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Crise turca é mistura de imprudência econômica e autoritarismo populista

Enquanto governos de países emergentes tomaram medidas para reduzir o endividamento e limitar sua exposição à dívida em moedas estrangeiras, a Turquia seguiu caminho oposto

23 ago 2018 - 04h12
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Em um único dia na semana passada, a lira turca, uma das moedas com pior desempenho neste ano, caiu quase 7% em relação ao dólar americano, gerando medo de que uma crise turca pudesse se espalhar para os mercados emergentes. Os bancos centrais da Argentina e da Indonésia aumentaram suas respectivas taxas de juros para proteger suas moedas. O real brasileiro, a rupia indiana e o rand sul-africano também incorreram em perdas frente ao dólar no mesmo dia.

Desde então, o medo parece ter diminuído. A lira recuperou parte de seu valor, em consequência de uma subida da taxa de juros e várias outras intervenções monetárias do banco central turco, bem como de uma promessa do Catar de canalizar US$ 15 bilhões para a economia turca para ajudar a financiar o crescente déficit em conta corrente do país e o aumento da dívida privada, de atualmente US$ 221 bilhões.

No entanto, essas medidas não serão suficientes para corrigir a crise da Turquia, causada por uma mistura de imprudência econômica e autoritarismo populista.

Raízes da crise

Como no Brasil, as empresas turcas fizeram muitos empréstimos em moedas estrangeiras quando a lira estava forte frente ao dólar durante os anos 2000 e início de 2010. Isso levou a um aumento da dívida privada, financiada principalmente por níveis recordes de entradas de investimento estrangeiro direto.

Quando o Fed e o Banco Central Europeu (BCE) começaram a endurecer suas políticas monetárias e aumentar as taxas de juros para atrair investimentos após 2013, ficou claro que esse ciclo poderia não ser sustentável. Não foi apenas a lira turca que começou a enfraquecer nesse período; as moedas de outras economias "frágeis", como o Brasil, a Argentina, a Índia, a África do Sul e a Indonésia, também decresceram continuamente.

Mas enquanto os governos desses países tomaram medidas para reduzir o endividamento e limitar sua exposição à dívida, a Turquia seguiu caminho oposto. Com o país em um ciclo eleitoral ininterrupto, o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan não poderia tolerar um crescimento desacelerado. Por isso, o governo incentivou ainda mais os empréstimos de credores estrangeiros, colocando alguns dos ativos públicos mais valiosos do país como garantia.

Uma grande parte dos empréstimos foi para o setor de construção, que tem sido o principal motor da economia turca. Os principais projetos de infraestrutura - como a terceira ponte do Bósforo, em Istambul, ou o enorme novo aeroporto - enriqueceram os aliados de Erdogan no setor de negócios, criaram empregos temporários e impulsionaram o crescimento do PIB para 7,4% em 2017.

Esses projetos também se tornaram parte da campanha de reeleição hiper-nacionalista do governo, ajudando Erdogan a ganhar um referendo constitucional no ano passado e assumir poderes quase ditatoriais. O referendo ocorreu enquanto o estado de direito e as liberdades civis foram suspensa, em decorrência do estado de emergência declarado após a fracassada tentativa de golpe militar em julho de 2016.

Mas construção gera pouco do valor produtivo que é necessário para pagar a dívida. Em 2018, o temor de que as empresas turcas não pudessem pagar seus empréstimos de curto prazo, estimados em US$ 19,1 bilhões em junho (excluindo créditos comerciais), começou a afugentar os investidores.

As coisas pioraram quando Erdogan, insistindo em manter um forte crescimento, impediu que o Banco Central, supostamente independente, aumentasse as taxas de juros para conter o declínio da lira e o aumento da inflação. Em abril, provavelmente esperando um agravamento da crise e eventual impacto negativo nas urnas, o presidente antecipou as eleições gerais para junho, 18 meses antes do cronograma planejado.

A vitória eleitoral de Erdogan fez pouco para acalmar os mercados. Pelo contrário, suas decisões de conceder a si mesmo o poder de designar e destituir o presidente do Banco Central, e nomear seu genro, que não possui a qualificação necessária, como Ministro das Finanças e do Tesouro, reforçaram a visão de que as instituições da Turquia estavam nas mãos de um autocrata imprevisível, com pouco respeito pelo estado de direito ou por conselhos de especialistas.

O fator Trump

O agravamento de tudo isso foi uma crise política que se aprofundou entre os EUA e a Turquia em decorrência da detenção de um cidadão americano em uma prisão turca. O pastor evangélico Andrew Brunson foi preso durante uma repressão em massa contra os oponentes de Erdogan em 2016. Ele é acusado de converter curdos ao cristianismo, ajudar combatentes curdos na Síria e colaborar com o movimento Hizmet de Fethullah Gülen, um ex-aliado de Erdogan baseado nos EUA, quem o governo turco culpa pela supracitada tentativa de golpe.

No final de julho, aparentemente para agradar sua base evangélica antes das eleições para o Congresso, Donald Trump exigiu a libertação de Brunson. Quando Erdogan recusou, Trump atacou a Turquia no Twitter e emitiu sanções a dois ministros turcos. Surpreendentemente, Trump também afirmou que a desvalorização da lira fraca estava prejudicando os produtores dos EUA e dobrou as tarifas sobre as importações americanas de aço e alumínio da Turquia, enfraquecendo ainda mais a lira. Em duas semanas, a moeda turca havia perdido um quinto de seu valor e quase US$ 40 bilhões haviam sido eliminados de seu mercado acionário.

Mas a beligerância de Trump também deu a Erdogan uma oportunidade de se esquivar da culpa e, internamente, pintar a crise econômica da Turquia como um ataque imperialista à soberania do país. De maneira tipicamente inflamada, o presidente turco proferiu discursos nacionalistas, pedindo aos cidadãos que convertessem seus dólares em liras e boicotassem os produtos eletrônicos dos EUA. Alguns de seus leais responderam queimando dólares americanos e quebrando seus iPhones em público.

Enfim, parece que um populista autocrático economicamente analfabeto salvou, temporária e inadvertidamente, outro autocrata populista, cuja busca pelo poder está levando seu país a um precipício econômico. Mas quem ou o que pode salvar a Turquia de cair desse precipício permanece um mistério.

* Karabekir Akkoyunlu é professor visitante no Instituto de Relações Internacionais da USP

Estadão
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