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Câmara acaba com o piso salarial de cinco categorias, que reagem

Salário mínimo para formados em Agronomia, Arquitetura, Engenharia, Química e Veterinária, em vigor há 55 anos, é extinto por medida provisória que tem o objetivo de facilitar a abertura de empresas; categorias querem reverter a decisão no Senado

19 jul 2021 - 13h06
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A Câmara dos Deputados revogou o piso salarial para os formados em Agronomia, Arquitetura, Engenharia, Química e Veterinária em vigor desde 1966. Agora, os conselhos federais dessas categorias se mobilizam para reverter a medida no Senado e cogitam até mesmo judicializar a questão.

O texto final da medida provisória (MP) 1.040, com o objetivo de facilitar a abertura de empresas, aprovado pela Câmara em votação simbólica no fim de junho, conta em seu artigo 57 com um "revogaço" de 33 leis ou trechos de leis. Entre elas, o relator Marco Bertaiolli (PSD-SP) incluiu a revogação da Lei nº 4.950-A, que garante o piso salarial dessas cinco categorias. Para os formados em cursos de graduação de quatro anos, o piso é de seis salários mínimos (R$ 6,6 mil). Para cursos de menor duração, o piso é de cinco salários (R$ 5,5 mil).

Para o relator na Câmara, não faz sentido que essas categorias - ou quaisquer outras - tenham um piso salarial garantido em lei federal. "Procuramos desburocratizar ao máximo o Brasil. Junto com o Ministério da Economia, buscamos revogar legislações que não possuíam mais sentido com a realidade. Uma delas é o piso para algumas profissões específicas", diz o deputado. "O único piso que deve existir em lei é o salário mínimo. A partir daí é uma negociação entre sindicatos e empresas. Imagina se todas as profissões tivessem um piso em lei."

Bertaiolli acredita que o Senado não deve fazer muitas alterações em um texto aprovado com quase unanimidade pelos deputados - apenas a bancada do PSOL se declarou contra a MP. "As empresas não conseguem mais conviver com essa legislação. Muitas vezes, a empresa contrata como auxiliar técnico para não dizer que é engenheiro. A categoria não ficará desassistida, existem os acordos trabalhistas para isso", afirma o relator.

Pegos de surpresa pela votação na Câmara, os conselhos federais dessas categorias e outras entidades de classe iniciaram um movimento para convencer os senadores a reverterem a medida. Como resultado, mais de 30 emendas já foram apresentadas para preservar o piso salarial desses profissionais e garantir a fiscalização por parte dos conselhos.

"Não há justificativa para a retirada do salário mínimo desses trabalhadores. A fixação de valores mínimos para o exercício das atividades profissionais é proporcional à extensão e à complexidade do trabalho", avalia o senador Fabiano Contarato (Rede-ES), que é contra a retirada do piso. "A revogação vai na contramão do direito à remuneração digna para atender às necessidades vitais básicas do trabalhador, o que viola frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana."

O argumento é de que a inclusão desses artigos na MP seria inconstitucional, por não ter relação com o escopo principal da medida provisória - o chamado "jabuti" no jargão do Congresso Nacional. A expectativa é de que o Senado vote a MP na primeira semana de agosto.

O Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) afirma contar com o apoio de mais de 50 dos 81 senadores para manter o piso.

A vice-presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Ana Elisa Fernandes de Souza Almeida, questiona como o fim do piso salarial das categorias melhoraria o ambiente de negócios no País. Para ela, a desregulamentação dos salários dos profissionais pode trazer mais prejuízos na qualidade dos serviços prestados do que uma eventual economia na folha de pagamento das empresas.

"A remuneração de profissionais habilitados não é uma mercadoria que deva ser regulada apenas pela oferta e pela demanda. Essa emenda vai atingir mais de 1 milhão de profissionais, com uma mudança danosa para a população, que é quem será atingida na ponta pela precarização dos serviços", avalia ela. "Um serviço não qualificado tem mais custo do que uma pequena economia de salário."

O coordenador do Comitê de Relações Institucionais e Governamentais do Conselho Federal de Química (CFQ), Rafael Barreto Almada, argumenta que todos esses profissionais técnicos precisam ter condições de trabalhar sem se sujeitar a pressões diversas de ordem financeira. Segundo ele, trata-se de profissões muito assediadas para elaboração de projetos sem o controle e o rigor necessários.

"O químico, por exemplo, emite laudos, faz análises, experimentos, que abrangem desde produtos alimentícios, medicamentos, petroquímicos. Com a banalização do valor mínimo para contratar esse profissional, ele pode passar a se submeter a qualquer tipo de trabalho", afirma Almada. "A MP cria conceitos equivocados, ao flexibilizar a fiscalização. Os conselhos das categorias não são entraves, mas ferramentas criadas pela sociedade para protegê-la dos maus profissionais. Os conselhos impedem que esse tipo de profissional atue", completa. 'Revogaço' de piso salarial na Câmara gera resistência de entidades de classe

Faz sentido acabar com o piso salarial das categorias?

Sim

Muito mais importante é a regulamentação e verificar se o profissional atende aos requisitos técnicos. O piso não tem força moralizadora. Já a regulamentação tem um objetivo fundamental, que é a proteção do consumidor. Seria melhor aperfeiçoar o sistema de regulamentação do que continuar com o piso, melhorando a fiscalização. Acredito muito no mercado. A lei deveria regular apenas o salário mínimo. Além da competência, é preciso levar em consideração o tamanho da responsabilidade. Um engenheiro que projeta uma hidrelétrica, em sua carteira de trabalho, tem a mesma anotação de um engenheiro que projeta a reforma de uma casa. Mas o primeiro tem uma responsabilidade muito maior. A regulamentação, sim, tem de ser fortalecida e caprichar nos critérios de avaliação. Fora disso, tem que deixar o mercado acertar.

José Pastore

Professor de relações do trabalho da USP

Não

Acabar com o piso dessas categorias é uma resposta burra para um problema real. De fato, houve uma redução dos lucros das empresas do setor não financeiro na última década, mas há duas maneiras de reagir. A maneira inteligente é aumentar a produtividade por meio de investimentos e atualização tecnológica. A resposta burra é reduzir os custos trabalhistas, com a redução na marra dos salários.

Os jabutis não foram colocados à toa na MP, mas, sim, fazem parte de uma lógica de ajuste macroeconômico. A classe empresarial busca recuperar sua rentabilidade por meio da redução geral de salários, mas esquece que o salário é uma fonte de demanda. Quanto maior a folha salarial, mais as empresas conseguem vender. Muitas vezes é preciso proteger os empresários deles mesmos.

José Luis Oreiro

Professor do departamento de Economia da UnB

Estadão
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