Como o novo Imposto Seletivo promete proteger o meio-ambiente
A tão esperada Reforma Tributária foi aprovada pelo Senado Federal
Após anos de intensos debates, discussões e diálogos acalorados, teremos, enfim, novas regras para o Sistema Tributário Nacional – STN. A tão esperada Reforma Tributária foi aprovada pelo Senado Federal, em novembro de 2023 e pela Câmara dos Deputados em 15 de dezembro de 2023.
A matéria foi iniciada através da Proposta de Emenda Constitucional - PEC nº 45/2019 e passou pelo crivo social e pelo rito formal de aprovação do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, tendo sido objeto de diversos pareceres, emendas, requerimentos e manifestações de diversos parlamentares.
Os grandes fundamentos da Reforma Tributária eram: a) fazer a economia brasileira crescer de forma sustentável, gerando emprego e renda; b) tornar nosso sistema tributário mais justo, reduzindo as desigualdades sociais e regionais; c) reduzir a complexidade da tributação, assegurando transparência e provendo maior cidadania fiscal
A linha mestra da reforma aprovada está calcada em duas grandes iniciativas: a primeira é a reforma dos tributos sobre o consumo; para tanto, extingue cinco tributos – ISS, ICMS, IPI, Cofins e a Contribuição para o PIS – e autoriza a instituição de dois, sendo um com receita destinada à União (Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS) e outro com receita compartilhada entre Estados e Municípios (Imposto sobre Bens e Serviços – IBS); a segunda é a autorização à criação do Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre bens e serviços nocivos à saúde ou ao meio ambiente, de forma a desestimular a produção e o consumo desses itens.
Essas duas alterações implicam em modificações significativas em um conjunto de regras constitucionais, como por exemplo: a) seguirão o modelo da tributação sobre valor agregado, isto é, adotarão o mecanismo de débito e crédito, que eliminará a cumulatividade ainda existente no STN ; b) terão abrangência ampla, incidindo sobre todos os bens e serviços, materiais e imateriais, inclusive direitos, simplificando a tributação, evitando a acumulação de resíduos tributários ao longo das cadeias de produção e removendo importantes causas de litigância entre os contribuintes e o Fisco; c) terão os mesmos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de não incidência, sujeitos passivos, imunidades, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos, e as mesmas regras de não cumulatividade e de creditamento, outro fator de simplificação do sistema; d) não integrarão a própria base de cálculo nem incidirão um sobre o outro – isto é, suas alíquotas incidirão “por fora”, o que evitará polêmicas e contestações administrativas e judiciais acerca da base de cálculo dos tributos; e) não admitirão benefícios e incentivos fiscais, ressalvados os casos previstos na própria Constituição Federal, que terão caráter nacional; e f) onerarão as importações, mas não as exportações, adequando-se ao padrão internacionalmente aceito.
São previstos também regimes diferenciados, isto é, cujo objetivo é a redução da carga tributária de certos bens e serviços. É o caso, por exemplo, da Cesta Básica Nacional de Alimentos; dos serviços de educação e saúde; dos dispositivos médicos, medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; dos serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário; dos produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura; dos insumos agropecuários e aquícolas; das produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e das atividades desportivas; e dos bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, à segurança da informação e à segurança cibernética.
Segundo diversos especialistas, a Reforma Tributária aprovada e promulgada visa simplificar e desburocratizar o regime jurídico tributário. Será isso uma realidade ou mero anseio?
Na visão do Ilustre presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, "o intuito da reforma é ser neutra, ela vai desburocratizar e simplificar. Todos vão saber o que pagam de impostos, e esperamos aproveitar a transição para fazer do Brasil o país do presente e não do futuro".
Sobre a autorização à criação do Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre bens e serviços nocivos à saúde ou ao meio ambiente, de forma a desestimular a produção e o consumo desses itens, terá o importante e relevante papel de fomentar a sustentabilidade e para a mitigação das mudanças climáticas ao diferenciar o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
O tributo terá natureza extrafiscal (imposto terá caráter meramente regulatório). Com isso, o imposto não será utilizado com a função primária arrecadatória, mas terá suas alíquotas determinadas pelo Congresso Nacional para reduzir o consumo de determinados bens e o exercício de atividades prejudiciais ao meio ambiente (um dos princípios norteadores da reforma), visando a adoção transparente de critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono.
Apesar de o imposto ser de competência federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios serão destinatários da maior parte da arrecadação (60%). Essa repartição é a forma eficiente de compensar e mitigar os eventuais danos que sejam realizados nas localidades em que a atividade potencialmente danosa for desempenhada.
O imposto seletivo deverá ser regulado por meio de lei, promovendo a estabilização e, por consequência, a segurança jurídica. Suas alíquotas poderão ser aprovadas por lei ordinária e deverá obedecer aos princípios da anterioridade (publicação no ano anterior ao de sua validade) e da noventena.
Primando pela transparência fiscal, para facilitar o cálculo do tributo e o cumprimento de obrigações acessórias, o tributo deve ser calculado “por fora”, de modo que não integrará sua própria base tributável.
Inicialmente pensado para substituir o IPI, ele não incidirá sobre todos os produtos industrializados, devendo ser cobrado pela produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos definidos em lei complementar.
O novo tributo não será cobrado nas exportações e poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos, integrando essa base de cálculo do ICMS e do ISS, enquanto ainda vigentes, e do IBS e da CBS.
São previstas explicitamente algumas regras especiais: i) não incidirá sobre energia elétrica e telecomunicações; ii) alíquotas poderão ser em percentagem ou por unidade de medida do produto (m³, por exemplo); e ii) na extração, a alíquota máxima será de 1% do valor de mercado do produto.
O novo tributo, apelidado de “imposto do pecado”, atuará, basicamente, como uma espécie de “taxa extra” para desestimular o desenvolvimento de atividades (bens e serviços) que possam ser prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. É o caso de cigarros e de bebidas alcoólicas, por exemplo.
É importante frisar que o Congresso Nacional optou por conferir um segundo uso ao Imposto Seletivo, o de manter a competitividade dos produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, dada a sua função social e de preservação da floresta amazônica.
Outro elemento importante da reforma ora aprovada é promover uma transição segura para o novo modelo de tributação com marcos bem definidos e previstos para a entrada em vigor. A partir da aprovação e promulgação da Emenda Constitucional, leis complementares e ordinárias serão necessárias para o alinhamento e detalhamento de regras tributárias específicas, inclusive, mas não se limitando a forma de cobrança e alíquotas transitórias dos novos impostos, extinção dos tributos hoje existentes e vigência integral do novo modelo tributário, cuja previsão é que ocorra somente a partir de 2033.
Apesar de positivado por emenda constitucional, será que conseguiremos, de fato e na prática, construir um novo regime jurídico-tributário que prime pela simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente?
Temos grandes esperanças que a legislação infraconstitucional que vier a ser aprovada, tenha por base uma política pública de proteção ao meio ambiente e manutenção de aspectos de sustentabilidade no longo prazo, com a cobrança de compensação por custos extraordinários a fim de corrigir externalidade negativa associada ao bem ou serviço.
(*) Fabrini Muniz Galo é advogado e conselheiro CCA IBGC.