Câmara aprova 3º projeto do pacote fiscal com teto para salário mínimo, mas desidrata mudança no BPC
Proposta coloca limite de 2,5% para o crescimento do salário mínimo, impõe limite de gastos com o Proagro, mas afrouxa medidas para o BPC
BRASÍLIA - A Câmara dos Deputado aprovou nesta quinta-feira, 19, o texto-base do terceiro e último projeto que integra o pacote de cortes de gastos encaminhado ao Congresso pelo Ministério da Fazenda.
Os deputados analisam agora os destaques (sugestões de mudanças a texto principal). Após a conclusão da votação, o texto segue para o Senado Federal. Com isso, dois projetos de lei e uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) estarão sob o crivo dos senadores, com expectativa de conclusão de votação até esta sexta-feira, antes do recesso parlamentar.
Entre as medidas do último projeto do pacote, aprovado nesta quinta, estão a limitação do crescimento do salário mínimo às travas do arcabouço fiscal, limites de gastos para o programa Proagro e ajustes menores considerados como pente-fino por especialistas, como o obrigatoriedade de biometria para o recebimento de benefícios sociais.
Duas grandes medidas que constavam no projeto original foram enfraquecidas ou rejeitadas. Como antecipou o Estadão, havia forte resistência para mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, que teve as alterações propostas pela Fazenda desidratadas. O Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), por sua vez, saiu do texto e não sofreu mudanças.
Na noite de terça-feira, o primeiro projeto do pacote foi aprovado, tendo sua votação concluída na quarta. Nesta quinta-feira, a Câmara também aprovou, em dois turnos, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com mais medidas de ajuste, após o Executivo entrar em campo para garantir os votos.
A Fazenda estima que os três projetos juntos vão gerar uma economia de R$ 71,9 bilhões em dois anos, mas especialistas em contas públicas contestam esse cálculo e preveem uma economia menor, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. As contas ainda terão de ser refeitas após as várias modificações feitas no Congresso.
Câmara afrouxa mudanças no BPC
No projeto aprovado nesta quinta, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), relator da proposta, derrubou várias medidas de ajuste no BPC, que registra um crescimento de gastos de 16% em 12 meses até outubro, o que levantou preocupações da equipe econômica.
O relator afirmou que o BPC vinha crescendo de forma "não orgânica" e citou escritórios de advocacia que têm "burlado o programa".
"Sem essas modificações, esse programa, que é um dos programas de distribuição de renda mais bonitos e funcionais, vai colapsar, devido ao crescimento não orgânico dos últimos tempos", afirmou. "Trago notícia não tão boa para os fraudadores do BPC: conhecemos as práticas dos que tiram de quem não merece para os escritórios de advocacia que vivem de fabricar mecanismos para burlar o programa, que foi feito para beneficiar a população mais carente do País."
No texto, Isnaldo rejeitou a definição de "pessoa com deficiência" proposta no projeto do governo e retomou o conceito original da lei que regulamenta o BPC. Ele inseriu, porém, dispositivos que condicionam o acesso ao benefício a uma "avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave" - ponto que muitos parlamentares pressionaram para derrubar, mas foi matido.
Em outra alteração, o parlamentar excluiu da regra de coabitação os rendimentos de familiares que não moram na mesma casa, mas ajudam o beneficiário de alguma forma. Na justificativa, Isnaldo cita uma "evidente dificuldade de aplicação" da norma. O relator também rejeitou a regra segundo a qual, para a concessão do BPC, seria considerado como meio de prover a própria manutenção a posse ou a propriedade de bens ou direitos, inclusive de terras.
Ele também não aceitou revogar outra regra que diz que o benefício já concedido a qualquer membro da família não será computado para os fins do cálculo da renda familiar. O relator, porém, manteve a necessidade de apresentação de documento com exame biométrico para receber o benefício, mas incluiu exceções, como nos casos de idosos com dificuldades de locomoção ou pessoas que moram em localidades remotas.
"Queria reconhecer a importância das alterações das possibilidade de recebimento do BPC. Caíram pontos muito sensíveis, como aquele em que duas crianças com deficiências, uma delas teria que abrir mão do BPC. Ou o conceito de família estendida, que iria diminuir a possibilidade acesso ao BPC", afirmou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
A Fazenda previa R$ 12 bilhões de economia com a proposta original até 2030, antes das desidratações feitas pelos deputados.
Outras medidas
O projeto manteve a obrigatoriedade de cadastro biométrico para concessão, manutenção e renovação de benefícios de seguridade social. Além disso, prevê que o Proagro, espécie de seguro rural para pequenos e médios produtores, respeite a disponibilidade orçamentária de cada ano. O projeto muda ainda os parâmetros relativos à permanência no Bolsa Família, incluindo o estabelecimento de índices máximos de famílias unipessoais.
O relator, contudo, retirou o trecho que estabelece que a despesa federal alocada no Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) crescerá limitada ao IPCA. Hoje, o fundo é corrigido pela Receita Corrente Líquida (RCL).
O FCDF, abastecido com recursos da União, é usado para manter a Polícia Civil, a Polícia Penal, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, além de dar assistência à execução de serviços públicos de saúde e educação. Isnaldo excluiu todo o trecho referente ao fundo. A Fazenda previa arrecadar R$ 18,1 bilhões até 2030com a medida.
Resumo do projeto
PL | Relator: Isnaldo Bulhões (MDB-AL)
- Salário mínimo: Limita o crescimento do salário mínimo a 2,5% ao ano acima da inflação, com piso de Previsão de economia de R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030.
- Proagro: Gastos com Proagro, espécie de seguro rural voltado a pequenos e médios agricultores, ficarão limitados ao que está previsto no Orçamento de cada ano. Sem previsão de economia.
- Biometria: Estabelece biometria para todos os benefícios da seguridade social, medida considerada como "pente-fino" por especialistas. Previsão de economia de R$ 15 bilhões até 2030.
- Bolsa Família: Permite ao governo modificar parâmetros relativos ao Bolsa Família e coloca limites de unipessoais em municípios. Previsão de economia de R$ 17 bilhões até 2030.
- Renovação de cadastro: Quem está no CadÚnico terá de renovar cadastro a cada 24 meses para receber programa de transferência de renda. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.
- Dados: Concessionárias de serviços públicos terão que oferecer dados para a União. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.
O que foi 'desidratado' pelos deputados'
BPC: O texto aprovado derrubou várias medidas do projeto original da Fazenda, mas manteve a necessidade de biometria para o recebimento do benefício e disse que só receberá o BPC deficientes (além de idosos) que tiverem limitações de moderada para grave. O governo previa R$ 12 bilhões de economia com as medidas até 2030, e agora o cálculo terá de ser refeito.
FCDF: A proposta do governo queria a correção dos recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) pela inflação, com uma previsão de economia de R$ 18,1 bilhões entre 2025 e 2030. A ideia foi rejeitada, permanecendo a correção pela Receita Corrente Líquida.
Entenda as outras duas propostas do pacote
A Câmara também aprovou uma PEC e um outro projeto de lei, que seguem para o Senado. Veja abaixo os principais pontos das duas propostas.
PEC | Relator: Moses Rodrigues (União CE)
- Supersalários: Restringe as exceções para limites de remuneração. Necessita de lei ordinária para definir o que pode ser excluído do contabilidade da renda. Sem previsão de economia na proposta oficial do governo.
- Fundeb: permite que até 10% da complementação da União ao Fundeb seja usado para o ensino integral, em 2025 e até 4% de estados e municípios, a partir de 2026. Com isso, o Ministério da Educação poderá cancelar gastos previstos com a ampliação de matrículas. Previsão de economia do projeto inicial era de R$ 42,3 bilhões entre 2025 e 2030.
- Abono salarial: Estabelece que o abono salarial será pago a quem ganha 1,5 salário mínimo, caindo gradativamente até 2035. Previsão de economia de R$ 18,1 bilhões entre 2025 e 2030.
- DRU: Prorroga a DRU até 2032, com 30% da arrecadação da União desvinculada de órgão, fundo ou despesa. Previsão de economia de R$ 25,6 bilhões entre 2025 e 2030.
- Benefício tributário: Diz que uma lei complementar disporá sobre incentivos ou benefícios de natureza tributária. Sem previsão de economia.
O que caiu:
- Orçamento impositivo: Revoga parágrafos que tornam obrigatórias a execução de programações orçamentárias. Sem previsão de economia.
PLP | Relator: Átila Lira (PP-PI)
- Seguridade social: Criação ou prorrogação de novos gastos da seguridade social têm que respeitar os limites do arcabouço. Mantido no texto, mas sem previsão de economia divulgada pelo Ministério da Fazenda.
- Gatilho com déficit primário: Proíbe a renovação de incentivos tributários e limita o crescimento de gastos com pessoal a 0,6%, se o governo registrar déficit primário.
- Gatilho em caso de queda nominal dos gastos discricionários: Proíbe, até que as despesas discricionárias voltem a subir em termos nominais, a concessão, ampliação ou prorrogação de benefício tributário, de 2027 até 2030, e limita o crescimento anual real de despesas com pessoal e encargos acima de 0,6%.
- Superávit primário de fundos: Só poderá ser usado para o pagamento de dívidas, mas três dos oitos fundos da proposta original saíram do texto.
- Emendas: permite contingenciamento e bloqueio de emendas até 15% das dotações. Fica igual qualquer despesa discricionárias.
Caiu no projeto
- Limitação para compensação de créditos tributários: Foi retirado do texto pelo relator Átila Lira, sob argumentação de que o governo já havia tentando essa proposta, em uma medida provisória, que foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.