Compra da Gol pela Azul é avaliada como complexa por membros do Cade e pode exigir restrições
Aquisição é delicada por envolver mercado já muito concentrado, mas avaliação de que os negócios são mais complementares do que sobrepostos pode ajudar na análise da operação
BRASÍLIA - Integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) veem a eventual operação de compra da Gol pela Azul como complexa e que possivelmente exigiria a aplicação de restrições pelo órgão antitruste.
Membros do conselho ouvidos reservadamente pelo Estadão/Broadcast disseram que a aquisição é delicada por envolver um mercado já muito concentrado. Dentro desse contexto, a aplicação de condicionantes à compra, em especial em relação aos slots (autorizações para pousos e decolagens), surge como provável.
Por outro lado, há avaliações de que os negócios das duas companhias são mais complementares do que sobrepostos, característica que ajudará na análise da operação perante o Cade, sem que o ato apareça como um "grande problema" ao órgão antitruste.
As ponderações são ainda iniciais, a partir de uma avaliação geral do setor aéreo do ponto de vista concorrencial, uma vez que o Cade não foi notificado ou informado de qualquer negócio entre as companhias. Na terça-feira, 5, a Azul afirmou que, até o momento, "não negociou nem aprovou" nenhuma transação específica para analisar uma possível aquisição de Gol.
Se avançar, a operação, legalmente, tem que passar pelo crivo do Cade antes de ser efetivada. Fontes indicam que um dos pontos que deve surgir nas discussões é referente aos slots da Gol, que são parte do ativo das companhias. A atenção vale especialmente para o caso do aeroporto de Congonhas, onde existem limitações e uma nova regra para slots, aplicada desde 2022, que define que a distribuição desses espaços no aeroporto deve respeitar o limite de 45% de participação por companhia.
Nesse ponto, se incorporar a Gol, a Azul pode ser obrigada a se desfazer de parte desses ativos, o que é visto como um eventual "remédio" a ser aplicado pelo órgão antitruste no caso.
Fontes do setor aéreo ouvidas reservadamente pela reportagem também ressaltaram a situação de Congonhas. No mercado, o ponto igualmente chamou atenção. Na terça, relatório do Bradesco BBI avaliou que o Cade "provavelmente" aprovaria o negócio sem "restrições importantes" que poderiam impedir a fusão, em razão da sobreposição de rotas das duas companhias ser baixa. Mas apontaram como exceção a situação no caso de Congonhas, onde a Azul e a Gol poderiam ter de devolver alguns slots.
Se a operação for de fato encaminhada, integrantes do Cade reconhecem que o negócio levantará um forte debate, inclusive político. A chance de uma consolidação no mercado de aviação — que volta e meia surge — aparece no momento em que o governo faz um trabalho junto às companhias para tentar baixar o preço da passagem. Por outro lado, as empresas alegam dificuldade de caixa por vários motivos, como o preço do combustível de aviação e tributação brasileira.
Enquanto há no Cade quem avalie que a operação é muito difícil de ser aprovada — e que, se passar, exigirá restrições —, há também no conselho quem entenda que o transporte aéreo no Brasil sofre majoritariamente não pela falta de concorrência, mas pela estrutura de mercado, que reduz fortemente a margem de lucro das companhias e amarra o preço das passagens num patamar alto.
Uma observação feita é que um eventual negócio entre a Azul e a Gol não despertaria as mesmas preocupações que seriam levantadas numa operação entre a Gol e a Latam, que competem muito mais diretamente entre si. Monopolista em várias rotas regionais, a atuação da Azul teria assim um caráter mais complementar sobre as duas rivais.
Em 2012, o Cade já precisou se debruçar sobre uma operação de compra no mercado aéreo. À época, o conselho aprovou, com restrição, a aquisição da Webjet Linhas Aéreas pela Gol. Mais de dez anos após o negócio, o Departamento de Estudos Econômicos do Cade identificou, por sua vez, alguns danos gerados pela eliminação da concorrente, como a criação de incentivos para aumento de preço.
Esses achados já começam a ser levantados no conselho por quem vê uma eventual compra da Gol como perigosa. Mas a singularidade de cada um dos negócios também é observada entre conselheiros, já que, diferentemente da Azul, a Webjet entrou no Brasil para atuar como low-cost, tipo de competição que hoje não existe na aviação doméstica.
