Como saber quanto vale o que não tem preço
Um método de compra e venda originado na Antiguidade perdura até hoje — e gera receita bilionária para uma das empresas mais poderosas da internet.
Em 211 a.C., Roma e Cartago travaram uma longa guerra que daria novos contornos ao antigo Mediterrâneo. O general cartaginês Aníbal Barca havia vencido as legiões romanas com facilidade. E, quando os romanos se reagruparam e começaram a lutar, ele decidiu colocar em prática um plano ousado: atacar nada menos que Roma.
Embora tivesse pouca chance de vencer a guarda da cidade, Aníbal esperava que os romanos entrassem em pânico e retirassem seus exércitos. Ele montou acampamento às margens do rio Anio, a 5 km da cidade, mas Roma rapidamente deu a entender, de forma tão ousada quanto o plano dele, que havia descoberto sua estratégia.
Fez questão de que o general cartaginês soubesse que o terreno em que havia armado suas tendas havia sido vendido à cidade por um preço razoável em um leilão público. Se os governantes de Roma estavam dispostos a pagar pela terra onde o exército de Aníbal estava, era porque não tinham receio de que ele ficasse lá por muito tempo. E assim foi: logo depois, Aníbal se retirou.
Talvez tenha sido a única vez que um leilão foi usado como arma para atacar a moral do inimigo, mas não se trata do primeiro leilão que se tem registro. Trezentos anos antes, por exemplo, o historiador e geógrafo grego Heródoto de Halicarnasso escreveu sobre homens dando lances pelas mulheres mais atraentes da Babilônia.
"Os homens ricos que queriam esposas faziam ofertas pelas moças mais bonitas, enquanto os mais humildes, a quem não lhes servia de muito a beleza em uma esposa, eram pagos para ficar com as feias." Problemático, sem dúvida, mas também engenhoso. Esse leilão tinha um aspecto comunitário, em que os fundos arrecadados com os maiores lances eram usados para compensar os homens mais pobres.
Dou-lhe uma, dou-lhe duas e dou-lhe três... vendido!
Os leilões parecem ser quase tão comuns quanto o próprio mercado. Você pode imaginar a ideia nascendo incessantemente pelo mundo, toda vez que um comerciante se oferecia para pagar três óbolos por uma garrafa de azeite, e o homem ao lado dele dizia: "Não aceite essa oferta, eu pago quatro".
De momentos simples como esse, surgiu o evento teatral do leilão tradicional: aquela sala cheia de obras de arte ou antiguidades, com investidores milionários fazendo ofertas pelo telefone e um elegante leiloeiro conduzindo todo o processo. Ao deixar claro o que os outros estão dispostos a pagar, os leilões tornam mais difícil para pessoas inescrupulosas explorarem as ingênuas.
No início do século 19, os comerciantes do Reino Unido usavam leilões para vender grandes volumes de produtos britânicos baratos nos Estados Unidos. Os consumidores americanos ficaram encantados, mas comerciantes, como Henry Niles, se mostraram indignados.
"[Os leilões são] a grande máquina pela qual os agentes britânicos destroem de imediato toda a regularidade dos negócios dos comerciantes e fabricantes americanos", contestou Niles.
Um comitê antileilão fez lobby no Congresso, declarando: "Os leilões são um monopólio e, como todos os monopólios, são injustos, dando a alguns poucos o que deveria ser distribuído entre a comunidade comercial como um todo."
Essa "comunidade comercial" só queria preservar suas margens de lucro. No entanto, há um fundo de verdade importante na reclamação. Em qualquer leilão, os vendedores querem estar onde os compradores estão, e os compradores querem estar onde os vendedores estão. Isso torna o leilão um monopólio natural: há sempre o risco de que os grandes leilões abusem de seu poder de mercado.
Velas, relógios, envelopes
Embora o leilão aberto seja o mais famoso, há muitas outras maneiras de conceber um leilão. O cronista do século 17 Samuel Pepys descreve um leilão que terminava quando a chama de uma vela se apagava. A imprevisibilidade deste momento tinha como objetivo evitar que as pessoas usassem a tática impopular de dar um lance vencedor no último segundo.
Também há leilões por relógio. O "leilão por relógio holandês" é usado no vasto mercado de flores de Aalsmeer, e o mostrador do relógio não indica a hora, mas sim o preço. Esse preço vai baixando até que alguém pare o relógio pressionando um botão. Quem para o relógio compra as flores pelo preço indicado.
À primeira vista, o método parece muito diferente de um leilão aberto. Mas, na verdade, os fundamentos não são muito diferentes e tornam o processo ainda mais rápido, como convém a um produto que murchará logo se não puder ser vendido e transportado.
Há ainda o leilão de oferta lacrada, apreciado pelos agentes imobiliários — você escreve sua oferta, coloca dentro de um envelope e fecha. O lance mais alto é o vencedor. Mas veja só que curioso: no fundo, o leilão de oferta lacrada é exatamente igual ao leilão por relógio de flores holandês.
Em ambos, você simplesmente precisa decidir qual é o seu preço. Diferentemente de um leilão aberto, você não saberá nada sobre quanto as outras pessoas estão dispostas a pagar até que seja tarde demais.
Para quê?
Alguém pode se perguntar por que os leilões são usados em algumas circunstâncias, enquanto em outras os vendedores simplesmente estipulam um preço — "é pegar ou largar". Os supermercados, por exemplo, não leiloam legumes e verduras.
A resposta é que os leilões fixam um valor quando ninguém tem certeza do preço daquilo que está sendo vendido. Os produtos de segunda mão vendidos no eBay são um exemplo óbvio, mas há vários outros: uma licença para perfurar um poço de petróleo, uma pintura de Leonardo da Vinci ou até mesmo uma autorização para usar as frequências de rádio para fornecer serviços de telefonia móvel.
Esta última licença costumava ser concedida às empresas por somas banais. Hoje, os governos a leiloam por bilhões. Outro exemplo é o complexo de leilão realizado pelo Serviço Florestal dos Estados Unidos pelo direito à derrubada e extração de madeira.
Esses leilões "incrivelmente emocionantes" foram amplamente analisados por Susan Athey, a primeira mulher a ganhar a prestigiada medalha John Bates Clark em economia. Em particular, ela e seus colegas exploraram a importância das informações privadas em poder dos licitantes na definição das propostas feitas e dos preços finais pagos.
Afinal de contas, em cada um desses casos, o verdadeiro valor do item à venda é desconhecido. Cada licitante faz uso de suas próprias informações. O leilão reúne todos esses dados e os transforma em um preço a pagar. É um belo truque. E algo que os romanos entenderam quando informaram o resultado do leilão para deixar Aníbal ciente que não estavam com medo.
Em todas as partes
Embora os leilões possam parecer antiquados, eles são onipresentes na vanguarda da economia digital moderna, e não apenas por causa do sucesso de sites de leilões na internet.
Pense no que acontece quando você digita um termo de busca no Google. Junto com os resultados da pesquisa, aparecem alguns anúncios. Estes anúncios estão lá porque venceram um leilão complexo e, em grande parte, invisível.
Esse leilão atribui à publicidade uma posição de mais ou menos destaque, dependendo da sua oferta máxima de "custo por clique" (valor que uma empresa ofereceu para pagar ao Google por cada pessoa que clicar em seu anúncio) e de quão bom o algoritmo considera que o anúncio em si é.
Por exemplo, um comerciante de arte pode dar um lance alto para aparecer junto a resultados de busca por "Picasso", mas um anunciante que vende pôsteres de Picasso pode esperar receber muito mais cliques e ganhar o primeiro lugar no leilão, mesmo que seu custo por clique seja mais baixo.
Esses leilões acontecem toda vez que alguém digita uma busca no Google, e sua dimensão é desconcertante. A Alphabet, empresa controladora do Google, registra um lucro bilionário a cada mês — e a maior parte é proveniente da publicidade, que em sua maioria é vendida em leilão.
Em 2019, estima-se que o Google obteve mais receita com publicidade do que seus dois maiores rivais, Facebook e Alibaba, juntos. E, muitas vezes, você verá anúncios dos próprios produtos do Google, algo que preocupa muita gente.
* Tim Harford escreve a coluna "Undercover Economist", do Financial Times. Esse texto faz parte da série "As 50 coisas que fizeram a Economia Moderna", transmitida pela BBC World Service.