Câmara aprova MP que cria Auxílio Brasil e não permite que quem tenha direito espere na fila
Relatório do deputado Marcelo Aro (PP-MG) foi aprovado por 344 votos a favor e nenhum contrário; texto agora segue para o Senado
BRASÍLIA - Com apoio da oposição, a Câmara dos Deputados aprovou a medida provisória (MP) que acaba com o programa Bolsa Família e cria o Auxílio Brasil, o novo programa social do governo Bolsonaro. O relatório do deputado Marcelo Aro (PP-MG) foi aprovado por 344 votos a favor e nenhum contrário. Agora, a MP vai para o Senado, onde precisa ser aprovada até o dia 7 de dezembro para não perder validade.
Apesar pelos protestos contra o fim do Bolsa Família, criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as lideranças da oposição costuraram um acordo para manter a determinação de fila zero para quem for elegível ao programa de acordo com os critérios de pobreza e extrema pobreza que servem de baliza para o acesso ao Auxílio Brasil.
Os oposicionistas justificaram que no momento atual de aumento da fome no País, com as pessoas comendo osso, não poderiam votar contra o Auxílio, mas reforçaram o tempo todo que estavam votando contra a MP elaborada pelo governo e a favor do relatório do deputado Marcelo Aro que melhorou o desenho do programa.
Pressionado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-PP), e pelos governistas, o relator retirou do parecer a correção automática anual do valor do benefício atrelada à inflação.
Durante a votação, Lira cobrou o cumprimento do acordo com a oposição para a votação da MP por conta do quórum baixo. "Não estaria votando com quórum baixo se não estivesse o acordo. Isso é fato", ressaltou. O risco era de a oposição voltar atrás. O PT, Psol e outros partidos da esquerda encaminharam voto favorável à aprovação do relatório do deputado Marcelo Aro.
Atendendo uma demanda dos partidos de esquerda, o relator retirou a possibilidade de crédito consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil, que permitiria abatimento das parcelas do benefício a ser pago pelo governo. O consignado era a "menina dos olhos" do Ministério da Cidadania e da Caixa Econômica para estimular o microcrédito e o empreendedorismo em 2022, mas visto como extremamente arriscado para uma população que já é muito pobre e só tem essa renda.
A oposição tentou costurar durante a votação no plenário a retirada do vale-creche para as famílias que não conseguem vagas nas creches públicas, benefício batizado de Auxílio Criança Cidadã. Mas o relator acabou não suprimindo o vale-creche, mas fez ajustes no texto. A oposição alegou que o vale-creche era uma tentativa de "voucherizar" a educação, um dever constitucional do Estado.
Aro argumentou que enquanto os municípios não conseguem suprir a demanda era preciso assegurar a ampliação do acesso à educação infantil.
Para o líder da oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), a MP do governo Bolsonaro era muito ruim. "Veio sem corpo. Veio uma carcaça", afirmou ele, ressaltando que Bolsonaro criou o "Bolsa Zero" para as mais de 20 milhões de famílias que ficaram sem renda com o fim do auxílio emergencial e o início do Auxílio Brasil. Segundo Molon, com diálogo, o relator melhorou o texto, mas ainda está aquém da necessidade do País.
Entre os avanços, o líder da oposição elencou a fixação de critérios permanentes no texto da lei para o acesso do benefício e não apenas em regulamento definido pelo Executivo.
"O governo não poderá mudar os critérios. A lei estabelece quem tem direito ao auxílio e não dependerá do orçamento", argumentou Molon, ponderando que esse mecanismo inverte a ondem que existe hoje. Ele aproveitou para cutucar Bolsonaro ao dizer que o presidente faz churrascos com carne caríssima e que não sabe o que o que o povo está passando na fila dos ossos.
Os deputados da oposição dominaram os discursos. A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que o auxilio é eleitoreiro e lembrou que o presidente chamava os beneficiários de "vagabundos". Ela defendeu que o valor do Auxilio suba de R$ 400 para R$ 600 e cuidar da transição dos 25 milhões que ficaram sem o benefício.
Para incluir mais famílias no programa, o relatório ampliou os critérios de acesso per capita (por pessoa) ao programa. Os valores tinham sido definidos em decreto do governo, mas o relator resolveu subir os valores de referência no relatório. A linha de extrema pobreza subirá de R$ 100 para R$ 105 e a da pobreza, de R$ 200 para R$ 210.
Marcelo Aro separou os três benefícios do núcleo de combate à pobreza dos cinco que são chamados por ele de "transformação social" e porta de saída do programa, como o auxílio esporte e iniciação científica (para famílias que tiverem bom desempenho escolar e em jogos), o criança cidadã (vale-creche), produção rural e o auxílio produção urbana (para quem conseguir emprego).
Essa divisão é também uma tentativa de conter as críticas dos especialistas que apelidaram os inúmeros benefícios de "árvore de Natal", como risco de tirar foco e recursos de que mais precisa e passa fome.
Ao tornar mais clara a separação entre a transferência de renda aos mais pobres, equivalente ao Bolsa Família, e os demais novos auxílios, o relator evita que o orçamento desta transferência básica seja consumido pelos demais auxílios, que ainda não foram testados. Segundo ele, será uma opção para o governo priorizar ano após ano quais são os programas que ele acha que deve fomentar mais.
Outra mudança importante é a retirada da limitação de cinco beneficiários por família. O relator incluiu a nutriz (mulher que amamenta) na composição familiar. No texto original ela estava fora para receber o benefício. Ele ainda incluiu a opção do beneficiário fazer o saque nas casas lotéricas e não apenas nas agências da Caixa.
Também endureceu as exigências para o vale-creche, que será pago às mães que não conseguirem matricular o filho numa creche pública. O relatório coloca inúmeras exigências para que as creches se habilitem.
Quais são os benefícios do Auxílio Brasil?
O programa tem três benefícios principais:
- Benefício Primeira Infância (de até R$ 130): contempla famílias com crianças entre zero e 36 meses incompletos;
- Benefício Composição Familiar(de R$ 65): diferente da atual estrutura do Bolsa Família, que limita o benefício aos jovens de até 17 anos, será direcionado a pessoas entre 3 e 21 anos incompletos. O objetivo é incentivar esse grupo a permanecer nos estudos para concluir pelo menos um nível de escolarização formal;
- Benefício de Superação da Extrema Pobreza: se, após receber os benefícios anteriores, a renda mensal per capita da família não superar a linha da extrema pobreza (de R$ 100 por pessoa), ela terá direito a um apoio financeiro sem limitações relacionadas ao número de integrantes do núcleo familiar.
Também compõem o Auxílio Brasil
- Auxílio Esporte Escolar: destinado a estudantes com idades entre 12 e 17 anos incompletos que sejam integrantes de famílias beneficiárias do Auxílio Brasil e que se destacarem em competições oficiais do sistema de jogos escolares brasileiros (de até R$ 1 mil em parcela única por família ou R$ 100 mensais);
- Bolsa de Iniciação Científica Júnior: para estudantes com bom desempenho em competições acadêmicas e científicas e que sejam beneficiários do Auxílio Brasil. A transferência do valor será feita em 12 parcelas mensais de R$ 100 (de até R$ 1 mil em parcela única por família ou R$ 100 mensais). Não há número máximo de beneficiários;
- Auxílio Criança Cidadã: direcionado ao responsável por família com criança de zero a 48 meses incompletos que consiga fonte de renda, mas não encontre vaga em creches públicas ou privadas da rede conveniada. O valor será pago até a criança completar 48 meses de vida, e o limite por núcleo familiar ainda será regulamentado (de R$ 200 para criança matriculada em período parcial e de até R$ 300 para as de período integral);
- Auxílio Inclusão Produtiva Rural: pago por até 36 meses aos agricultores familiares inscritos no Cadastro Único (de R$ 200);
- Auxílio Inclusão Produtiva Urbana: quem estiver na folha de pagamento do Auxílio Brasil e comprovar vínculo de emprego formal receberá o benefício (de até R$ 200);
- Benefício Compensatório de Transição: para famílias que estavam na folha de pagamento do Bolsa Família e perderem parte do valor recebido em decorrência do enquadramento no Auxílio Brasil. Será concedido no período de implementação do novo programa e mantido até que haja majoração do valor recebido pela família ou até que não se enquadre mais nos critérios de elegibilidade.