papel de liderança que o atual governo assume junto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Além disso, o país também se torna presidente do G20 a partir de 2024.

Ao lado da ex-presidente Dilma e da ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Lula marca presença na COP 28 neste dia 1º
Ao lado da ex-presidente Dilma e da ministra do Meio Ambiente Marina Silva, Lula marca presença na COP 28 neste dia 1º
Foto: Reprodução/Twitter/@LulaOficial

Para o especialista Cássio Carvalho, o Brasil pode, sim, ser protagonista no processo de transição energética e de ser líder na conquista do desmatamento zero. Mas que, ainda assim, esse papel está em disputa.

“O governo vai para os fóruns internacionais, vai para as mesas de negociações e fala que temos esse potencial. Mas aqui dentro a gente vê a disputa colocada, por exemplo, na tentativa de exploração da margem equatorial ou, até mesmo, no convite que foi feito pela Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] para que o Brasil se integre ao cartel da Opep+. São buchas de canhão”, diz.

Sendo assim, ele avalia que o governo precisa ter pulso firme neste papel de liderança e fazer ‘as lições de casa’, dizendo não para novas fronteiras de petróleo. 

Neste sábado, 2, durante discurso na Cúpula do Clima da ONU, a COP 28, em Dubai, nos Emirador Árabes, Lula argumentou que o Brasil irá participar do grupo Opep+, mas que não irá "apitar em nada" nas decisões do bloco.

"Eu vou lá, escuto, só falo depois que eles tomarem a decisão e venho embora. Não apito nada. A Opep+ eu acho importante a gente participar, porque a gente precisa convencer os países que produzem petróleo que eles precisam se preparar para reduzirem os combustíveis fósseis", disse o presidente, no momento, enfatizando que isso não representa que o Brasil entrará na Opep, mas, sim, na Opep+.

A Opep reúne 13 países que respondem por 30% da produção global de petróleo e por cerca de 60¨de todo o petróleo exportado no mundo. O maior produtor é a Arábia Saudita, que gera mais de 10 milhões de barris por dia. A organização foi fundada em 1960 e, em 2016, surgiu a Opep+ - onde estão 'países aliados'.

No dia 1º, em outro discurso na Cúpula, Lula reforçou seu compromisso com a redução da dependência de combustíveis fósseis, da aceleração do ritmo da descabonização da economia e da promessa de zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.

Fonte: Redação Terra
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