Carlos Ghosn: Caso do titã dos automóveis expõe críticas ao sistema judicial japonês
O ex-presidente do conselho de administração da Nissan está detido desde novembro acusado de sonegação fiscal e uso de ativos da empresa para fins pessoais.
As críticas internacionais ao modelo de investigação criminal no Japão têm sido proporcionais ao período de detenção de Carlos Ghosn. O ex-presidente do conselho de administração da Nissan está desde 19 de novembro no Centro de Detenção de Tóquio, e teve sua prisão prorrogada por mais dez dias após nova denúncia apresentada pela Promotoria japonesa.
Os dois primeiros pedidos de prisão foram por violação da Lei de Instrumentos Financeiros e o mais recente, por crime de abuso grave de confiança. Ghosn é acusado de má conduta no comando da Nissan. As suspeitas são de que tenha ocultado parte de sua renda e temporariamente transferido à empresa perdas por investimentos pessoais e, mais recentemente, foi acusado de ter recebido, de modo impróprio, US$ 9 milhões da joint-venture entre a Nissan e a Mitsubishi Motors. Ele tem negado todas as acusações.
No último dia 15, o executivo de origem brasileira teve um recurso por pedido de liberdade condicional rejeitado pela Justiça de Tóquio.
"Em que pese a Justiça japonesa ser considerada leniente por especialistas em termos de penas e encarceramento (menos de 5% dos suspeitos formalmente identificados chegam a cumprir pena de prisão, por exemplo), a fase investigatória tem sido criticada dentro e fora do país há décadas", afirma o advogado Eduardo Mesquita, mestre e doutorando em Direito Comercial na Universidade de Tóquio e membro do Grupo de Pesquisa em Direito Comparado Brasil-Japão.
Os criticos questionam o longo período que o suspeito pode ficar preso sem ser formalmente acusado, o acesso bastante restrito aos advogados e os métodos utilizados no interrogatório.
"Eles destoam dos procedimentos criminais na maioria dos países desenvolvidos e são vistos por muitos como violações de direitos humanos", diz Mesquita.
Antes de oferecida a denúncia, a polícia tem 48 horas para enviar o acusado à Promotoria, que terá então 24 horas para pedir a prisão do suspeito. O período de detenção de dez dias geralmente é prorrogado, pois os tribunais costumam autorizar os pedidos da Promotoria em 95% dos casos, como aconteceu com Carlos Ghosn.
"No Japão, interrogam o suspeito até obter uma confissão", afirma Mesquita.
A mulher de Ghosn enviou uma carta à ONG Human Rights Watch com a intenção de expor as condições de prisão de seu marido. No texto de nove páginas, Carole Ghosn classifica o modelo judicial japonês como "sistema de reféns, e afirma que detenções prolongadas para extrair confissões são uma das principais táticas de investigação da Promotoria".
"O tratamento ao meu marido é um caso digno de estudo sobre a realidade deste sistema draconiano", diz.
"Durante horas, todos os dias os promotores o interrogam, intimidam e repreendem longe da presença de seus advogados, a fim de conseguir uma confissão", diz.
Na semana passada, o ex-presidente do conselho da Nissan não compareceu à segunda audiência devido à febre alta. Segundo Carole, o marido perdeu quase três quilos em duas semanas, com refeições principalmente à base de arroz e cevada.
Carlos Ghosn não pode receber familiares, mas tem se encontrado com representantes diplomáticos do Brasil, França e Líbano.
Em resposta às críticas, o vice-procurador-chefe japonês, Shin Kukimoto, disse em entrevista coletiva que "cada país tem seu próprio sistema (judicial) baseado em sua história e cultura. Não acho que seja apropriado criticar outra jurisdição só por ter um sistema diferente".
Pressão psicológica
O brasileiro José (nome fictício), 30, lembra até hoje de cada dia que ficou detido para interrogatório em uma delegacia japonesa.
Sua história de 22 dias sob custódia da polícia tem alguma semelhança ao que vive Carlos Ghosn, o magnata responsável pela aliança Renault-Nissan-Mitsubishi Motors, com mais de 10,6 milhões de veículos vendidos em todo mundo só no ano passado.
Não são os números que unem os dois personagens. José foi preso sob acusação de envolvimento em furto de carros na província de Yamanashi quando ainda era adolescente.
"Em qualquer caso, o que a polícia quer é a confissão", diz José. "Para isso, os investigadores repetem as perguntas milhares de vezes. O jogo psicológico é forte", afirma.
Desesperado, outro brasileiro, ouvido pela reportagem sob condição de anonimato, resolveu inventar uma história enquanto estava em prisão temporária. Como a versão era completamente diferente da acusação, a pressão dos investigadores sobre o acusado aumentou.
"No interrogatório, eles repetiam, repetiam e repetiam as perguntas. Não houve violência fisica, mas levantavam a voz, batiam na mesa. Chorei muito no início", lembra o rapaz, acusado de tentativa de sequestro de uma criança.
Ele acabou solto por falta de provas e recebeu um valor em dinheiro equivalente aos dias sob custódia.
"Até pensei em acionar a Justiça por danos morais, mas desisti. Fazer o quê?"
Durante a prisão temporária, o acusado geralmente fica em uma cela de três tatames, com um vaso sanitário, pia e acolchoado usado para dormir. Tem direito a três refeições por dia e dois banhos por semana. "No meu caso, o policial às vezes me perguntava se queria sair, e me levava para tomar banho de sol em um canto da delegacia com muro alto", lembra José.
Desdobramentos
No dia 8, Carlos Ghosn apareceu em público pela primeira vez desde a prisão em novembro. Na audiência judicial, ele chegou algemado, com uma corda presa na cintura, visivelmente mais magro e afirmou ser inocente.
Os advogados de defesa entraram com pedido de liberdade, que já foi negado pelo juiz sob argumento de risco de fuga do acusado e destruição de provas.
A Justiça ainda não decidiu se aceitará as acusações dos promotores contra o ex-presidente do conselho da Nissan. Se isso acontecer, a previsão é de que o julgamento ocorra em meados deste ano.
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