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Desmatamento e mudança climática podem tirar US$ 3,5 bi da produção de soja até 2050, diz estudo

Prejuízo anual foi calculado com base na perda de vegetação nativa da Amazônia e do Cerrado; pesquisadores estimam que desmatamento tenha reduzido receita do setor em pelo menos US$ 1,3 bilhão por ano entre 1985 e 2012

30 jul 2021 - 17h40
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Embora a produtividade da soja brasileira tenha crescido nas últimas décadas, o ganho econômico dessa cultura seria maior sem os efeitos do desmatamento. Estudo publicado na revista científica World Development no começo de julho estimou que a perda de vegetação nativa da Amazônia e do Cerrado tenha reduzido a receita do setor em pelo menos US$ 1,3 bilhão por ano, em média, entre 1985 e 2012, devido às mudanças de temperatura no entorno das plantações. Até 2050, o custo climático pode chegar a US$ 3,5 bilhões anuais, se comparado a um cenário de preservação desses biomas.

Autora principal do estudo, a engenheira ambiental Rafaela Flach, pesquisadora da Universidade de Tufts (EUA), afirma que o valor é baseado em "custos de oportunidade". Isso porque as mudanças climáticas configuram risco para o cultivo, dado que a soja é sensível a temperaturas extremas, e podem reduzir o ritmo de crescimento da produtividade. "Tendo em vista o aumento de exposição a condições danosas, podemos considerar que o desmatamento representa um potencial perdido para o setor", diz.

Segundo o estudo, a mudança de cobertura do solo exerce influência relativamente grande no clima, sobretudo nas áreas próximas à região desmatada. Um dos serviços prestados pelos ecossistemas tropicais é ajudar a regular o termômetro, tanto no interior das florestas quanto em seu entorno. Sem esse recurso, as temperaturas máximas tendem a ultrapassar o limite de condições adequadas para a produção.

Os pesquisadores compararam as temperaturas de regiões situadas mais ou menos próximas de vegetação nativa, em um raio de até 50 quilômetros. A diferença observada entre situações de desmatamento ou preservação foi de quase 2 ºC, afirma Gabriel Abrahão, doutorando em meteorologia aplicada da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

Os resultados foram obtidos a partir de dados meteorológicos e de satélite de 1985 em diante, e já incluem melhorias de tecnologia e cultivares mais resistentes ao calor. A conclusão é que o impacto econômico até 2012 foi negativo, mas em menor escala que o projetado para daqui a 30 anos. Segundo o pesquisador, isso significa que, embora existam fatores puxando a produção para cima, há um crescente desperdício financeiro que poderia ser evitado. "Não estamos falando que vai parar de crescer, mas o fato de estar crescendo não quer dizer que não haja nada afetando negativamente."

Dados divulgados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revelam que a floresta perdeu uma área de 926 quilômetros quadrados em junho deste ano. No acumulado dos últimos 11 meses, foram 8.381 quilômetros quadrados, superando em 51% o período entre agosto de 2019 e junho de 2020. Já o Cerrado atingiu recorde histórico de queimadas em junho, com média de 139 focos por dia (4.181 no mês). No acumulado do ano, 9.568 focos de incêndio foram registrados no bioma.

Abrahão considera que os resultados do estudo acendem o alerta para o agronegócio como um todo, dado que a soja é o carro-chefe da produção brasileira. Além disso, ele diz, nenhuma planta se beneficia do calor extremo, e, com as mudanças climáticas e o aumento da demanda populacional por alimento nas próximas décadas, qualquer variação negativa pode ser prejudicial.

Legislação vigente

A Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove) vê com preocupação o avanço do desmatamento ilegal no País. Para o gerente de sustentabilidade da entidade, Bernardo Pires, é preciso incentivar cada vez mais que a expansão da agricultura seja feita em áreas já abertas. "É muito mais interessante do ponto de vista econômico expandir numa área já aberta, onde você vai ter uma produtividade muito mais rápida e com maiores ganhos, e a natureza agradece", afirma.

Na última semana, no entanto, o relatório anual da Moratória da Soja na Amazônia, divulgado pela Abiove, mostrou que a safra 2019/20 registrou aumento de 22% nas áreas de cultivo em desacordo com as disposições legais estabelecidas pela Moratória, em relação à temporada anterior. Foram 107.674 hectares em desconformidade com o documento, ou seja, desmatados para a produção de soja.

A Moratória da Soja é um pacto comercial, realizado em julho de 2006, pela Abiove e pela Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec) com o governo e sociedade civil, no qual as empresas ligadas às duas associações se comprometeram a não comercializar nem financiar soja produzida em áreas desmatadas da Amazônia após 22 de julho de 2008, data de referência do Código Florestal.

A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) defende que o plantio de soja não está associado a possíveis prejuízos aos sojicultores devido ao desmatamento e ao aquecimento global. De acordo com o porta-voz da entidade, a cultura de soja "não é vetor de desmatamento em nenhum bioma", pois cresce em áreas de pastagens já desmatadas que eram utilizadas para a pecuária.

"Produzir mais e melhor não é uma escolha, mas uma necessidade que traz benefícios ambientais e socioeconômicos para o Brasil e seus clientes mundo afora", pontua o porta-voz.

Em relação às ações da Aprosoja para garantir os ganhos de produtividade e evitar possíveis perdas estão o uso de tecnologias que contribuem para o sequestro de carbono. Segundo a entidade, as práticas adotadas no Brasil, como o sistema produtivo Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), a agricultura de precisão e o plantio direto, foram apontadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) como soluções para combater as mudanças climáticas.

O ideal, segundo Abrahão, é que o desenvolvimento tecnológico seja associado ao cumprimento das leis ambientais em vigor no País. Ele defende ainda que a moratória seja expandida para o Cerrado, bioma que concentra a maior parte do desenvolvimento agrícola brasileiro.

Para os pesquisadores, um dos principais méritos do estudo é conscientizar os produtores quanto ao fato de não haver ganho com o desmatamento. "Nós mostramos, na verdade, que há perda", reitera Abrahão. "Então, qualquer esforço para diminuir a fiscalização ambiental é fazer lobby contra si mesmo".

Estadão
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