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Como se aposentar aos 30 anos com US$ 1 milhão no banco

A chamada geração do milênio adotou o movimento de independência financeira e aposentadoria antecipada

4 set 2018 - 18h38
(atualizado às 18h44)
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Foto: iStock

Carl Jensen teve um "despertar", como ele diz, em 2012. Ele trabalhava como engenheiro de software em um subúrbio de Denver, elaborando códigos de aparelhos médicos. Um trabalho muito estressante. A cada etapa tinha de enviar documentos para a FDA e qualquer erro poderia implicar danos ou mesmo a morte de pacientes. Jensen tinha um salário de US$ 110 mil por ano,  além dos benefícios, mas o estresse valia o que  ganhava. Não tinha tempo para a família e passava dias indo o tempo todo ao toalete. Perdeu mais de quatro quilos de peso.

Depois de um dia de trabalho terrível, ele fez uma pesquisa na Internet sobre como poderia se aposentar mais cedo. Seus olhos arregalaram. Falou com sua mulher e elaborou um plano: eles poupariam uma parte considerável da sua renda nos próximos cinco anos e reduziriam drasticamente os gastos, até economizar uma soma equivalente a US$ 1,2 milhão.

Em dez de março de 2017,  Jensen conversou com seu chefe e anunciou sua demissão depois de 15 anos na empresa. Na verdade ele não estava se demitindo, mas se aposentando. Aos 43 anos de idade.

Embora a história de Jensen pareça excepcional, uma versão mais modesta do operador de bolsa que enriquece e se instala no Caribe, Jensen faz parte de um movimento crescente de jovens profissionais cujo foco é deixar de trabalhar para sempre.

Abrindo o caminho na direção da aposentadoria, a chamada geração do milênio adotou o movimento denominado FIRE (sigla em inglês que significa independência financeira e aposentadoria antecipada ), entendendo ser essa a maneira de sair de um trabalho tedioso que rouba todo seu tempo e de uma economia insuflada pelo consumismo.

É um grupo mais masculino, que trabalha no setor de tecnologia, o tipo do engenheiro com mente mais analítica e mais metódico,  obcecado com cálculos de juros compostos num período de 40 anos ou com retornos sobre investimento em fundos que cobram comissões baixas versus alugueis de imóveis.

Na verdade, grande parte da conversa sobre o FIRE, nos fóruns de discussão no Reddit ou em blogs como Mr. Money Mustache gira em torno de finanças: estratégias para aumentar sua poupança até 70%, dicas de viagens baratas usando milhas de cartões, maneiras de economizar no supermercado.

Algumas práticas requerem a frugalidade extrema (lean FIRE), outras a manutenção do padrão de vida normal enquanto se poupa e investe (fat FIRE) e outras ainda preconizam um trabalho em tempo parcial no Starbucks depois de se aposentar para obter o plano de saúde da empresa (barista FIRE).

"Muitas pessoas acham que você é um hippie new age", disse Jensen, que vendeu sua casa de quatro quartos e quatro banheiros e se mudou para uma mais modesta,  e aumentou ao máximo sua conta de aposentadoria.

Depois de aposentado, Jensen, sua mulher e as duas filhas pretendem viver com aproximadamente US$ 40 mil por ano, dinheiro gerado dos investimentos. Como sua mulher trabalha, eles ainda contam com o que ela recebe. É uma vida rica em termos de tempo, mas sem luxo: eles fazem suas compras no Costco, ele se encarrega dos consertos na casa ou do carro.

"As pessoas sempre acham que é uma circunstância externa: 'oh, você deve ter recebido uma herança'", disse Jensen. "Mas nós simplesmente decidimos viver bem abaixo dos nossos meios. É uma idéia radical".

Também radical é a decisão de parar de trabalhar aos 30 ou 40 anos de idade,  período da vida em que homens e mulheres normalmente estão fazendo uma carreira ou, infelizmente, sofrendo para pagar as contas até conseguir o seguro-desemprego.

Jason Long, farmacêutico do Tennessee, que se aposentou no ano passado com 38 anos, disse que seu pai teve muita dificuldade para entender porque ele parou de trabalhar e receber seu salário de US$ 150 mil por ano.

Mas ele estava bastante infeliz no emprego onde. durante todo o tempo em que trabalhou,  viu os custos dos remédios dispararem, pessoas doentes lutando com as seguradoras de saúde, o excesso de receitas de opióides e a dependência das pessoas deles, o que provocou uma crise.

Os clientes, furiosos, financeiramente estressados, com freqüência disparavam seu mau-humor contra a pessoa do outro lado do balcão.

"Havia dias em que trabalhava 12 a 14 horas sem tempo para uma pausa, ou para comer, porque estava sobrecarregado de trabalho", disse ele.

Como Jensen, Long economizou uma boa parte do seu salário na década passada e ele e sua mulher possuíam uma casa e um portfólio de investimento de pouco mais de US$ 1 milhão. Então, por que continuar naquele emprego?

"Quando chega naquele ponto em que o emprego  o deixa deprimido todos os dias,  não tem sentido ficar engordando a conta no banco".

Porque eles odeiam trabalhar

Deixar a rotina exaustiva e competitiva não é uma idéia nova. Desde os Shakers dos anos 1700 aos hippies dos anos 1960 e 1970, uma parcela de americanos sempre adotou um modo de vida mais simples. Uma das bíblias do movimento FIRE, "Your Money or Your Life" (Seu dinheiro ou sua vida),  ensina os leitores a reduzir seus gastos e valorizar seu tempo (ou energia de vida) mais do que o ganho material. O livro foi publicado em 1992.

 Mas Vicki Robin, que escreveu esse guia financeiro com Joe Dominguez, disse que os adeptos do novo movimento são diferentes daqueles dos anos 90. "Nosso objetivo não era que um grande número de pessoas deixasse o emprego, mas reduzisse o consumo para salvar o planeta. E atraímos pessoas que já tinham uma vida simples, religiosas, ambientalistas.

Os partidários do FIRE, pelo contrário, "são mais orientados e fascinados pelas minúcias fiscais e contábeis", disse ela.  E também estão se beneficiando de uma fase de alta do mercado de ações e em alguns casos do privilégio de classe, raça, gênero e familiar. É difícil alguém se aposentar aos 40 anos se ganha um salário mínimo no emprego ou tem uma dívida estudantil escorchante a pagar, ou não teve as mesmas oportunidades que outros porque cresceu num bairro pobre assolado pela violência.

Mas, como diz Robin, se esses adeptos do FIRE "não têm a aspiração que marcou gerações anteriores, por que estão tão determinados a deixar o mercado de trabalho? Muitos desta geração chamada do Milênio não trabalharam mais do que uma década, se isso.

Segundo ela, "o trabalhador na atual economia tem muito pouco controle sobre a sua existência. As pessoas são dispensáveis. Você é jovem, olha à frente e pensa, 'o que o futuro me reserva?'

Era exatamente assim que  Kristy Shen e Bryce Leung se sentiam. O casal de Toronto se transformou numa celebridade (e alvo de pregadores de ódio online) quando se aposentaram em 2015 para viajar pelo mundo.

Na época estavam com cerca de 30 anos de idade.

O despertar de Shen ocorreu quando ela presenciou um colega de TI ter um colapso quando trabalhava depois de trabalhar diariamente 14 horas ininterruptas. Durante anos antes disto ela e Leung, seguindo os passos de seus pais, tentavam comprar uma casa em Toronto,  onde os imóveis são cada vez mais caros.

Mas "não importava o quanto você havia economizado, era um objetivo inalcançável. E eu via as pessoas estressadas pagando suas hipotecas".

Embora tivessem uma formação universitária e empregos bem pagos no setor de tecnologia, Shen e Leung sempre deparavam com ameaças de terceirização e da inteligência artificial em sua área de trabalho, e sem esperança de uma aposentadoria ou mesmo sem saber se sua empresa ainda existiria daí a cinco anos.

Ao mesmo tempo o trabalho era devorador. Assim, em vez de se prenderem a uma hipoteca cara e, em decorrência,  a um emprego estressante, o casal decidiu aplicar seu dinheiro em um portfólio de investimento e relaxar.

Ir para onde é mais barato

Ao descartarem a cidade grande, Shen e Leung fornecem outra razão da popularidade do movimento FIRE: o alto custo da vida urbana, especialmente em lugares como Nova York e Califórnia, como os insanos preços dos imóveis, os gastos altíssimos com creches e escolas, as tentações que cercam locais com um estilo de vida mais luxuoso.

Depois de ouvir uma entrevista com Mr.Money Mustach, (ou seja, Pete Adeney, que a The New Yorker chama de "Guru frugal",  e que se aposentou aos 30 anos) Scott Rieckens  disse à sua mulher que eles deviam se desfazer da sua BMW arrendada e deixar de ir com tanta freqüência aos restaurantes. Mas mesmo com esses cortes de despesas não conseguiriam aumentar sua poupança substancialmente, a menos que mudassem para um local mais barato, uma tática que o pessoal do movimento FIRE chama de "arbitragem".

A ideia, disse Adeney, é "ganhar o alto salário" pago em um lugar como o Vale do Silício, e "depois se instalar em qualquer uma das milhares de cidades bonitas e acessíveis que há neste país e começar uma segunda etapa da vida segundo suas próprias condições".

Taylor Rieckens, que trabalha com recrutamento, de início relutou em desistir da sua BMW e da vida de praia e também o prestígio que vem com tudo isto, até ver um cálculo de aposentadoria mostrando que eles poderiam se aposentar em 10 anos se seguisssem as diretrizes do FIRE, ou então quando estivessem com 90 anos de idade se persistissem com sua vida de luxo em Coronado.

"Nunca prestei atenção nas finanças. Achava que tudo iria dar certo. Depois que nasceu minha filha, fiquei muito tensa, pensando como poderia passar mais tempo com ela. Eu era uma escrava do meu trabalho por causa da maneira como estávamos vivendo".

No ano passado o casal deixou o Sul da Califórnia em busca de uma comunidade que lhes propiciasse mais liberdade financeira, uma aventura que Scott Rieckens, que foi diretor criativo de uma agência de propaganda, relata em um documentário, Playing with FIRE.

Eles acabaram se instalando em Bend, Oregon, onde não se cobra imposto sobre as vendas e eles puderam comprar uma casa. A gasolina do seu Honda CRV usado é um dólar por galão a menos do que em San Diego, embora Rieckens se movimente mais de bicicleta pela cidade.

"A aposentadoria precoce não é o mais a importante para mim, mas sim o controle do seu tempo", disse ele. "Se analisar a definição de aposentadoria, vai entender que na verdade você se aposenta do trabalho obrigatório. Não tem a ver necessariamente com piña coladas na praia".

Isto é vida

Talvez Long, o farmacêutico do Tennessee ofereça a história mais detalhada e mais sensata de alguém que se aposentou. Numa série de postagens no fórum de discussão do Reddit sobre independência financeira, ele narrou com ironia e modéstia seu primeiro ano como aposentado.  Depois de um mês sem trabalhar, ele relatou que sentia culpa quando gastava seu dinheiro (em videogames) e se preocupava em extrapolar seu orçamento familiar. Passava dias com a família, na academia, fazendo trabalhos domésticos, se exercitando. Até agora não lamentava a nova situação. "Foi a decisão certa. Isto é vida".

No segundo mês, Long reportou um aumento de 2,8% do seu portfólio nos primeiros dois meses, mesmo depois de despesas feitas, e falou dos seus sucessos. Lia mais, cozinhava mais, praticava ações voluntárias e "solucionava mais rápido o Cubo Mágico (cubo de Rubik). "O estresse diminuiu e um amigo disse-me que o ar de apreensão desapareceu do meu rosto".

Nos meses seguintes, assistiu novamente à minissérie Roots, perdeu todo o interesse em falar do FIRE agora que  tinha alcançado sua independência financeira, ficou com medo de um colapso da bolsa, teve pesadelos de "voltar ao trabalho e discutir com imbecis", participou até o final de uma maratona, vez uma viagem de duas semanas, sentiu momentos de isolamento social, foi duas vezes à praia na Flórida com a mulher e observou que o número de pessoas que alcançava chegou ao ponto mais alto, apesar de não estar trabalhando, o que ele atribuiu à "aprovação dos cortes de impostos para criadores de emprego ricos como eu".

Numa conversa por telefone, Long admitiu ser possível que ele apenas estava cansado, que toda a empolgação com o FIRE fora apenas a necessidade de uma pausa até encontrar um trabalho que o satisfizesse mais. Quando recebeu uma proposta de emprego recentemente, teve um ataque de pânico.

Nessa manhã, ele acordou "não com a campainha do relógio me informando que eu tinha uma responsabilidade". Ele levantou,  leu o jornal durante 30 minutos, correu 11 quilômetros, fez uma sesta e "observou o ventilador de teto rodando por algum tempo".

Ele vem assistindo os filmes do They Shoot Pictures, Don't They?, website que apresenta o que classifica como os mil melhores filmes.

Long já viu 600. Isto quer dizer que tem muito trabalho pela frente. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Estadão
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