Crise grega reaviva memória local da Segunda Guerra
"Estamos prontos para passar fome. Não estamos prontos para a guerra", disse uma idosa grega
"Queremos democracia, não queremos guerra", disse Lila Stylianou, professora de música que conversou com a reportagem da BBC na área portuária de Piraeus, logo depois do plebiscito de domingo na Grécia.
Os cafés na Marina Zea ficaram lotados no entardecer, com os clientes tomando sorvete e bebendo cerveja. Uma comunidade que não parecia temer um conflito iminente.
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Mas, na última semana, enquanto o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, continuava a "luta" para garantir um pacote de ajuda melhor para a Grécia, as referências a um estado de guerra é algo que ouvi de quase todas as pessoas com quem conversei.
"Estamos prontos para passar fome. Não estamos prontos para a guerra", disse Flora, uma assistente de farmácia de 66 anos de Piraeus, que também contou sobre a perigosa falta de suprimentos médicos que está observando.
Enquanto isso, no bairro rico de Kifissia, no norte de Atenas, encontrei uma consumidora que se mudou para a Grécia depois de fugir do conflito no Líbano. "Você sai do seu país para ficar longe da guerra e então você acaba aqui. É como uma guerra sem bombardeios", disse.
As pessoas não estão conseguindo dormir. Elas seguem as últimas notícias nas rádios e na televisão, fazem filas para sacar apenas 60 euros por dia em dinheiro.
Ajuda humanitária
A Comissão Europeia já está analisando a possibilidade de enviar ajuda humanitária para a Grécia se não se chegar a um acordo, algo geralmente reservado para zonas de guerra.
Stathis Gourgouris, escritor e filósofo especializado em política, afirma que não é exagero comparar a vida do país a uma "guerra sem bombas". "Os eventos estão progredindo com uma velocidade extraordinária. Todos estão no limite", disse.
Ele lembra o rápido declínio da riqueza no país nos últimos cinco anos. Antes da Grécia receber ajuda em abril de 2010, o desemprego era de 11,8%. Agora, a taxa está acima de 25%. E, segundo Gourgouris, este "fenômeno do rápido empobrecimento" é mais semelhante ao que acontece em condições de conflito.
No entanto, nem todos concordam. "Nem todo mundo usa metáforas de guerra hoje. Eu não uso", disse o historiador Efi Avdela.
Mas a ideia da guerra permeia muitas conversas. Na região fértil nos arredores de Markopoulo, um subúrbio de Atenas, conversei com Vassilis Papagiannakos, fabricante de vinhos, em meio às videiras e oliveiras. Por aqui, ainda não observei sinais de falta de comida. Mas Pappagiannokos não aprova a sugestão de que, no pior dos cenários, esta área tem uma produção de alimentos alta o bastante para sobreviver. Ele descreveu a ideia como um pesadelo.
Para ele, isso lembra as histórias que seu pai contava sobre a Segunda Guerra Mundial, quando a Grécia ocupada pelos nazistas sofreu com a fome e era comum ver corpos abandonados nas ruas de Atenas.
Memória da guerra
Na verdade, a memória da guerra está muito próxima na Grécia e parece estar afetando as respostas das pessoas à crise econômica.
"Memórias da ocupação ainda são muito fortes. Há pessoas vivas que passaram por isso e outros ouviram as histórias de pais e avós. Foi uma época muito terrível - e a guerra civil que ocorreu depois foi um evento traumático", disse Gourgouris.
A antropóloga Neni Panourgia disse que a Grécia nunca teve um período de "pós-guerra". Depois da Segunda Guerra Mundial, a Grécia sofreu com uma guerra civil violenta e uma ditadura militar, antes de se juntar à União Europeia em 1981. "Os anos de vida normal antes da União Europeia foram poucos", afirmou.
O governo de esquerda do partido Syriza fez muitas referências aos dias mais difíceis da história da Grécia desde que assumiu o poder em janeiro. O primeiro gesto de Alexis Tsipras como primeiro-ministro foi uma visita a um monumento em homenagem aos comunistas executados pelas forças de ocupação nazistas em 1944.
"Guerra econômica"
Para um homem cuja vida política começou como um comunista, a visita teve muito simbolismo. E outra razão deste simbolismo é que a Alemanha tem a maior fatia da dívida grega do que qualquer outro país da zona do euro e a Grécia ainda está buscando indenizações pela ocupação nazista do país.
"Os alemães querem controlar toda a Europa. É uma guerra econômica", disse o dono de um café.
A longa história entre a Grécia e a Alemanha significa que algumas pessoas, nos dois países, responderam ao impasse fiscal em "termos culturais", segundo Gourgouris.
Neni Panourgia disse, por sua vez, que a Alemanha agora é vista como um obstáculo à Grécia nas negociações da dívida do país. "Enquanto os italianos, franceses, belgas e o FMI falam sobre a vontade de aceitar algum tipo de perdão de dívida... os alemães são vistos como o obstáculo", disse.
O ex-ministro da Economia Yanis Varoufakis disse, no mês passado, que os credores internacionais do país transformaram as negociações "em uma guerra". E as negociações de Tsipras com o presidente russo, Vladimir Putin, também colocaram alguns gregos em alerta.
Geopolítica
Seja negociando táticas ou sugestões mais sérias, estas medidas colocaram a dívida grega no mapa geopolítico.
"A Grécia sempre foi um país muito pequeno com pouco poder, mas com importância extraordinária devido à sua localização geográfica - entre a Europa e o Oriente Médio", disse o professor Gourgouris.
E os gregos parecem bem conscientes deste fato. "Acho que isso vai acabar em guerra por causa da localização da Grécia", foi a resposta de Flora, da farmácia de Piraeus, quando perguntei se ela realmente temia que a Grécia pudesse ser atacada.
Outros questionam como a crise de imigração do Mar Mediterrâneo, as intenções do presidente Recep Tayyip Erdogan, da vizinha Turquia, e a crescente militância islâmica no Oriente Médio podem afetar o país. Mas a maioria das pessoas com quem conversei afirma que não acredita em uma guerra real.
O slogan "guerra sem bombas" é apenas uma metáfora útil para as pessoas que não querem ser ignoradas. Estas pessoas afirmam que o atual impasse em que o país se encontra é a última crise em uma história tumultuada que ainda está viva nos dias de hoje.