'China tem grande demanda por créditos de carbono, e o Brasil tem a oferecer', diz Cláudia Trevisan
Para a diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, há oportunidade de desenvolver um mercado de crédito de carbono entre os dois países e aumentar os investimentos chineses no País
BRASÍLIA - O governo está sempre em busca de investimentos estrangeiros para colocar em ação projetos que beneficiam o avanço do Brasil. Nem sempre, no entanto, os países estão interessados em alocar recursos em alguns projetos, principalmente os de infraestrutura de longuíssimo prazo, mas a China, prestes a se tornar a maior potência econômica do globo no fim desta década, pode ser atraída por este tipo de empreendimento. A avaliação foi feita pela diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Cláudia Trevisan, que já morou no país asiático.
Ela conversou com o Estadão/Broadcast para detalhar o relatório "Sustentabilidade e Tecnologia como Bases para a Cooperação Brasil-China", que será entregue nesta quinta-feira, 14, ao vice-presidente, Hamilton Mourão, e à ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina. A intenção, de acordo com ela, é dar subsídios ao governo brasileiro para a 6ª edição da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), prevista para ser realizada no Brasil no início do próximo ano.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
A China vê necessidade de se desenvolver em áreas como tecnologia e sustentabilidade. É para essa direção que o Brasil precisa percorrer para estreitar as relações?
Sim, a sustentabilidade ganhou um papel central nas políticas públicas da China. Está no centro do 14º Plano Quinquenal, de 2021 a 2025, e a China está assumindo um papel de liderança nas negociações internacionais em relação ao clima. É uma questão de sobrevivência também, para ter um crescimento que seja sustentável no longo prazo. Então, esta é uma questão relevante para a China e para a agropecuária brasileira também. É algo que está cada vez mais presente nos mercados para os quais o Brasil exporta. Não há ainda na China, como na Europa, o posicionamento do consumidor, mas a tendência é a de que isso se expanda. Como a China é o maior mercado para os produtos agropecuários brasileiros, se o Brasil quer sua agropecuária cada vez mais sustentável, esta questão pode ser olhada como parte da solução do combate à mudança climática.
A China já lançou seu mercado de carbono. Como fazer a ligação para que os brasileiros vendam seus créditos para o país quando for aberto para estrangeiros?
Esta é uma das propostas do documento: que haja um mecanismo de cooperação para preparar o terreno para o mercado global de carbono - que pode ser anunciado durante a COP26, em Glasgow, no mês que vem. Então China e Brasil poderão interagir rapidamente. A China deve ter grande demanda por créditos de carbono, e o Brasil tem a oferecer. Vemos isso como uma grande oportunidade futura.
Sobre as trocas comerciais, como ampliar a pauta de exportações para o país e diminuir a concentração das vendas de commodities?
O importante é que a gente agregue valor a essas commodities. Em vez de soja, vender carne e, em vez de carne in natura, vender o alimento processado. Também tem mercados ali de produtos que exportamos pouco e têm potencial, como o café. A China é um dos maiores mercados consumidores. Nas áreas urbanas, o país do chá está virando o país do café. Há ainda outros nichos, como moda, cosméticos, tudo o que tem a ver com biodiversidade...
As próprias finanças verdes, não? Li no documento que o diretor do Banco Central da China Ma Jun disse que há muito desconhecimento desse setor no Brasil...
O Brasil já tem uma série de protocolos consolidados, como a Agricultura de Baixo Carbono (ABC). Tem vários protocolos que reduzem as emissões e que são potenciais... então, é importante aumentar a troca de informações que facilitem investimentos da China no Brasil porque esta é uma prioridade para a China. Há um estímulo do Banco Central local para investimentos em finanças verdes, e o Brasil tem tudo para ampliar sua participação.
E os investimentos físicos? Pelo relatório, de 2007 a 2020 houve investimentos de US$ 66,1 bilhões. Como lidar com esta informação ao mesmo tempo em que há o receio por parte de alguns de que a China esteja "comprando tudo" no Brasil?
Primeiro, é preciso relativizar essa ideia de que os chineses estão comprando tudo. Houve uma concentração de investimentos no setor elétrico do Brasil, foi o maior, em torno de 45% do total, mas isso não quer dizer que a China está dominando o setor elétrico no País. As participações são minoritárias. E, em outros setores, a participação da China também não é majoritária, como o de óleo e gás e de mineração. Nenhum deles torna a China um grande player. O Brasil precisa de investimentos estrangeiros e a China tem interesse em investir em setores que nem sempre atraem outros países, como infraestrutura de longuíssimo prazo. Além disso, a regulação do Brasil já conta com regras antimonopólio ou pró-competitivas.