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Como funcionam os acordos individuais para reduzir salário

Bolsonaro conquista vitória no STF que autoriza exceção para redução de jornadas e salários durante pandemia; MP critica decisão

18 abr 2020 - 05h48
(atualizado às 09h09)
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O governo Jair Bolsonaro obteve nesta sexta-feira (17) uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou o uso de acordos individuais entre patrão e empregado, sem participação de sindicatos, para reduzir salários e jornadas de quem ganha até três salários mínimos (R$ 3.135) durante o estado de calamidade pública provocado pela pandemia da covid-19.

A regra está na medida provisória 936, de 1º de abril, que criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda — iniciativa do governo para tentar manter empregados funcionários de empresas que viram seu faturamento cair durante o isolamento social. A medida tem validade de 120 dias e precisa ser aprovada pelo Congresso para seguir em vigor após esse prazo.

Vista do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão 
17/10/2017
REUTERS/Adriano Machado
Vista do Supremo Tribunal Federal (STF) durante sessão 17/10/2017 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

A Constituição Federal determina que salários só podem ser reduzidos por meio de acordo ou convenção coletiva. O governo argumenta, porém, essa exigência atrasaria a celebração dos acordos, com prejuízo para os trabalhadores, que correriam risco de serem demitidos, além de aprofundar a recessão. O Ministério da Economia estima que cerca de 24 milhões de trabalhadores poderão recorrer a essa medida, e afirma que mais de 2 milhões de acordos para redução de jornada e suspensão de contrato já foram fechados.

A maioria dos ministros do STF concordou com o argumento do governo, e decidiu abrir uma exceção durante o período de crise ao autorizar acordos individuais para preservar o direito ao trabalho, que também é protegido pela Constituição. Votaram nesse sentido Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

A ação no STF que pedia a anulação da mudança foi movida pelo partido Rede Sustentabilidade. Incialmente, o ministro Ricardo Lewandowski, em liminar no dia 6 de abril, decidiu que os acordos individuais só teriam validade após a manifestação dos sindicatos. Depois de ser questionado pela Advocacia-Geral da União, o ministro publicou um esclarecimento em 13 de abril no qual afirmou que esses acertos seriam válidos a partir da sua assinatura, mas que os sindicatos teriam dez dias para se opor a eles.

O voto de Lewandowski foi seguido pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, para quem a norma constitucional não deveria ser afastada durante o período da pandemia. Ao dar um prazo de dez dias para os sindicatos se manifestarem, Lewandowski buscava criar uma terceira via que flexibilizaria a exigência do acordo coletiva e manteria a possibilidade de os sindicatos se oporem, mas foi derrotado.

A medida provisória 936 autoriza a negociação individual, mas não proíbe que os acordos de redução ou suspensão de jornada com redução de salário sejam feitos via sindicato. Em São Paulo, por exemplo, o Sindicato dos Comerciários já promoveu a assinatura de cerca de 5 mil acertos do tipo.

A redução de jornada e salário no Brasil e no mundo

O dilema sobre como manter empregos durante a pandemia da covid-19 tem sido enfrentado em muitos países com uma fórmula semelhante: os empregados têm sua jornada reduzida ou suspensa, a empresa paga apenas uma parte do salário e a remuneração é parcialmente complementada pelo governo.

Pesquisa realizada pelo Instituto dos Sindicatos Europeus, divulgada no final de março, apontou que, dos 27 países da União Europeia, 18 adotaram medidas para compensar o salário de trabalhadores que tiveram a jornada reduzida ou o contrato suspenso, em geral após negociação com entidades sindicais.

O programa brasileiro vai no mesmo sentido, mas sem a necessidade de sindicatos para os que ganham menos de três salários mínimos. O governo autorizou que as jornadas sejam reduzidas em 25%, 50% ou 70%, com o corte salarial proporcional, por até três meses. Nesse período, o empregado recebe uma complementação salarial do governo, equivalente a 25%, 50% ou 70% do valor do seguro desemprego a que teria direito.

Outra opção é a suspensão dos contratos e salários por até três meses. Nesse caso, o empregado de empresas maiores tem direito a 30% do seu salário e a 70% do valor de seu seguro desemprego. Os trabalhadores de empresas menores, enquadradas no Simples Nacional, recebem 100% do seguro desemprego. Apesar da suspensão do contrato, a empresa deve seguir pagando benefícios como plano de saúde e vale refeição.

Como o teto do seguro desemprego é atualmente de 1.813 reais, o salário final do trabalhador que teve sua jornada reduzida ou suspensa varia de acordo com a sua remuneração — quanto mais baixo o salário, menor será a perda. Um funcionário que recebe 1,5 mil reais e tenha sua jornada suspensa ou reduzida em 70% receberá, ao final do mês, 86% de seu salário, e um que recebe 3 mil reais, 72% do vencimento, segundo projeção feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Na faixa de até três salários mínimos, que representa 80% de todos os trabalhadores com carteira assinada no Brasil, a reposição é similar à adotada por alguns países europeus. No Reino Unido e na Itália, o programa garante 80% de reposição salarial, em Portugal, de 66,6%, e na Alemanha, de 60% a 67%.

Uma diferença importante, pontua o Dieese, é que o salário médio nos países europeus é superior ao brasileiro, e a redução em período de crise não teria o mesmo impacto na manutenção de um padrão de vida satisfatório como no Brasil.

Para quem ganha acima de três salários mínimos e abaixo de 12.202 reais, o programa do governo brasileiro exige o acordo coletivo, via sindicato, para suspensão ou redução de jornada acima de 25%. Nessa faixa de renda, as perdas são maiores. Um trabalhador registrado com salário de 7,5 mil reais que tenha sua jornada suspensa ou reduzida em 70% receberá, no final do mês, 47% do seu salário original.

Para o economista Bruno Ottoni, pesquisador no IDados e do IBRE-FGV, a decisão do STF é acertada e a adoção do acordo individual para quem ganha abaixo de 3.135 reais não é problemática do ponto de vista econômico, pois nessa faixa de renda a perda salarial não seria tão significativa.

Além disso, ele afirma que o fato de os trabalhadores que tiveram os contratos suspensos ficarem em suas casas, em vez de se deslocarem até a empresa, gera uma economia nos gastos com transporte e alimentação que pode compensar, ainda que parcialmente, a redução salarial.

"A decisão do Supremo aumenta a celeridade dos acordos, e permite que os empregadores recorram a eles de forma segura e que os trabalhadores mantenham o emprego em meio da crise, com uma grande parcela de sua rendimentos", diz.

Segundo Ottoni, porém, findo o período de calamidade pública, é importante que a exigência de acordo coletivo para redução salarial volte a vigorar para a proteção dos trabalhadores, em especial os de menor renda.

Mudança nas relações trabalhistas

A medida provisória do governo federal e a decisão do STF tratam de um período excepcional, mas acentuam uma tendência, iniciada no governo Michel Temer, de dar mais poder aos acordos entre empregadores e trabalhadores, a despeito do estabelecido em lei.

A reforma trabalhista aprovada por Temer em 2017 autorizou trabalhadores e empresas a negociarem, de forma coletiva e via sindicato, diversos pontos do contrato de trabalho, como parcelamento de férias, cumprimento da jornada, duração de intervalos e trabalho remoto, mesmo que em desacordo com as regras trabalhistas.

A partir desse momento, o acordado passou a prevalecer sobre o legislado. A reforma deu maior segurança jurídica a esses acordos e reduziu a chance de eles serem posteriormente derrubados na Justiça do Trabalho.

A reforma do governo Temer também criou a figura do empregado hipersuficiente, que possui curso de nível superior e recebe salário superior a duas vezes o teto de benefícios do INSS, hoje em 12.202 reais. Para essa faixa de renda, os acordos individuais entre patrão e empregados passaram a ter a mesma força de um acordo coletivo, e poderiam tratar inclusive de redução salarial.

A decisão do STF mostra que a maioria da Corte tem ressalvas quanto à eficiência e legitimidade dos sindicatos para firmar acordos coletivamente, e foi criticada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

O procurador do Trabalho e secretário de Relações Institucionais do MPT, Márcio Amazonas Cabral de Andrade, afirma à DW Brasil que o Supremo "apagou um trecho da Constituição, que prevê a irredutibilidade salarial salvo em negociação coletiva".

Ele diz ter ficado "perplexo" com o fato de alguns ministros terem feito, em seus votos, ressalvas sobre a capacidade de os sindicatos administrarem situações de crise como a atual. "Espero que esse seja um posicionamento de fato excepcional, e não uma brecha para que se abra uma porta no futuro de total desprestígio para a negociação coletiva", disse.

Fausto Augusto Jr., diretor Técnico do Dieese, tem preocupação semelhante. Ele afirma que a decisão do Supremo "modifica um dos princípios mais antigos do nosso sistema de relações de trabalho, que é a representação coletiva e a hipossuficiência, na qual o trabalhador é percebido como elo mais frágil e carece do apoio de sua entidade de classe".

Para o diretor do Dieese, em tempos de crise o país deveria dar maior importância às representações coletivas, em vez de negociações individuais. Fragilizar os sindicatos, afirma, reduz "anteparos dos conflitos sociais que podem se agravar e culminar em conflitos difíceis de serem dirimidos, ao exemplo do que vimos na greve dos caminhoneiros aqui no Brasil, os coletes amarelos na França ou as manifestações no Chile".

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