Dia das Mães: gravidez ainda é vista como empecilho por empresas na hora da contratação
Quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem seus trabalhos após 12 meses fora do mercado, segundo estudo da FGV
Assim como aconteceu com diversas datas comemorativas, o Dia das Mães tem sido visto como uma oportunidade de discutir pautas atreladas ao universo feminino, como as dificuldades que as mães ainda enfrentam para retornar ao mercado de trabalho após a licença-maternidade.
Embora a agenda ESG (sigla em inglês para a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) tenha como uma das suas principais bandeiras a fomentação da diversidade, 88% das mulheres acreditam que a gravidez ainda é vista como um empecilho pelas empresas na hora da contratação, segundo o estudo Mulheres no Trabalho feito pela Opinion Box e Nielsen.
Para a maioria das especialistas, profissionais de recursos humanos (RH) e mães consultadas pelo Estadão, além da prática ainda acontecer na hora da contratação, as mulheres se sentem excluídas das empresas após terem filhos.
"Para o mercado, quando a mulher tem filho, ela se torna incompetente", afirma Jennifer Rocha, líder social da comunidade Jardim Elba, na zona leste de São Paulo, e assistente de projetos do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME).
"Quando a mulher volta ao mercado de trabalho, ela é questionada sobre coisas que o homem não é. 'Você tem filho?', 'Com quem você vai deixar?', 'E se ficar doente?'. É sobre ser questionada o tempo todo por amigos, família e na área em que você se sente você mesma, no trabalho", diz Rocha.
A assistente de projetos destaca que o período já é difícil por motivos como autoestima abalada, inseguranças, depressão pós-parto, puerpério, amamentação e mudanças hormonais. No entanto, ele se torna ainda mais complicado quando, segundo ela, a capacidade da mulher é colocada em dúvida apenas pelo fato de ser mãe.
Para os especialistas consultados pelo Estadão, o relato de Jennifer demonstra os desafios que muitas mulheres enfrentam para voltar ao mercado.
Mulheres pobres são mais afetadas
Segundo uma pesquisa da Condurú Consultoria, 70% das mulheres com filhos têm dificuldades para voltar ao mercado. E quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade perdem o trabalho após 12 meses fora do mercado, segundo o estudo As consequências da licença-maternidade maternidade no mercado de trabalho: evidências do Brasil, promovido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A queda da empregabilidade das mulheres que se tornaram mães se inicia imediatamente após o período de proteção ao emprego garantido pela licença-maternidade, de quatro meses. A maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.
Segundo o idealizador do estudo, Valdemar Pinho Neto, doutor em economia pela FGV EPGE, a queda se mantém até quatro anos após o fim da licença-maternidade, demonstrando que não é um problema pontual, mas que se arrasta por anos.
"Todos os dados apontam que mães são as que mais perderam seus empregos nas crises e as que mais demoram a se recolocar. Isso que estamos falando do mercado formal. Se formos olhar a quantidade de mulheres mães na informalidade e em subempregos, os dados são ainda mais assustadores", afirma a gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU no Brasil, Tayná Leite.
O cenário é ainda pior para as mulheres pobres. Trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% nos 12 meses após o início da licença-maternidade, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.
"Você já perguntou para seus funcionários como a sua empresa poderia ajudá-los neste sentido? As empresas precisam repensar as suas políticas com mais isonomia e levarem em consideração as novas configurações familiares e a vontade de muitos homens em construir uma relação de vínculo com seus filhos. Elas estarão permitindo que muitos profissionais com filhos, sejam eles homens ou mulheres, sejam protagonistas em suas carreiras", afirma Terni.
Para Flávio Legieri, CEO da Intelligenza IT, especializada em RH, a principal atitude é investir em iniciativas internas, a fim de tornar o ambiente de trabalho cada vez mais diverso e inclusivo. "O fato de uma mulher se tornar mãe e ter que administrar tantas emoções e tarefas traz a essa mulher habilidades que são fundamentais também no âmbito do trabalho e que deveriam ser valorizadas ao invés de depreciadas."
Para ele, além de benefícios como a licença-maternidade ampliada com direito a remuneração, auxílio creche, diminuição da carga horária por um período de tempo, é preciso investir em programas de capacitação internos que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento destas mulheres no mercado.
Empresas fomentam práticas inclusivas para mães
Depois de ter passado por um processo complicado de recolocação no mercado de trabalho na sua primeira gestação, a segunda foi bem mais tranquila para Jennifer Rocha justamente pelo acolhimento da empresa.
Ela foi contratada estando grávida de seis meses pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), trabalhando até os oito meses e meio, quando se afastou da empresa pela licença-maternidade.
"Eu fiquei com medo quando fiz o processo seletivo. Mostrei a barriga assim meio com medo, mas elas me contrataram. Eu fiquei surpresa. Eles brincaram: 'Você não quer?'. Eu falei: 'É claro que eu quero'. Fica esse trauma de que quem está gestante é incompetente, de que você vai dar problema para empresa", afirma Jennifer.
Ela retornou da sua licença-maternidade em abril, já animada para voltar a trabalhar. "Eu fui muito acolhida na empresa. Lá também tem a opção de home office, o que me ajudou demais com a minha bebê. Hoje eu estava trabalhando com a minha bebê do lado, amamentando, brincando, fazendo carinho, vendo ela crescer. No mercado de trabalho, ou você vê seu filho crescer ou banca ele".
Além do incentivo contratação de mulheres mesmo no final de sua gravidez, Débora Monteiro, gerente executiva do RME, destaca que a empresa ainda oferece como benefícios a licença-maternidade de seis meses; flexibilidade na rotina de escritório para possível necessidade de retirar o leite e um plano de acolhimento na volta da mãe com a equipe.
Para Júnior, a licença-paternidade deve se tornar uma opção na lei, mas uma mudança cultural deve vir junto "Não acho que a lei vai resolver tudo. Durante minha licença, meus amigos achavam que eu estava de férias. Olha o perigo que pode ser se o pai não tiver a consciência na licença e usar para outra coisa. A gente precisa do governo, das empresas e elevar o nivel de consciência do papel do pai".
Além disso, existem movimentos também para aproximar empresas e colaboradoras. Em parceria com a B2Mammy, o Filhos no Currículo lançou um movimento para empregabilidade de mães, o Ser mãe dá trabalho. O objetivo é conectar mães em busca de recolocação com empresas comprometidas a criar um ambiente de trabalho mais acolhedor para as figuras parentais.
Governo e iniciativa privada devem andar juntos
Todos os analistas consultados pelo Estadão defendem que é essencial que haja políticas públicas promulgadas pelo governo, desde a implementação da licença-paternidade de forma efetiva, como a criação de creches.
No entanto, os especialistas destacam que não é preciso apenas aumentar o número de creches, mas também estudar um plano de ação que foque na localização delas e também no horário.
"Com as creches, é preciso que ela esteja localizada em um ponto estratégico, não adianta ser longe de onde ela mora e de onde ela trabalha. É preciso desenhar um estudo para entender onde estão as maiores demandas por creche", explica Valdemar Pinho Neto, professor da FGV.
Para ele, uma mudança na legislação é muito difícil pois é um tema muito complexo e o Brasil está apenas começando a discutir esse assunto. "Deve haver a combinação de legislação com a reeducação para que as pessoas consigam entender que é natural haver uma distribuição entre o casal".
A representante do Pacto Global da ONU Brasil, Tayná Leite, é da mesma opinião, reforçando que não deve haver uma mudança de cultura na sociedade para que só posteriormente haja uma mudança nas empresas. "Precisamos trocar os pneus com o carro andando. Não há tempo para esperar mudança de cultura e, a bem da verdade, isso não existe. O amanhã já é o ontem de depois de amanhã", afirma.