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Candidatura dos EUA ao BID pode naufragar com boicote de países a eleição

Indicação de Trump quebrou uma tradição dos últimos 60 anos, na qual nome para chefiar o banco vinha de algum país da América Latina

7 ago 2020 - 21h01
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WASHINGTON - A resistência à indicação do americano Mauricio Claver-Carone para chefiar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ganhou força nesta semana, com uma articulação para postergar a escolha do presidente da instituição até depois das eleições presidenciais americanas. A indicação de Carone pelo governo Donald Trump quebrou a tradição dos últimos 60 anos de ter um nome da região chefiando a presidência do principal banco de desenvolvimento da América Latina.

No último dia 30, o alto representante para a Política Exterior e Segurança Comum da União Europeia, Josep Borell, defendeu em carta que a eleição para a presidência do BID não seja realizada em setembro, como agendado, e sim em março de 2021. Na quinta-feira, 6, a chancelaria do Chile disse que o país é partidário de postergar as eleições do BID. Nesta sexta-feira, 7, foi a vez do México seguir o mesmo caminho. O anúncio público feito pelo governo chileno, que têm convergências com Trump, foi lido nos bastidores como uma sinalização de que o movimento para adiar a eleição ganhou musculatura.

Mauricio Claver-Carone é homem de confiança de Trump, mas não tem o apoio da América Latina.
Mauricio Claver-Carone é homem de confiança de Trump, mas não tem o apoio da América Latina.
Foto: Embaixada dos EUA/Reprodução / Estadão

Europeus, México, Chile e Argentina - que tem candidato próprio e está descontente com a ideia dos EUA de ter Claver-Carone na presidência - podem interditar a eleição. Basta os países não fazerem login no sistema virtual da eleição nos dias agendados, 12 e 13 de setembro, para forçar o agendamento de uma nova data.

Pelas regras do banco, a eleição é adiada se 25% ou mais dos votantes não comparecerem à votação. O bloco dos europeus somado com o Reino Unido representa 10,9% do poder de voto. A Argentina tem 11,3%, o México, 7,2%, e o Chile, 3,1%.

Entre os membros do BID, há 26 países tomadores de empréstimo, todos da América Latina e Caribe, e outros 22 que são contribuintes, como EUA, Canadá, China e 15 nações europeias, além do Reino Unido. Os contribuintes também participam da eleição para presidente da instituição.

O enfraquecimento de Trump na disputa presidencial americana alimenta o movimento pelo boicote a Claver-Carone, que não tem afinidade com o democrata Joe Biden. Um porta-voz da campanha de Joe Biden afirmou ao jornal Miami Herald que Carone é "demasiadamente ideológico" e "pouco qualificado" para o posto. Senadores democratas passaram a defender que a eleição seja postergada.

Diretor sênior do Conselho de Segurança Nacional para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Claver-Carone é responsável pela retórica anti-socialista e pela política mais linha dura do governo Trump com relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua.

A tentativa do governo americano de emplacar um nome como presidente do BID, incomodou governos da região. Por já serem os maiores acionistas, os EUA costumam ficar de fora do rodízio de presidentes do banco.

Sem voz

Em entrevista ao Estadão, o ex-presidente da Colômbia e prêmio nobel da paz, Juan Manuel Santos disse queAmérica Latina perdeu espaço no mundo inteiro e mencionou a investida americana sobre o BID. "É incrível também que a América Latina perca a presidência do BID, que durante 60 anos foi a única instância internacional com um representante latino-americano que falava de igual para igual com o FMI e o Banco Mundial. Trump propôs um candidato americano e é incrível que muitos países latino-americanos estejam apoiando esse candidato americano (o Brasil é um deles)", afirmou Santos.

O Brasil foi atropelado pelos americanos na corrida pela presidência do BID e não dá sinais de que irá abandonar o governo Trump no momento. O alinhamento com os americanos têm deixado o País isolado na atual discussão para adiamento da eleição e a ordem no governo, até o momento, é manter apoio a Claver-Carone.

O governo Bolsonaro achava que conseguiria emplacar um nome próprio ao BID com o apoio dos americanos. A proximidade do Planalto com a Casa Branca e a rejeição dos americanos a uma indicação do governo do argentino Alberto Fernández pareciam abrir o caminho para a eleição de um brasileiro ao cargo. O posto era visto pelo Ministério da Economia como uma forma de ganhar influência na região. Em junho, no entanto, os EUA surpreenderam o Brasil ao anunciar a candidatura própria.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já tinha avisado o Secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, que o País gostaria de indicar o economista Rodrigo Xavier para a função, mas recuou. A avaliação de fontes com acesso às negociações é de que o governo brasileiro não se engajou na articulação da candidatura e apresentou um nome pouco conhecido entre os organismos multilaterais, o que abriu espaço para os americanos avançarem com outra solução.

Os desdobramentos do eventual adiamento da eleição do BID irão depender do resultado eleitoral americano. Com Trump, os EUA devem manter a candidatura de Claver-Carone. Se Biden vencer, no entanto, a tendência é que o país mude de estratégia. Cresce o apoio ao nome da ex-presidente da Costa Rica, Laura Chinchilla, como alternativa para assumir a presidência da instituição, caso a eleição seja no ano que vem. Ela seria a primeira mulher a assumir o cargo e tem a simpatia do atual presidente, o colombiano Luis Alberto Moreno. O mandato do presidente do BID, que é visto como um representante da América Latina em Washington, é de cinco anos. Moreno, foi eleito em 2005 e reeleito em 2010 e, novamente, em 2015.

Estadão
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