Câmara aprova 1º projeto do pacote de corte de gasto com reforços ao arcabouço e bloqueio de emendas
Após análise dos destaques, texto seguirá para tramitação no Senado; Câmara se prepara para votar outros dois projetos de cortes de gastos
BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira, 17, o texto-base do primeiro projeto do pacote de corte de gastos encaminhado pelo governo Lula ao Congresso. O projeto de lei complementar relatado pelo deputado Átila Lira (PP-PI) cria "reforços" ao arcabouço fiscal, prevendo disparo de novos gatilhos para congelamento de gastos em caso de piora das contas públicas, além de permitir que o governo possa bloquear até 15% das emendas parlamentares.
Foram 318 votos a favor e 149 votos contrários. Os deputados analisam agora os destaques (sugestões de mudanças ao texto principal). Concluída a votação, o texto seguirá para a análise do Senado Federal.
Uma das medidas proposta pela equipe econômica, contudo, caiu: a que limitava a restituição de créditos tributários pelas empresas. A proposta enfrentava forte resistência entre vários setores da economia, além de ter integrado uma Medida Provisória (MP) editada pelo governo em junho e que foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
A expectativa é de que o projeto seja votado no Senado até a próxima sexta-feira, 20, antes do recesso parlamentar. O Congresso ainda tentará aprovar um outro projeto de lei encaminhado pela Fazenda, além de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).
A Fazenda estima que os três projetos juntos vão gerar uma economia de R$ 71,9 bilhões em dois anos, mas especialistas em contas públicas contestam esse cálculo e preveem uma economia menor, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. As contas ainda terão de ser refeitas após as modificações feitas no Congresso.
Entenda o projeto
Um dos gatilhos do projeto prevê que, em caso de déficit primário, ficará proibido, a partir de 2025, a concessão, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários. Além disso, haverá limitação de crescimento no gasto com pessoal em 0,6% ao ano acima da inflação - o piso do aumento de despesas estabelecido pelo novo arcabouço fiscal.
Outro gatilho determina que, em caso de redução nominal das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio), a partir de 2027, haverá essa restrição para benefícios tributários (tal qual ocorre em caso de déficit primário) e a mesma limitação para o crescimento de despesas com pessoal.
A proposta aprovada também determina que a criação ou prorrogação de benefícios da seguridade social ficam limitadas às regras de crescimento do arcabouço, ou seja, com teto máximo de 2,5% ao ano.
O projeto estabelece que o governo poderá bloquear e contingenciar até 15% das emendas parlamentares. A medida enfrentava resistências no Congresso, mas a cúpula do Legislativo fechou um acordo com o Palácio do Planalto para aprovar a medida.
Hoje, o governo não pode bloquear emendas, apenas contingenciar. Isso significa que os recursos hoje só podem ser congelados em caso de frustração de receitas. Com o projeto, as emendas poderão ser congeladas também para bancar o crescimento de gastos obrigatórios, como aposentadorias, e cumprir o limite de despesas do arcabouço fiscal.
O governo Lula negociou com a cúpula do Congresso a possibilidade de cortar recursos de emendas parlamentares para colocar o dinheiro em despesas obrigatórias e cumprir o arcabouço fiscal.
O bloqueio de emendas enfrenta resistências no Congresso e chegou a ser rejeitado semanas atrás. A cúpula do Legislativo, porém, fechou um acordo com o Palácio do Planalto para aprovar essa medida.
Superávit de fundos para pagar dívida
O relator incluiu no texto um dispositivo que determina que, entre 2025 e 2030, o superávit financeiro de fundos públicos só poderá ser usado para amortizar a dívida. O projeto do governo previa que o uso dos recursos seria de livre aplicação, o que foi amplamente criticado por economistas, como mostrou o Estadão, uma vez que abria margem para ampliar gastos.
Na proposta do governo, eram oito fundos listados, mas o relator manteve apenas cinco: os fundos de Defesa de Direitos Difusos (FDD), Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (FUNSET), do Exército, Aeronáutico e Naval. Foram excluídos o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) com a justificativa de que seus recursos "são utilizados para importantes investimentos".
'Jabutis' retirados
O relatório chegou a inserir dois jabutis (propostas que não têm relação com o objetivo central do texto) no projeto de lei, mas depois retirou os dispositivos do texto. Um deles prorrogava até 2028 a Lei de Incentivo ao Esporte, que permite deduções no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas que fizerem gastos com patrocínio esportivo ou doações na área.
Outro extinguia a cobrança do Seguro Obrigatório Para Proteção de Vítimas de Acidentes de Transito (SPVAT), antigo DPVAT.
Câmara analisa mais dois projetos do pacote fiscal; veja medidas
O governo Lula anunciou um pacote de cortes de gastos com o objetivo de dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal (o instrumento que substituiu o teto de gastos) e retomar a confiança no equilíbrio das contas públicas.
A equipe econômica estima uma economia de R$ 327 bilhões em cinco anos com as medidas, enviadas ao Congresso Nacional.
Além do PL aprovado nesta terça, o Congresso vai analisar um outro projeto de lei e uma PEC. No PL, estão previstas mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), Proagro, além de limite de crescimento para o salário mínimo e correção pela inflação para o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Há também medidas consideradas como "pente-fino", como obrigatoriedade de biometria por quem recebe benefícios sociais.
Já a PEC prevê a redução a quem tem direito a abono salarial para até 1,5 salário mínimo, a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2032, além de permitir que até 20% dos gastos do governo federal com o Fundeb sejam direcionados para o ensino integral, e o fim da imposição de execução de programações orçamentárias.
Veja medidas e a previsão de economia feita pela Fazenda:
Projeto de lei 4614-2024 | Relator: Deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL)
Salário mínimo: Limita o crescimento do salário mínimo a 2,5% ao ano acima da inflação, com piso de Previsão de economia de R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030.
BPC: Altera regras do BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. A proposta deduções de renda, mudando critérios para pessoas com deficiência e renda familiar, entre outras. Previsão de economia de R$ 12 bilhões até 2030 (combinada com a PEC).
Biometria: Estabelece biometria para todos os benefícios da seguridade social, medida considerada como "pente-fino" por especialistas. Previsão de economia de R$ 15 bilhões até 2030.
Proagro: Gastos ficarão limitados ao que está previsto no Orçamento de cada ano. Sem previsão de economia.
FCDF: Corrige os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) pela inflação. Previsão de economia de R$ 18,1 bilhões entre 2025 e 2030.
BOLSA FAMÍLIA: Permite ao governo modificar parâmetros relativos ao Bolsa Família e coloca limites de unipessoais em municípios. Previsão de economia de R$ 17 bilhões até 2030.
RENOVAÇÃO DE CADASTRO: Quem está no CadÚnico tem que renovar cadastro a cada 24 meses para receber programa de transferência de renda (PENTE FINO). Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.
DADOS: Concessionárias de serviços públicos terão que oferecer dados para a União. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.