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Como a queda do petróleo afeta os negócios Brasil-Venezuela

Produto representa cerca de 95% das receitas de exportação venezuelanas

19 jan 2015 - 06h59
(atualizado às 08h37)
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Venezuela é responsável por terceiro maior superávit da balança comercial brasileira
Venezuela é responsável por terceiro maior superávit da balança comercial brasileira
Foto: AP

A Venezuela é o país latino-americano que mais deve sofrer se os preços do petróleo se estabilizarem no atual patamar, bem mais baixo que há alguns meses. E não é difícil entender por quê.

O produto representa cerca de 95% das receitas de exportação do país e mais de 40% do orçamento do governo.

A recente queda do barril venezuelano - da casa dos US$ 100 para menos de US$ 50 - na prática significa um corte radical nas divisas para financiar importações, gastos sociais e demais despesas do governo.

Além disso, a queda ocorre em um momento difícil para a economia do país.

A inflação venezuelana é hoje quase dez vezes maior que a brasileira, e a escassez de produtos básicos (resultado da queda na produção interna e restrições à importação) transforma uma simples compra de fralda ou leite em uma peregrinação por mercados.

Já há quem aposte até em um default venezuelano. A agência Fitch, por exemplo, recentemente rebaixou a classificação de crédito do país para CCC, que indica risco de moratória.

"A Venezuela está à beira de uma insolvência cambial - com a queda da receita das suas exportações -, e uma moratória poderia ocorrer nos próximos meses", diz o professor Carlos Eduardo Carvalho, especialista em economia da América Latina da PUC-SP.

E o que a queda do petróleo – e esse aprofundamento da crise venezuelana - poderia significar para o Brasil e para os negócios entre os dois países?

Reflexos

Há certo consenso entre economistas e especialistas consultados pela BBC de que o Brasil deve ser afetado por uma deterioração do cenário político e econômico venezuelano.

Primeiro, em função do peso da relação econômica e do comercial bilateral. Hoje, a Venezuela é responsável pelo terceiro maior superávit bilateral da balança comercial brasileira, atrás apenas da China e da Holanda (porta de entrada de toda a Europa).

Não fosse esse saldo no comércio com o país, o déficit registrado na balança comercial brasileira seria quase o dobro do que foi no ano passado, de US$ 3,93 bilhões.

Entre as empresas brasileiras que nos últimos anos se animaram a investir na Venezuela, estão a Gerdau, a Braskem, a Alcicla e o Grupo Ultra. E também há uma série de construtoras atuando no país (algumas apoiadas por recursos do BNDES).

Além disso, a Venezuela agora é membro do Mercosul. "E a crise venezuelana pode se tornar um grande desafio para o bloco", diz Carvalho.

"Acho difícil o presidente Nicolás Maduro resolver o caos em que está a economia do país hoje sem um ajuste selvagem, que envolva uma grande desvalorização. Mas as consequências desse ajuste são imprevisíveis. O pior cenário é o de um aumento da instabilidade política ou uma convulsão social – caso em que seria esperada uma atuação do Mercosul."

'Decisão em xeque'

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) "se a crise venezuelana se aprofundar, a decisão de incluir o país no Mercosul será colocada em xeque". A última barreira à participação plena do país no bloco sul-americano ocorreu em dezembro do ano passado, quando o Congresso paraguaio deu sinal verde à incorporação de Caracas ao grupo.

Desabastecimento leva a filas e peregrinação por produtos
Desabastecimento leva a filas e peregrinação por produtos
Foto: Reuters

"Não houve aumento do comércio nos últimos anos, e uma Venezuela em crise vai dificultar ainda mais as negociações do Mercosul com outros países e blocos", diz Castro.

No que diz respeito ao comércio bilateral, especialistas esperam uma queda nas exportações de manufaturados e bens não essenciais para a Venezuela caso os preços do petróleo se mantenham nesse patamar mais baixo, em função do aumento da dificuldade do país de pagar por suas importações.

Fernando Portela, diretor da Câmara de Comércio e Indústria Venezuelana-Brasileira (Cavenbra), por exemplo, acredita em uma queda de até 20% nas exportações no pior cenário.

Para Castro, da AEB, a expectativa é que haja uma redução de, no mínimo, 10%.

"Na realidade, as exportações para a Venezuela já vêm sofrendo uma queda - pequena, mas aparentemente consistente - em função da atual crise econômica vivida pelo país", diz Gabriel Kohlmann, da Consultoria Prospectiva.

"Isso pode se acentuar se o petróleo não subir."

Exportações

Em 2012, as exportações brasileiras para a Venezuela eram de US$ 5 bilhões. Em 2013 ficaram em US$ 4,8 bilhões e em 2012, em US$ 4,6 bilhões.

O impacto negativo da baixa do petróleo sobre as exportações, porém, poderia ser significativo não fosse uma mudança ocorrida na composição da cesta de produtos embarcada para a Venezuela nos últimos anos.

"Hoje, exportamos para o país principalmente alimentos e outros produtos de primeiríssima necessidade, que são prioridade para o governo", diz Castro, da AEB.

Ele diz que, em 2007, o Brasil exportou para a Venezuela US$ 576 milhões em produtos básicos e US$ 4 bilhões em manufaturados.

No ano passado, os básicos chegaram a US$ 2,1 bilhões e os manufaturados caíram para US$ 2,5 bilhões. "E isso que alguns produtos alimentícios processados são classificados como manufaturados', diz Castro.

Entre os principais itens embarcados para o país hoje, estão carne bovina congelada (19,51% do total), frango em pedaços (9,19%), animais vivos bovinos (7,40%) e açúcar (6,39%).

"Acho difícil que falte dólar para essas exportações de bens de necessidade básica, até porque isso poderia afetar a popularidade de Maduro – e em 2015 teremos eleições legislativas na Venezuela", diz Kohlmann.

Dificuldades comerciais

Não é de hoje que os venezuelanos têm encontrado dificuldades para pagar seus parceiros comerciais.

"As companhias aéreas, por exemplo, já tiveram problemas para receber (dólares para remessa para matrizes) – situação que poderia voltar a acontece", diz Portela.

O governo instituiu o sistema de câmbio fixo em 2003 com objetivo de obter um maior controle sobre os preços e evitar uma fuga de capitais.

As empresas e cidadãos venezuelanos só podem comprar dólares na taxa oficial através de uma agência do governo - e apenas para fins de importação de bens ou pagamento de viagens. Mas a escassez de divisas tem limitado essa liberação.

"Hoje, já há um total de dívidas antigas não quitadas com exportadores brasileiros da ordem US$ 1,5 bilhão", diz José Augusto, da AEB.

"Por isso, há empresas que só exportam para o país se receberem a vista ou adiantado."

Segundo Portela, a baixa do petróleo também deve complicar a situação de empresas que atuam na Venezuela e precisam importar equipamentos e matéria prima ou dependem de repasses do governo.

Incerteza

É provável que um orçamento mais apertado comprometa o ritmo de repasses para as obras públicas, por exemplo, o que deve afetar as construtoras brasileiras no país.

"O clima hoje é de grande incerteza. As empresas brasileiras estão numa espécie de limbo para ver se haverá desvalorização ou se conseguirão as licenças que precisam para importar", diz Portela, que vive em Caracas.

"Nas relações bilaterais, estamos vivendo um ciclo bem diferente que o da era Chávez-Lula, quando as empresas brasileiras fizeram planos ambiciosos para investir ou cooperar com a Venezuela", opina.

Mais otimista, o presidente da Federação de Câmaras de Comércio e Indústria Venezuela-Brasil (Fecamvenez), José Francisco Marcondes, aposta em uma recuperação dos preços do Petróleo.

"Quando o tema é negócios na Venezuela, cansei de ver pessimistas quebrarem a cara em suas previsões", diz ele.

"Acho que é cedo demais para acreditarmos que o petróleo vai se estabilizar nesses patamares tão baixos. Os grandes países produtores já estão se reunindo para discutir como impulsionar os preços e eles podem chegar a uma solução que evite esse cenário mais dramático."

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