Quando somos pobres, até nossa ascensão social é precarizada
Há extratos financeiros em que negar dinheiro para família significa que alguém vai ficar sem suprir necessidades básicas
Quando somos pobres, mesmo nossa ascensão social é precarizada. Quando digo isso, a maioria das pessoas se assusta, mas basta parar 5 minutinhos para lembrar que na realidade, o mito de que mais esforço gera mais resultado não funciona muito bem quando você é filho da classe trabalhadora e de baixa renda.
Nessa realidade social, o meu salário não pode ser só meu, inclusive, o trabalho e a formação que tenho foram possíveis pela mobilização de vários familiares, que investiram seu tempo e um pouco de dinheiro em mim. Isto cria uma responsabilidade radicalmente diferente daquela de classes mais elevadas.
E nesse contexto, negar dinheiro para a família significa que alguém vai ficar sem energia elétrica, sem gás, sem remédio, sem a grana do aluguel, precisando recorrer a agiotas, e por aí vai.
Essa não é uma realidade tão isolada
Essas experiências não estão em uma realidade isolada, nem são fruto das vozes na minha cabeça. Segundo estudo sobre mobilidade social elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma família brasileira pode levar até nove gerações para deixar a faixa dos 10% mais pobres e chegar à de renda média do país.
Nesse quesito, o Brasil só fica na frente da Colômbia e empata com a África do Sul numa lista de 30 países analisados pelo estudo de nome “O elevador social está quebrado?”. Aparentemente ele está. E esses dados só validam o sentimento de gratidão que eu tenho, não apenas pelos meus pais terem movido a minha linha de largada para frente, mas também pela pobreza não ser mais uma âncora na minha linhagem familiar.
Entendendo o passado para ressignificar o presente
Olhando para a história da minha família, eu vejo que existiu um esforço intergeracional osquestrado, onde toda unidade familiar adotou diversas estratégias para superar a fome, o trabalho infantil e a pobreza estrutural e, mesmo assim, essas correntes só foram quebradas na minha geração, e eu tenho apenas 30 anos.
Só hoje eu posso dizer que meu dinheiro, do meu irmão e dos meus primos pode ser direcionado para construir a nossa segurança financeira, sabendo que a nossa família, aqueles que vieram antes de nós, já não passa mais necessidade.
No entanto, a maioria das pessoas pretas e pobres que começaram a acessar o ensino superior, ter pleno emprego e ganhar dinheiro agora não pode dizer o mesmo, justamente porque quando estão começando a subir essa montanha sem elevador, precisam voltar para ajudar quem ficou para trás.
Isso não é uma “opção”, é um compromisso. E é justamente por entender essa vivência que eu postei um vídeo no YouTube ensinando como organizar o orçamento para incluir a ajuda da família, sem deixar de construir patrimônio e segurança financeira para o futuro.