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Conheça a Caixinha, investimento que ficou popular no Norte

Totalmente fora das instituições financeiras. Feito na base da confiança e da amizade

15 fev 2024 - 06h25
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Foto: Freepik

A economia formal muitas vezes parece distante e complexa para a maioria da população. No entanto, é interessante observar que, mesmo sem compreender totalmente os conceitos tradicionais do mercado financeiro, as pessoas desenvolvem iniciativas financeiras informais e que esbanjam criatividade, assemelhando-se, de certa forma, às dinâmicas oficiais de investimento. 

Um exemplo notável é a prática comum no norte do Brasil, principalmente no estado do Pará, conhecida como Caixinha, um tipo de investimento financeiro extra-oficial que opera à margem do mercado de capitais, mas desfruta de grande popularidade entre os locais.

O que é e como funciona?

A Caixinha é uma contribuição feita todos os meses por grupos de amigos, familiares ou colegas de trabalho, na qual os participantes podem realizar ações para aumentar a receita do grupo. O processo geralmente envolve os participantes (cotistas), efetuando pagamentos mensais de suas cotas e contribuindo todos os meses para a realização de eventos que visam impulsionar a arrecadação da caixinha, como sorteios, viagens e festas.

Adicionalmente, em muitas dessas caixinhas, é encorajado que os participantes busquem empréstimos remunerados com uma taxa de juros específica, com o objetivo de potencializar ainda mais o rendimento do empreendimento.

A Caixinha é um fundo de investimento informal?

A peculiaridade deste modelo está na destinação do dinheiro, pois o organizador não apenas coleta as contribuições, mas também empreende ações para fazer o dinheiro crescer, como a realização de sorteios, excursões, vendas de bolos etc. 

Algo curioso de se notar é que as pessoas buscam participar das caixinhas organizadas pelas pessoas com os melhores históricos de rentabilidade e confiabilidade, assim como ocorre com as gestoras de fundos de investimento tradicionais. Dependendo das estratégias dos organizadores, existem caixinhas melhores e piores que outras, assim como no universo dos fundos, das ações e dos títulos de dívidas.

Para garantir um funcionamento organizado, a administração da caixinha deve dispor de um regulamento que estabeleça as condições operacionais, como valores das cotas, datas de pagamento, taxa de juros dos empréstimos, políticas para atrasos, organização de eventos e outros aspectos relevantes. 

Ao fim de cada ano, a Caixinha é aberta, e o dinheiro é dividido como um 14º salário. O organizador recebe uma porcentagem pela administração, acrescentando uma camada adicional de incentivo para a gestão eficiente do fundo coletivo.

O que dizem os participantes das caixinhas?

Em jornais locais, é possível observar depoimentos de participantes como os da psicóloga Cleide Nascimento, que considera as caixinhas uma excelente maneira de economizar para as celebrações de final de ano, presentes de aniversário e despesas adicionais.

Ela também destaca a utilidade de contar com a reserva financeira no final do ano, comparando-o a um cofrinho, mas com a vantagem de que o dinheiro não fica inativo, pois sempre passa por correções de mercado, mesmo que modestas. Outro ponto positivo mencionado é que o retorno do investimento ocorre com menos burocracia.

A comerciante Diva de Belém (PA), por sua vez, afirma que organiza uma caixinha há muitos anos, e ela ajuda muito as pessoas. Diz, ainda, que existem umas caixinhas que são melhores do que as outras, a depender da estratégia do organizador. Com orgulho, declara que as dela têm até briga pra entrar.

Elder, um funcionário público de 47 anos de Belém (PA), afirmou que a caixinha é uma prática cultural na cidade. Ele mencionou que em Belém é comum que cada empresa tenha uma caixinha em cada departamento, e em cada rua há algum morador responsável por organizar a caixinha do bairro.

Renda passiva x renda ativa

Diferentemente dos investimentos convencionais, a caixinha não se limita a aplicar os recursos em instrumentos financeiros formais. Pelo contrário, o organizador busca alternativas criativas para gerar retorno, tais como rifas, festas, viagens e outras atividades que possibilitam arrecadar dinheiro adicional. 

Essa abordagem informal reflete a adaptabilidade do sistema às necessidades e características da comunidade local.

Cuidados necessários

Apesar da admiração por essa inovadora iniciativa local, é crucial ter cautela para evitar que a atividade seja considerada ilegal. Como os participantes não operam de forma paralela ao sistema financeiro, mas utilizam-se do sistema bancário, transacionando seus aportes pelos próprios celulares com os aplicativos das “fintechs”, a prática ocorre dentro da lei. Mas, ainda que seja uma atividade informal, os participantes devem tratá-la com seriedade. 

O maior desafio reside na determinação da taxa de juros, que em alguns casos, excede a praticada pela média das instituições, podendo assim configurar agiotagem, uma infração contra a economia popular prevista na Lei nº 1521/51. Dessa forma, recomenda-se que a taxa esteja alinhada com a média das principais linhas de crédito do mercado para evitar problemas legais.

Além disso, é muito importante documentar todas as reuniões e coletar assinaturas para prevenir eventuais litígios legais, inclusive com a contratação de um advogado em casos de falta de pagamento ou outras irregularidades.

Criatividade gera acessibilidade

Em resumo, a prática da caixinha no norte do Brasil destaca a capacidade das comunidades em desenvolverem soluções financeiras criativas e adaptadas às suas necessidades, mesmo quando distantes das formalidades da economia tradicional. É interessante notar como a caixinha se converte em uma espécie de microcosmo econômico, incorporando elementos do mercado oficial de forma simplificada e acessível.

Essa iniciativa extra-oficial, embora funcione à margem do mercado de capitais, utiliza princípios similares, como a circulação do dinheiro, a busca por retorno e até mesmo a cobrança de juros. A caixinha não apenas evidencia a criatividade das comunidades locais, mas também levanta reflexões sobre a necessidade de tornar o sistema financeiro formal mais acessível e compreensível para um público mais amplo. 

Ao compreender as práticas informais, é possível enxergar oportunidades de integração e desenvolvimento, promovendo uma relação mais inclusiva e equitativa entre a população e os serviços financeiros.

(*) João Victorino é administrador de empresas e especialista em finanças pessoais. Idealizou e lidera o canal A Hora do Dinheiro.

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