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Brasil pode sofrer menos com inflação global causada pela guerra

Para o economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente da Mauá Capital, o Brasil tem a vantagem de ser um exportador de commodities, o que atrai dólares e reduz o impacto do câmbio

17 mar 2022 - 05h10
(atualizado às 07h05)
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Outro ponto favorável é que o País é um grande exportador de commodities
Outro ponto favorável é que o País é um grande exportador de commodities
Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

O Brasil é um dos países que menos vão sofrer com o efeito da inflação global agravada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, segundo o ex-diretor do Banco Central e presidente da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo.

Essa relativa vantagem comparativa apontada pelo economista está no fato de o Banco Central brasileiro ter sido um dos primeiros a começar a elevar a taxa básica de juros, a Selic, para conter a alta de preços. Hoje o BC já está no final do ciclo de aperto monetário.

Outro ponto favorável é que o País é um grande exportador de commodities. Com isso, a disparada dos preços em dólar das matérias-primas, que ganhou força com a guerra, gera mais renda para o setor agrícola e o Produto Interno Bruto (PIB) para o País, minimizando o efeito no câmbio. "O cenário é menos negativo para o Brasil, mas não dá para ficar otimista nessa situação."

O economista frisa que o quadro atual é muito fluido e incerto. Numa semana o barril de petróleo bate US$ 130 e na outra está abaixo de US$ 100. Por isso, ele acredita que os bancos centrais pelo mundo têm de reagir aos estragos que a guerra trouxe para a inflação, mas devem ser cautelosos para não exagerar na dose e agravar o cenário de baixo crescimento com a alta de juros.

Figueiredo acredita que daqui para frente o risco político passará a fazer parte dos fatores de sustentabilidade que norteiam os investimentos. "Países que trazem esse risco (ambiental) vão sofrer muito mais e, nesse sentido, o Brasil não tem esse tipo de problema."

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual o cenário econômico antes e depois da eclosão da guerra entre Rússia e Ucrânia?

Com a pandemia, o mundo se viu com uma inflação muito elevada. A inflação dos últimos 12 meses nos Estados Unidos é de 7,9% e antes era de 1,5% ao ano No Brasil, a inflação era em torno de 4% e foi para 10%. Com o arrefecimento da pandemia e a volta das atividades, é preciso normalizar as políticas fiscal e monetária, de maneira que a inflação gradualmente volte a cair. Esse era o mundo pré-conflito Rússia e Ucrânia. O conflito trouxe mais inflação e menos crescimento. E ampliou muito o dilema ou a dificuldade que os bancos centrais vão ter no mundo todo para fazer frente a essa situação. Esse é o pano de fundo.

Qual a posição do Brasil?

O Brasil tem várias questões que são bastante diferentes. Estamos num momento final do ciclo de aperto monetário. O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros a subir juros. Com a guerra, o Brasil sofre a influência de mais inflação em função do aumento do petróleo, do aumento das commodities e alguma coisa de menor crescimento. Mas temos uma grande atenuante porque somos um grande exportador de commodities. Isso atenua o efeito do conflito, que piorou a situação para o mundo inteiro. O fato de sermos exportadores de commodities minimiza o impacto na taxa de câmbio e melhora a renda de todo o setor agrícola e gera mais PIB (Produto Interno Bruto) para o País.

Diante dessa mudança de cenário externo, o que o Banco Central deve fazer?

Provavelmente o BC precisará apertar mais os juros do que ele imaginava e vai manter a Selic em patamar mais alto por mais tempo do que imaginava antes do conflito. Essas coisas são muito prováveis, mas como esse conflito pode ser temporário, o BC tem que ter bastante cautela. Há uma semana o petróleo estava a US$ 130 o barril e agora abaixo de US$ 100. Está tudo muito fluído e nessa situação, cabe à autoridade monetária ir com calma para não exagerar para nenhum lado.

A decisão do banco central americano (Fed) influencia?

Por mais que o dilema seja maior para o Fed e o Banco Central Europeu, eles provavelmente vão se dar o direito de esperar um pouco mais para ter mais informações sobre o impacto do conflito. Isso não quer dizer que eles não vão reagir aos impactos do que está acontecendo. Mas não pode se antecipar demais num ambiente tão fluído como o que estamos.

Qual é a efetividade de subir juros para conter inflação de oferta provocada pelas commodities?

A efetividade é não deixar que as altas de preços se propaguem pela economia. Um aumento de custo é sempre desafiador para os bancos centrais.

Qual é o impacto da alta de juros básicos para a atividade?

Ela esfria a economia, lógico. Mas tem outro aspecto que ocorre em uma situação de guerra, que não é só o conflito bélico, mas político e geoeconômico. Essa situação reduz a confiança das pessoas, o que afeta o crescimento. Quando temos menor confiança, compramos menos, investimos menos e empregamos menos.

O sr. revisou a projeção do PIB para este ano?

Estávamos com 0,5% de crescimento e viés de alta. Com esse choque e toda essa incerteza, mantivemos 0,5% e tiramos o viés.

Se a guerra acabar, a tendência é de que as coisas voltem para o eixo?

Eu tenho dúvidas. Não tivemos sanções econômicas tão severas em nenhum outro conflito. O impacto econômico será muito maior do que se imaginava. Vão ficar sequelas relevantes. A quantidade de empresas americanas e ocidentais que saíram da Rússia é enorme. Quanto vai cair o PIB da Rússia? Trinta por cento, talvez mais. Empresas que investiam na Rússia vão voltar a investir o que investiram antes do conflito? Muito difícil.

O conflito impôs um ônus à economia mundial?

Sem dúvida. Cada vez mais os investimentos na atividade estão sendo orientados por fatores de sustentabilidade. Acredito que o fator político vai passar a fazer parte da questão da sustentabilidade. Países que trazem esse risco (ambiental) vão sofrer muito mais daqui para frente. Nesse sentido, o Brasil não tem esse tipo de problema.

Estadão
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