Cerrado pode gerar US$ 72 bi por ano para o PIB com ações sustentáveis, diz Fórum Econômico Mundial
Segundo relatório, agronegócio seria um dos setores mais beneficiados pela proteção ambiental, podendo reduzir emissões em até 45% e mais do que dobrar produção de carne bovina
Transformar a forma como a terra é usada no cerrado poderia gerar US$ 72 bilhões (cerca de R$358 bilhões) adicionais para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil a cada ano até 2030, segundo um relatório divulgado pela Tropical Forest Alliance, uma iniciativa do Fórum Econômico Mundial, nesta terça-feira, 27.
O levantamento, feito com base em análises dos dados do Plano de Transformação Ecológica do Brasil em parceria com a empresa Systemiq, aponta que a quantia poderia ser gerada com base no aumento da produtividade agrícola de forma sustentável, com o uso de agrossilvicultura e a agricultura regenerativa, associada à proteção ambiental.
Essa combinação consequentemente impulsionaria outras áreas da região, gerando mais empregos, fomentando o turismo e explorando as capacidades das indústrias verdes e do potencial energético da região, que pode viabilizar novas tecnologias como o hidrogênio verde. Além disso, o cerrado ainda é responsável por 60% da produção agrícola do Brasil e por 22% das exportações globais de soja.
Com isso, a aposta no desenvolvimento da região seria um fator relevante para sanar dois dos maiores problemas enfrentados pelo Brasil: a insegurança alimentar e o crescimento econômico. Atualmente, o bioma é considerado o principal polo de produção do Brasil para exportações globais de carne bovina, soja, milho e cana-de-açúcar. Para o diretor-executivo da Tropical Forest Alliance, Jack Hurd, alcançar esse patamar, no entanto, teve um severo custo para a biodiversidade da região.
"Mais da metade da vegetação nativa da região foi perdida", afirma, destacando o papel da agricultura nesse cenário. Segundo dados divulgados pelo governo federal, 7.800 km² (780 mil hectares) foram convertidos para agricultura no cerrado em 2023, um aumento de 43% em relação ao ano anterior.
Para Hurd, a falta de atenção à região se deve a sua classificação como uma savana tropical em vez de floresta. "A classificação faz com que grande parte da legislação que protege a Amazônia não se aplique ao cerrado", explica. O Código Florestal vigente no Brasil, por exemplo, exige que os proprietários de terras mantenham 80% de suas terras com vegetação nativa. No cerrado, essa exigência se estende apenas para entre 20% e 35%.
O executivo defende que é necessário mudar a legislação nacional para proteger o ambiente, mas afirma que, se não houver uma mudança global, como possíveis sanções que a União Europeia imponha sobre o Brasil para proteger terras, o País continuará a não proteger o cerrado.
A cofundadora do Instituto AYA e sócia-presidente da Systemiq para América Latina, Patricia Ellen, diz esperar que, com o peso que as discussões têm ganhado, haja uma cobrança maior sobre a proteção da região.
"O desmatamento, as queimadas e a questão indígena na Amazônia ganham mais atenção, dada a relevância climática e social da floresta. Com o aumento do protagonismo econômico da agricultura no cerrado, hoje está claro que o cerrado é fundamental para o equilíbrio ecossistêmico e climático do Brasil", afirma.
Agronegócio
Responsável por 60% da produção agrícola do Brasil e por 22% das exportações globais de soja, o cerrado é considerado essencial para o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono para o País. No entanto, a região não tem recebido tanta atenção e proteção legal quanto outras regiões brasileiras. O desmatamento aumentou 43% em 2023.
Um dos principais impulsionadores do desmatamento na região seria a produção agrícola, que, segundo dados do governo, já eliminou metade da vegetação nativa do cerrado. Caso o cenário não mude, a expectativa é que os ecossistemas dos quais dependem os negócios de soja, gado, cana-de-açúcar e milho no Brasil sofram, impactando diretamente a produção de alimentos e gerando graves prejuízos econômicos.
Em um cenário no qual o Brasil assume protagonismo global na pauta de economia verde, com na liderança do G-20 e com as preparações para a COP-30, a expectativa é que uma nova abordagem da exploração da terra ganhe vez.
Hurd defende que o agronegócio continuará a se expandir independente de qualquer outro fator conforme a demanda cresce. No entanto, aponta que práticas sustentáveis podem, inclusive, ser benéficas do ponto de vista financeiro para os produtores.
Segundo o relatório, técnicas avançadas de manejo de gado, como seleção genética superior e dietas aprimoradas, podem reduzir as emissões em até 45% e mais do que dobrar a produção de carne bovina. "O que precisamos fazer é mudar seu foco e garantir que transformem suas práticas de uma maneira que seja positiva para a natureza."
O executivo defende que os números demonstram o potencial do setor para liderar o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, aumentando sua produtividade de forma sustentável. "Não precisa haver um trade-off (escolha de uma opção em detrimento de outra). Sem o agro, um novo modelo simplesmente não acontecerá. É por isso que precisamos demonstrar que tornar as práticas mais sustentáveis é do interesse dos governos e das empresas também."
Hurd afirma que resolver o problema será complexo e nem todos concordarão com as soluções. "Mas enquanto estivermos fazendo as pessoas discutirem esse problema crítico e pensarem em uma opção melhor, é isso o que importa", diz.
O executivo destaca que o objetivo do relatório é não só alertar para o problema, mas também fomentar uma discussão sobre a necessidade de tomadores de decisão, formuladores de políticas públicas e setores com o agronegócio cada vez mais incluídos na discussão sobre proteção ambiental.
Além disso, o documento ainda alerta para a necessidade de priorizar a sustentabilidade até mesmo durante o desenvolvimento de novas tecnologias, como o combustível de aviação sustentável e hidrogênio verde — considerados grandes apostas financeiras de várias indústrias para uma economia de baixo carbono no Brasil.
Patrícia Ellen alerta que os novos investimentos são sempre bem-vindos, mas alerta que eles devem vir acompanhados de medidas públicas de proteção a região, para não dar margem para que haja um aumento do desmatamento.
"É possível aliar a produção e proteção de forma a não promover mais desmatamento e perda de biodiversidade enquanto intensificamos a produção. Novos métodos e mais de 30 milhões de hectares de pasto degradado dão a possibilidade dessa expansão sem novos desmatamento", afirma. Para ela, o Plano de Transformação Ecológica estabelece uma nova visão para a região, a colocando como ponto central do processo de descarbonização para inúmeras indústrias brasileiras.