Construções verdes residenciais crescem 40% em 2023 em meio à preocupação com mudanças climáticas
Empreendimentos sustentáveis saltaram de 8 para 20 no ano passado; especialistas apontam que setor ainda é nichado, mas sustentabilidade já é vista como diferencial competitivo
Em meio ao crescimento das construções verdes, grandes empresas de construção civil passaram a incluir o conceito no setor residencial de luxo. Esse tipo de empreendimento é planejado para não agredir o meio ambiente durante as obras e ao longo de sua vida útil. Segundo dados do Green Building Council Brasil (GBCB), houve um crescimento de 40% em construções verdes residenciais em 2023, saltando de 8 para 20 empreendimentos.
CEO do GBCB, organização não governamental responsável por atestar e certificar os projetos como sustentáveis no Brasil, Felipe Faria diz que o número ainda é baixo quando comparado com as construções tradicionais do setor, além de ainda ser nichado e com a maioria dos projetos focados no público com alto poder aquisitivo.
Ele aposta, no entanto, que uma expansão para todo o mercado imobiliário não deve demorar a acontecer, considerando o fôlego que o setor de construções verdes tem ganhado nos últimos anos. No ano passado, considerando não apenas os empreendimentos residenciais, houve um aumento de 9% nas construções verdes.
O setor da construção civil responde por cerca de 38% de todas as emissões de dióxido de carbono no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso, o movimento de construções sustentáveis vai ao encontro da agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança corporativa), se tornando uma das principais apostas em sustentabilidade do setor.
Além de uma gestão controlada de recursos naturais como a água, para evitar desperdício, os projetos têm como prioridade o bem-estar. O uso de energia solar, o aproveitamento da iluminação e da ventilação natural, a gestão de resíduos com foco na reciclagem e reaproveitamento, o conforto térmico e acústico e a redução da emissão de poluentes gasosos estão presentes na maioria das construções.
Segundo o CEO da BE Empreendimentos, Evandro Bravo, que conta com dois prédios sustentáveis (com apartamentos em formato de estúdios) em Maringá, no Paraná, sendo uma das construções certificada pelo GBC e WELL Building Standard, um projeto tem na escolha da localização um dos requisitos para ser certificado.
"O nosso foco é fazer residenciais com serviços que facilitem a vida do usuário, começando pela boa localização. A ideia é que ele consiga fazer tudo o que precisa a pé", explica Bravo. Atualmente, os dois prédios são um dos poucos edifícios sustentáveis sem foco no mercado de luxo, com unidades compactadas a partir de 28 metros quadrados.
Além de contar com facilidades como mercados, restaurantes, cafeterias, padarias, farmácias e serviços de estética, os prédios sustentáveis têm a cor da fachada pensada para ajudar no resfriamento, contam com tecnologias para promover eficiência energética, brises para diminuir a incidência solar e exaustão mecânica para trocar o ar três vezes ao dia.
"A gente faz todo esse conceito porque entende que os consumidores estão buscando imóveis que não fiquem obsoletos. O mercado imobiliário carece de soluções que ajudem a manter a ocupação do edifício (a longo prazo)", aponta Bravo. Para ele, é nítida a percepção de que adicionar sustentabilidade ao setor se torna um agregador de valor, principalmente considerando uma potencial valorização que o imóvel tenha justamente por contar com os benefícios.
Para Bravo, considerar o fator ambiental nas decisões de negócio se tornou um diferencial competitivo em relação às construções tradicionais. "Quem não tem esses benefícios, está perdendo market share (percentual que uma empresa tem no total de vendas do setor) para nós. Além de ter um dos maiores preços de metro quadrado de Maringá, temos visto um avanço na procura por esse tipo de construção."
Embora esse mercado seja visto como uma tendência, essa visão não é unânime. Alguns especialistas defendem que um crescimento exponencial é esperado, ainda mais considerando o peso que a agenda ESG e a bioeconomia têm ganhado. No entanto, alguns veem o setor ainda como nichado.
"Existe uma movimentação positiva nesse sentido, mas o tamanho, o ritmo e a intensidade dessa movimentação ainda é muito pequena para ser considerada relevante. Infelizmente, é mais uma anedota do que uma tendência de fato", afirma Javier Gimeno, CEO para América Latina da fabricante de materiais de construção francesa Saint-Gobain.
O executivo destaca que, para que esse movimento se dissemine, é preciso que haja conscientização da população, com um esforço conjunto de empresas e da administração pública.
"Há um déficit de mão de obra para instalar esse tipo de solução. Além disso, para verdadeiramente acelerar esse movimento precisamos de políticas públicas muito mais agressivas e ambiciosas, o que precisa de mudanças importantes em termos de regulamentação. Essa alavanca é fundamental para acelerar o ritmo", diz o executivo.
Guido Petinelli, presidente da Petinelli, empresa de engenharia com foco em bem-estar em edificações, é de uma opinião similar. O executivo aponta não existir uma demanda específica para esse setor, mas destaca que as construtoras mais atentas ao ESG já estão induzindo essa demanda.
"Os espertos estão induzindo essa demanda. O incorporador tradicional diz: 'A hora que tiver a demanda eu faço'. Hoje, tenho clientes que não estão esperando vir a demanda, estão induzindo a demanda. Com o carro elétrico foi assim anos atrás, hoje você não vê uma marca que não tenha ao menos um modelo. É falar sobre esse assunto e criar a demanda que vai ajudar a impulsionar. O residencial está só começando. Está começando pelo mercado de luxo e vai avançando", explica Petinelli.
Para o presidente do GBCB, a demanda está concentrada majoritariamente no alto padrão, com destaque para o setor corporativo, em que já há a percepção de benefícios econômicos na iniciativa.
"Estamos falando de um público menor e que tem mais influência em como aquele produto está sendo desenhado. Já é um pré-requisito da demanda dele. Quando uma mudança de percepção do consumidor ganhar escala e influenciar essas construções, vamos falar de mil, 2 mil, 5 mil construções", explica Faria.
Para ele, uma expansão maior do segmento acontecerá conforme as linhas de crédito com esse foco forem crescendo. O executivo aponta que hoje já existem alguns bancos oferecendo linhas de crédito com incentivos para quem constrói, conseguindo taxas de juros mais baixas para projetos com certificações verdes. Ele diz ser provável que, em algum momento, sejam oferecidos incentivos também para quem compra.
Faria destaca que conforme o movimento como o IPTU Verde, que busca diminuir o valor pago pelo contribuinte no Imposto Predial e Territorial Urbano por meio de práticas sustentáveis, for expandido, é capaz que o setor ganhe ainda mais impulso.
Custos mais altos
Os especialistas são unânimes ao afirmar que existe um custo mais alto para viabilizar a criação dessas obras no geral. Mas dizem que, com os benefícios obtidos com a implementação, a "conta fecha".
Bravo afirma que, para realizar uma construção sustentável, se gasta mais, mas não por uma grande diferença de preço. Ele explica que o adicional de itens de conforto nas obras fazem com que elas sejam cerca de 1% mais caras do que as construções tradicionais, como a exaustão forçada para a recirculação do ar.
"O custo dos materiais são, em geral, mais caros do que o custo do material tradicional, falando do custo inicial. Se você olha o conjunto da cadeia de custos, não somente a produção, mas a instalação do material e os benefícios que eles vão proporcionar, é evidente que a equação é muito positiva", explica Gimeno.
O CEO da Saint-Gobain aponta que eventuais gastos extras se pagam no longo prazo, com o pagamento de faturas menores em eletricidade e gás, por exemplo. Além disso, o executivo defende que é preciso comparar mais do que apenas o preço. Ele lembra que um investimento em uma boa acústica e circulação de ar, por exemplo, traz mais saúde para o morador, o que no longo prazo é um grande diferencial.
Petinelli é de uma opinião similar. Ele explica que o custo previsto está em torno de 1,5 a 2,5 mais caro para construções sustentáveis no segmento de luxo, comparando com construções tradicionais. Segundo ele, o preço do metro quadrado para esses edifícios gira em torno de R$ 75 a R$ 120 o metro quadrado.
"Os empresários não estão apostando em sustentabilidade por caridade. Esses edifícios entregam os mais altos padrões de água, de ar. Um prédio pensado para te entregar a melhor infraestrutura possível para que você possa ter a melhor qualidade de vida. No alto padrão, para quem tem escolha, compra o que quer, quando quer e onde quer, temos visto isso refletir em valorização."