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Como o streaming quer tornar séries mais diversas

Enquanto gigantes se dizem atentas ao tema, surgem plataformas dedicadas a retratar as reais cores do Brasil

2 ago 2021 - 06h05
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Uma das séries de maior sucesso de todos os tempos, Friends teve em suas dez temporadas apenas uma personagem relevante negra: a cientista Charlie, vivida por Aisha Tyler. Outros negros apareceram em 40 dos 236 episódios da comédia, mas 64% deles sequer tinham nomes, segundo um levantamento feito em 2017. A realidade não era muito diferente no Brasil, onde novelas sempre apresentaram um País muito mais "branco" do que o real. É uma realidade que os streamings querem mudar.

O Estadão ouviu, na semana passada, Netflix, HBO Max, Amazon Prime e GloboPlay: em todos, diversidade está na pauta do dia. E, dentro dessa pauta, a questão racial virou prioridade. "Fazer um bom audiovisual é refletir a realidade. E no Brasil, onde 54% da população é preta, isso precisa estar representado em todo lugar", diz Malu Miranda, executiva à frente das produções originais da Amazon no Brasil.

Manhãs de Setembro, que estreou em 140 países em 25 de junho, é uma das produções da plataforma que segue esse preceito. A série é protagonizada pela cantora e compositora Liniker, que interpreta Cassandra, uma mulher trans negra, entregadora por aplicativos.

Outras plataformas estão fazendo o mesmo: na Netflix, De Volta aos 15, série que chega em 2022, foi criada por Alice Marcone, mulher trans e roteirista. Já Casamento a Distância é apresentada como a "primeira comédia romântica brasileira protagonizada por um casal afrocentrado".

'A Casa da Vó', da Wolo TV, foi orçada em R$ 1,2 milhão
'A Casa da Vó', da Wolo TV, foi orçada em R$ 1,2 milhão
Foto: Divulgação/Casa da Vó / Estadão

Na GloboPlay, estão na grade de exibição documentários, filmes e séries sobre racismo, como O Caso do Homem Errado, Dentro da Minha Pele, Menino 23 e A Última Abolição.

Já a HBO Max lançou uma nova versão da série Gossip Girl - e apostou num elenco diverso, em vez de 100% branco, como a original. "A repercussão está sendo a melhor possível. O 'reboot' está sendo amplamente elogiado pela diversidade no elenco e atingiu a marca de uma das maiores estreias da história da HBO Max desde seu lançamento", diz Tomás Yankelevich, chefe de conteúdo da Warner Media na América Latina.

Caminho adiante. Apesar disso, quem sente literalmente na pele o peso da sub-representação sabe que a situação está longe do ideal. "Acho ótimo que isso esteja acontecendo. Mas estamos muito devagar. Quando cheguei de Angola, me espantei em ver tantos negros. Pelo que a gente via de audiovisual brasileiro lá, dava impressão para os angolanos que o Brasil era um Pais de brancos. Só tinha branco nas novelas", diz Licínio Januário, cofundador da Wolo TV, plataforma de streaming com conteúdo focado na população negra.

Foi justamente a ainda tímida diversidade nos conteúdos - mesmo nos streamings - que motivou a criação da Wolo. Com investimento próprio e de amigos, a Wolo juntou R$ 1,2 milhão para produzir a série A Casa da Vó, estrelada pela cantora e atriz Margareth Menezes.

É inegável, porém, que as coisas estão mudando. "A morte de George Floyd, no ano passado, fez a chavinha das empresas mudar", diz a atriz e produtora negra Maria Gal. "Vejo isso em todas as reuniões com empresas. Embora matem negros todos os dias no Brasil, o assassinato dele fez o tema da diversidade ganhar uma escala mundial", afirma.

José Papa Neto, o Zizo, ex-presidente do festival Cannes Lions e atual líder da operação da Trace TV, concorda. A Trace nasceu na França, em 2003, para valorização da afrocultura, e hoje está presente em cem países. "Precisou de uma tragédia que ganhou escala global para o Brasil eclodir nessa área." A Trace Brasil criou o Trace Trends, programa que dá visibilidade à cultura afrourbana e que é exibido pela GloboPlay.

Para Maria Gal, ou o audiovisual muda ou vai ficar parado no tempo. Maria atualmente capta recursos para filmar a história da autora negra Carolina Maria de Jesus, que escreveu Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960.

O problema, porém, está longe de uma solução. Levantamento da Agência Nacional de Cinema (Ancine) mostrou que nenhuma mulher negra assinou a direção, o roteiro ou a produção executiva de filmes nacionais lançados em 2016, ano em que a pesquisa foi feita. E só 4,4% das produções tinham atrizes pretas. "É por isso que fui atrás de eu mesma produzir um filme", diz Maria Gal.

Quem indica. Um dos maiores vícios do audiovisual brasileiro é se basear em indicações dos próprios profissionais na hora de buscar pessoal novo. "Isso faz nossa indústria ficar repetindo a contratação das mesmas pessoas. Precisamos sair da zona de conforto", analisa Malu Miranda, da Amazon Prime.

Estadão
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