Corte de gasto: Despesas ligadas ao salário mínimo consomem metade do Orçamento e passam de R$ 1 tri
Grupo de despesas, que entrou na mira do governo, atinge quase 10% do PIB, com tendência de crescimento pressionada pela valorização real do salário mínimo e vinculação a reajuste de benefícios
BRASÍLIA - As despesas indexadas ao salário mínimo consumiram metade do Orçamento do governo federal, atingiram quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano passado e devem superar R$ 1 trilhão neste ano, com tendência de crescimento. Esse grupo entrou na mira do corte de gastos do governo Lula, mas a efetiva inclusão no plano enfrenta resistência e ainda é uma incógnita.
Os gastos que são corrigidos pela valorização do salário mínimo incluem parte dos benefícios previdenciários, o abono salarial, o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. A conta de R$ 1 trilhão corresponde ao total das despesas, impactadas de forma integral ou parcial pela valorização do salário mínimo. No caso da Previdência, a indexação corresponde a 44% dos benefícios em 2024.
Esse grupo de despesas correspondia a 38,6% do Orçamento federal em 1997 e consumiu 50% dos recursos em 2023. Em proporção do PIB, aumentaram de 5,4% para 9,8% no mesmo período, de acordo com estudo do ex-secretário de Orçamento e consultor da Câmara Paulo Bijos, com base em números do Tesouro Nacional.
"O salário mínimo, em essência, é parâmetro do mercado de trabalho", afirma o especialista no estudo. "Por que motivo, então, o salário mínimo deve ser indexador de benefícios sociais? No caso da aposentadoria, assim como de pensões, essa indexação desafia a lógica atuarial. Quem se aposenta, em tese, deveria fazer jus a valores lastreados em remunerações passadas, e isso deveria valer tanto para o regime de capitalização como para o de repartição."
Em 2023, Lula retomou a política de valorização do salário mínimo, que passou a ser reajustado pela inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos antes. Como essa valorização é utilizada como base para reajustar outros benefícios previdenciários e assistenciais, essa política tem um efeito amplificado sobre as contas públicas.
A União deve gastar R$ 1,1 trilhão com esse grupo de despesas indexadas ao mínimo em 2024 e R$ 1,2 trilhão em 2025, passando de 50% do orçamento total. As estimativas do governo indicam que cada R$ 1 a mais no salário vai aumentar as despesas do governo em R$ 422 milhões no Orçamento de 2025. Com esse dinheiro, segundo o levantamento do consultor da Câmara, o governo poderia construir 120 creches ou 60 mil cisternas.
No mesmo estudo, Bijos apontou que o governo federal deverá sentir efeitos do aperto fiscal no curto prazo, entendido como 2026, o último ano do mandato de Lula, se não corrigir a rota das despesas e incluir a Previdência Social no pacote do corte de gastos. O crescimento dessas despesas diminui o espaço para o governo investir em outras áreas, como saúde, educação e infraestrutura e aumentam o risco do chamado "shutdown", ou seja, de um apagão na máquina pública.
Para Paulo Bijos, benefícios previdenciários deveriam ser corrigidos pela inflação, evitando corrosão e perdas reais, e qualquer ganho real deveria ser avaliado à luz do equilíbrio da Previdência Social e da situação fiscal do País. A vinculação atual pode inibir a valorização real do salário mínimo, causando um efeito contrário ao pretendido e anunciado pelo governo, justamente por causa da "amarra fiscal", de acordo com ele.
"Em cenários restritivos, de estrangulamento fiscal, isso pode ser obstáculo a aumentos reais do salário mínimo. Por sua vez, a desindexação em análise permitiria, em tese, que trabalhadores fossem beneficiados por aumentos reais do salário mínimo sem que isso provocasse desequilíbrio das contas públicas."
Uma das medidas em discussão pela equipe econômica e que aguardam deliberação de Lula é limitar o crescimento do salário mínimo ao limite de despesas do arcabouço fiscal, que permite um crescimento de até 2,5% ao ano acima da inflação. A medida poderia gerar uma economia de até R$ 84 bilhões em dez anos, segundo estudo da XP Investimentos.
Nesta terça-feira, porém, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, afirmou que cumprir o arcabouço fiscal não significa obrigatoriamente limitar em 2,5% o aumento do salário mínimo.
"O presidente Lula afirmou que vai cumprir rigorosamente o arcabouço fiscal - ou seja, déficit primário será zero. Mas isso não significa obrigatoriamente limitar em 2,5% o aumento do salário mínimo", disse Alckmin a jornalistas na 29ª Conferência das Nações Unidas sobre mudanças Climáticas (COP-29).