Câmara aprova PEC do pacote de corte de gastos com mudanças em abono, Fundeb e supersalários
Proposta integra uma das três medidas encaminhadas pela Fazenda ao Congresso dentro do pacote de cortes de gastos
BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira, 19, em dois turnos, o texto-base da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que integra o pacote de corte de gastos do governo Lula. O texto traz mudanças no abono salarial, no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), além de prorrogar a Desvinculação das Receitas da União (DRU) e abrir caminho para votação do projeto que limita os supersalários do funcionalismo público.
Foram 344 votos a favor (eram necessários 308), 154 contrários e duas abstenções no primeiro turno. Já no segundo turno, foram 348 votos a favor e 146 contrários. Concluída a votação, o texto seguirá para o Senado Federal
Na quarta-feira, 18, a votação foi adiada após o governo não conseguir os votos necessários. O Palácio do Planalto prometeu o pagamento de emendas parlamentares no fim do ano para angariar apoio na Câmara, incluindo da própria base aliada.
Este é o segundo projeto do pacote analisado pela Câmara, que aprovou anteriormente um projeto de lei complementar com novos gatilhos ao arcabouço fiscal. A expectativa é de que o terceiro projeto de lei, que limita o crescimento do salário mínimo e promove mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), seja analisado ainda esta quarta.
A Fazenda estima que os três projetos juntos vão gerar uma economia de R$ 71,9 bilhões em dois anos, mas especialistas em contas públicas contestam o cálculo e preveem uma economia menor, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. As contas ainda terão de ser refeitas após as modificações feitas no Congresso.
Fundeb
A principal mudança no texto, relatado pelo deputado Moses Rodrigues (União-CE), foi a alteração da proposta do governo em relação ao Fundeb. A Fazenda queria que até 20% dos recursos que a União coloca no fundo fossem destinados ao ensino em tempo integral, o que poderia abrir um espaço fiscal de R$ 11,6 bilhões no ano que vem.
A Câmara reduziu o porcentual para 10% e estabeleceu que o dinheiro da complementação da União no Fundeb será usado para ensino em tempo integral apenas em 2025, diminuindo o impacto para R$ 5,8 bilhões. O valor, no entanto, ainda é maior que a economia anunciada pelo governo ao apresentar o pacote fiscal (R$ 4,8 bilhões).
A partir de 2026, os Estados e municípios terão que destinar 4% de recursos próprios que colocam no Fundeb para esse programa. Na prática, a União transfere a responsabilidade para os governos locais e espera economizar recursos com isso.
De acordo com o economista Camillo Bassi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os Estados e municípios precisarão investir R$ 12 bilhões em ensino em tempo integral em 2026 para cumprir a regra da proposta aprovada. "O valor bate com a proposta anterior, mas a origem do recurso é diferente. A partir de 2026, o recurso será calculado em cima dos fundos de todos os Estados, e a União estará alheia."
A economia efetiva de gastos para a União, no entanto, vai exigir que o governo federal diminua recursos do orçamento da Educação no mesmo montante. Ao cortar recursos, o governo federal deverá assumir o ônus político e ainda respeitar o piso constitucional da Educação exigido pela Constituição, que consome despesas não obrigatórias.
O espaço da economia gerada pelo Fundeb poderá ser ocupado por outros gastos, como o programa Pé-de-Meia, que paga uma bolsa para estudantes do ensino médio. Dessa forma, não haveria corte no total de despesas, mas traria o Pé-de-Meia para dentro do Orçamento, evitando manobras fiscais.
Câmara flexibiliza limite aos supersalários
A PEC manteve o comando constitucional para tentar coibir os supersalários, mas definindo que uma lei ordinária (não lei complementar) vai dizer quais tipos de penduricalhos poderão ser excluídos do teto remuneratório.
Na prática, a medida foi flexibilizada, pois uma lei ordinária exige mais votos e pode abrir mais espaço para "penduricalhos", ou seja, para pagamentos de benefícios fora do teto, calculado hoje em R$ 44 mil mensais.
A proposta também define que terá direito ao abono salarial quem ganha até 1,5 salário mínimo, mas com uma regra de transição até 2035. Hoje, tem direito ao abono quem ganha até dois salários mínimos.
Também foi prorrogada a Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2032, que permite ao governo usar recursos carimbados para outras finalidades, permitindo uma flexibilidade maior no Orçamento.
O Congresso rejeitou um dispositivo proposto pelo governo que tirava a obrigação de o Poder Executivo executar o Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. A medida, incluída na Constituição em 2019, impede o governo de cancelar, por exemplo, emendas parlamentares, que são recursos direcionados por deputados e senadores para seus redutos eleitorais.
Entenda os outros dois projetos do pacote fiscal
Projeto de lei 4614-2024 - Pendente de votação na Câmara
- Salário mínimo: Limita o crescimento do salário mínimo a 2,5% ao ano acima da inflação, com piso de Previsão de economia de R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030.
- Proagro: Gastos com Proagro, espécie de seguro rural voltado a pequenos e médios agricultores, ficarão limitados ao que está previsto no Orçamento de cada ano. Sem previsão de economia.
- Biometria: Estabelece biometria para todos os benefícios da seguridade social, medida considerada como "pente-fino" por especialistas. Previsão de economia de R$ 15 bilhões até 2030.
- Bolsa Família: Permite ao governo modificar parâmetros relativos ao Bolsa Família e coloca limites de unipessoais em municípios. Previsão de economia de R$ 17 bilhões até 2030.
- Renovação de cadastro: Quem está no CadÚnico terá de renovar cadastro a cada 24 meses para receber programa de transferência de renda. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.
- Dados: Concessionárias de serviços públicos terão que oferecer dados para a União. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.
Projeto de lei complementar - aprovado na Câmara
- Seguridade social: Criação ou prorrogação de novos gastos da seguridade social têm que respeitar os limites do arcabouço. Mantido no texto, mas sem previsão de economia divulgada pelo Ministério da Fazenda.
- Gatilho com déficit primário: Proíbe a renovação de incentivos tributários e limita o crescimento de gastos com pessoal a 0,6%, se o governo registrar déficit primário.
- Gatilho em caso de queda nominal dos gastos discricionários: Proíbe, até que as despesas discricionárias voltem a subir em termos nominais, a concessão, ampliação ou prorrogação de benefício tributário, de 2027 até 2030, e limita o crescimento anual real de despesas com pessoal e encargos acima de 0,6%.
- Superávit primário de fundos: Só poderá ser usado para o pagamento de dívidas, mas três dos oito fundos da proposta original saíram do texto.
- Emendas: A Câmara rejeitou o corte em emendas impositivas (individuais e de bancada) para cumprir o arcabouço fiscal, limitando o bloqueio às emendas não impositivas (como as emendas de comissão) até 15% dos recursos.
Caiu no projeto
- Créditos tributários: Foi retirado do texto pelo relator Átila Lira, sob argumentação de que o governo já havia tentando essa proposta, em uma medida provisória, que foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.