BV vê riscos global e fiscal como pesos para a economia do Brasil, com juros e dólar elevados
A economia brasileira deve desacelerar no próximo ano e convergir para sua taxa de crescimento potencial em 2026, em um ambiente de inflação distante do centro da meta, juros em níveis elevados e pressão sobre o dólar de preocupações com a dívida, segundo as projeções macroeconômicas do banco BV.
O balanço para os próximos dois anos elaborado pelo BV, que tem o Banco do Brasil e o conglomerado Votorantim como sócios, baseia-se na previsão de um cenário externo adverso para mercados emergentes, enquanto a trajetória das contas públicas brasileiras continuará sendo um peso para o país.
O banco atribui o pessimismo em relação ao cenário global para os próximos dois anos a uma série de fatores, incluindo a desaceleração econômica de países importantes -- com destaque para a China --, uma maior prevalência do tema fiscal no cenário externo, pressão sobre os preços de commodities e choques climáticos.
"Não é um ambiente favorável para mercados emergentes, cenário global não vai ajudar a gente. Os investidores vão ficar muito mais cautelosos com os ativos que vão comprar", disse o economista-chefe do BV, Roberto Padovani, a jornalistas em apresentação das previsões da instituição nesta segunda-feira.
Segundo o BV, após fechar este ano com uma alta prevista no Produto Interno Bruto (PIB) de 3,1%, a economia brasileira desacelerará para uma taxa de crescimento de 1,8% em 2025. No ano seguinte, a projeção é de uma expansão de 2%, que o banco vê como o PIB potencial do Brasil.
No lado dos preços, os economistas do BV projetam que a inflação encerrará 2024 em 4,5%, exatamente o teto da meta perseguida pelo BC. Nos próximos dois anos, a alta dos preços deve chegar a 3,9% e 4%, respectivamente, acima do centro do objetivo, de 3%.
Na elaboração das projeções, o BV trabalhou com um cenário de consenso em que o ex-presidente Donald Trump sairá vitorioso da eleição presidencial dos Estados Unidos, o que ainda poderia elevar as tensões geopolíticas e comerciais diante das promessas do republicano de tarifas sobre importações.
Apesar do cenário adverso, o banco prevê que o Brasil deve enfrentar menos problemas do que seus pares latino-americanos, devido ao fato de apresentar uma economia mais resistente a choques externos, principalmente por conta da força de seu setor exportador, impulsionador da expansão de 2,9% do PIB em 2023.
"Uma coisa que ajuda a gente é a força do setor exportador brasileiro. A nossa tese é de que a gente consegue sustentar crescimento. A economia brasileira está muito mais resiliente", afirmou Padovani, destacando ainda a taxa de desemprego historicamente baixa -- 6,4% no trimestre encerrado em setembro -- e o mercado de trabalho forte.
Com a perspectiva de maior resiliência no Brasil, Padovani apontou que o risco de crédito continuará controlado, sem uma forte inadimplência de pessoas físicas, enquanto o país deve afastar também as chances de uma crise política, que se originam, normalmente, de uma grande deterioração econômica.
JUROS ALTOS E DÓLAR A R$6,00
Diante de um cenário global adverso e uma inflação distante do centro da meta, o BV projeta que a taxa Selic continuará em patamares altos nos próximos dois anos, enquanto o real permanecerá pressionado, com o dólar atingindo níveis recordes no mercado de câmbio brasileiro.
De acordo com o balanço do banco, o atual ciclo de aperto monetário do Banco Central se encerrará no próximo ano com a taxa básica de juros em 12,50%, iniciando-se depois uma campanha de afrouxamento à medida que a inflação convergir para a meta. Assim, o banco vê a Selic em 11,50% ao fim de 2025.
Em 2026, com a inflação ainda um pouco distante do centro da meta, a taxa de juros será mantida em 11,50%.
No câmbio, a previsão é de que a moeda norte-americana atinja 5,90 reais ao fim do próximo ano e 6,00 reais no encerramento de 2026. Na esteira da forte alta do dólar, para além da cena global, estaria também a preocupação do mercado com a trajetória da dívida pública brasileira.
"Se tiver uma trajetória explosiva de dívida, há piora de condições financeiras e piora do câmbio", afirmou Padovani.
O economista-chefe apontou que espera que o governo realize o ajuste fiscal necessário a fim de controlar o crescimento da dívida, mas apontou que o Executivo deve seguir um "padrão histórico" de agir de forma reativa e política, ou seja, apenas na sequência da deterioração das condições financeiras.
"Todo mundo vai ficar de olho para tentar entender as respostas do governo para a dinâmica da dívida. Estamos prevendo que o governo vai reagir à piora das condições financeiras. A dúvida é saber quando vai ser entregue o ajuste fiscal. Achamos que isso vai acontecer sob estresse financeiro."
Agentes financeiros estão na espera do anúncio de prometidas medidas de contenção de gastos pelo governo a fim de garantir a sustentação do arcabouço fiscal. Em meio ao nervosismo do mercado, o dólar fechou a sessão de sexta-feira a 5,8699 reais, o maior valor de fechamento desde 13 de maio de 2020.
Após a forte alta da divisa norte-americana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cancelou uma viagem planejada para a Europa a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele disse nesta segunda-feira que acredita ser possível apresentar as iniciativas fiscais ainda nesta semana.
"A estratégia desse governo -- e de todos -- é fazer o mínimo ajuste necessário e torcer para que o cenário externo ajude. Esse governo prefere fazer ajustes fiscais graduais. Em cenário global adverso, talvez esse gradualismo não seja possível", pontuou Padovani