Script = https://s1.trrsf.com/update-1731943257/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Como aliança improvável de Lula e Lira levou a vitória do arcabouço fiscal na Câmara

Projeto passou com folga entre os deputados graças a articulação do governo com o líder do Centrão. Uma convergência de interesses explica esse resultado, dizem analistas, algo que pode não se repetir no futuro.

24 mai 2023 - 01h32
(atualizado às 07h11)
Compartilhar
Exibir comentários
Lira colocou um parlamentar de sua confiança para ser relator do arcabouço fiscal de Lula
Lira colocou um parlamentar de sua confiança para ser relator do arcabouço fiscal de Lula
Foto: Reuters / BBC News Brasil

A aprovação na Câmara dos Deputados do novo arcabouço fiscal foi uma vitória de uma aliança tida até pouco tempo atrás como improvável entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e boa parte do chamado Centrão, bloco que deu sustentação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no seu governo.

Apesar de ainda não contar com uma base parlamentar considerada sólida por analistas ouvidos pela BBC News Brasil, o governo conseguiu 372 votos a favor, diante de 108 votos contra e 1 abstenção.

A votação dos destaques - sugestões de alterações no projeto de lei - está prevista para a quarta-feira (24/05). Depois, ele será votado no Senado e, se aprovado, vai para sanção presidencial.

O novo arcabouço fiscal é o conjunto de regras que vai nortear como o governo federal poderá gastar os recursos públicos e fazer investimentos.

Ele substitui o chamado teto de gastos, aprovado em 2016 no governo de Michel Temer (MDB) e que condicionava o aumento das despesas públicas ao crescimento da inflação.

Em linhas gerais, o novo marco regulatório determina:

  • um limite para o crescimento dos gastos públicos de 70% do crescimento da arrecadação anual do governo. Se a arrecadação aumentar 1%, as despesas só poderão aumentar 0,7%, por exemplo;
  • um intervalo fixo no crescimento dos gastos do governo, que varia de 0,6% a 2,5% nos cenários em que houver aumento significativo da arrecadação.

A aprovação do projeto polêmico - considerado o primeiro grande teste da base parlamentar de Lula - contou com apoio decisivo de Lira.

O presidente da Câmara indicou como relator o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), considerado um homem de sua confiança.

Foi também sob sua chancela que o projeto foi aprovado em regime de urgência e por isso não teve de passar pelas comissões temáticas como acontece na tramitação normal.

A articulação entre o governo e Lira fez com que o projeto fosse aprovado com folga. Eram necessários 257 votos no mínimo, e foram 115 a mais.

Outro fato relevante durante a votação foi o PL, partido de Bolsonaro, ter liberado sua bancada, a maior da Câmara com 99 parlamentares, para votar como quiser. Quase um terço (29) votaram a favor do arcabouço de Lula.

Analistas dizem, no entanto, que a vitória na noite de terça-feira não significa, necessariamente, que o governo Lula conseguiu consolidar uma bancada.

Sua avaliação é que foi uma convergência circunstancial: tanto Lula quanto Lira (e o Centrão, sobre o qual ele exerce influência) tinham interesse que a pauta avançasse - um alinhamento que deve ser negociado projeto a projeto e pode não se repetir.

Histórico de tensão

Lira diante do microfone e ao lado de outros deputados na noite de terça (24)
Lira diante do microfone e ao lado de outros deputados na noite de terça (24)
Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados / BBC News Brasil

A expectativa em torno das relações entre Lula e Lira era de tensão mesmo antes de o petista ser eleito.

Lira foi um dos principais apoiadores da reeleição de Bolsonaro em 2022. Apesar disso, ele foi uma das primeiras lideranças políticas a reconhecer a vitória de Lula.

O presidente da Câmara também foi considerado o principal líder do chamado "orçamento secreto", como ficaram conhecidas as emendas de relator, que direcionavam recursos do orçamento e foram criticadas pela falta de transparência sobre sua autoria.

Durante a campanha eleitoral de 2022, Lula chegou a dizer que o "orçamento secreto" era "a maior vergonha" do Brasil.

O "orçamento secreto" foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro.

Lira foi reeleito em 2022 e, já no final daquele ano, passou a ser apontado como o principal candidato à presidência da atual legislatura, que vai até 2025.

Na formação do governo, Lula tentou atrair partidos do Centrão para a administração federal. A estratégia foi vista como uma forma de enfraquecer a oposição no Parlamento.

Mesmo assim, a percepção de analistas era de que a distribuição de ministérios não seria suficiente para obter a base parlamentar que o Planalto desejava.

Lula e seus aliados mais próximos passaram a adotar uma postura de "não agressão" em relação a Lira.

Um dos exemplos foi o não lançamento pelo PT de uma candidatura para a presidência da Câmara e o apoio do partido à chapa de Lira.

Mas, apesar de todos os cuidados, nos últimos cinco meses já houve episódios em que as diferenças entre governo e Lira ficaram evidentes.

Em uma entrevista ao jornal O Globo no dia 30 de abril deste ano, Lira criticou a articulação política do governo. Segundo ele, oferecer ministérios aos partidos não resolveria o problema.

"Houve uma acomodação e a formatação de um governo de coalizão, com troca de ministérios por apoios, que está comprovado que não vai dar certo. As emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério", afirmou.

O episódio mais evidente dessa tensão foi a derrubada de decretos assinados que mudaram pontos do Marco do Saneamento Básico, no início de maio.

O marco legal havia sido aprovado pelo Congresso Nacional em 2020, e a tentativa de mudança feita por decretos foi vista pelos parlamentares como uma afronta ao Parlamento.

Com aval de Lira, a Câmara aprovou um projeto que derrubou parte dos decretos assinados por Lula. A votação foi considerada a primeira grande derrota parlamentar do governo e acendeu a "luz amarela".

Na mesma entrevista ao jornal O Globo, Lira criticou o governo: "O Congresso foi eleito num viés totalmente diferente do Executivo. Existem as questões do governo como, por exemplo, as alterações no Marco do Saneamento por meio de decretos. O Congresso não aceita que uma lei seja alterada assim".

Os motivos da aliança

Novo marco fiscal está sob alçada de Fernando Haddad
Novo marco fiscal está sob alçada de Fernando Haddad
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Com tantos pontos de tensão na relação entre Lira e Lula, o que levou à aliança na votação do arcabouço fiscal?

Carla Beni, professora de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia que a união improvável ocorreu porque a pauta era importante tanto para um quanto para outro.

"Acredito que sem o apoio de Lira e de (Rodrigo Pacheco), esse arcabouço não seria aprovado. Houve uma guinada muito forte à direita nas eleições para o Parlamento, e o empenho de Lira foi fundamental. Mas isso aconteceu porque o arcabouço também era importante para Lira", afirma.

Ela ressalta que a definição sobre um novo marco fiscal já havia sido feita ainda no ano passado, quando, com o apoio de Lira, o Congresso Nacional aprovou a proposta de emenda constitucional (PEC) da Transição.

Isso garantiu recursos para o governo federal pagar despesas pendentes, mas obrigou Lula a aprovar um novo conjunto de regras fiscais ainda neste ano.

Beni explica que um dos pontos centrais na discussão sobre o orçamento é a distribuição de verbas por meio de emendas parlamentares.

Segundo ela, esse é um dos meios pelos quais Lira exerce influência sobre as bancadas na Câmara.

Dessa forma, aprovar o arcabouço fiscal seria importante para Lira porque, assim, haveria alguma previsibilidade sobre a quantidade de recursos disponíveis para as emendas.

"Na discussão das despesas do governo, temos duas linhas: as obrigatórias e as não obrigatórias. É nessas despesas não obrigatórias que se definem as emendas parlamentares. Financeiramente, é um volume de recursos muito grande", afirma Beni.

Luciana Santana, professora de Ciência Política na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), aponta que outro elemento que fez Lira aderir à pauta foi sua ligação com atores econômicos.

"O que leva Arthur Lira a aprovar esse projeto é a pressão dos agentes econômicos que não estão relacionados apenas a essa pauta, mas que pressionam por uma pauta de responsabilidade fiscal como é o novo arcabouço fiscal", afirmou.

Beni e Santana avaliam que a união entre Lula e Lira na aprovação do arcabouço fiscal não significa que a governabilidade do terceiro mandato de Lula está garantida e afirmam que as votações terão que ser discutidas caso a caso.

"Não há uma aliança perene entre Lula e Lira. Penso que todas essas alianças serão temporárias, momentâneas e de acordo com o tema, a relevância e a urgência dos temas", afirmou.

Santana pontua que, até o momento, os fatos mostrariam que as alianças entre Lira e o governo Lula se dariam "pauta a pauta". Ela disse, no entanto, que novas circunstâncias podem aproximar o presidente da Câmara e o governo.

"Não dá pra gente dizer como essas alianças serão no futuro. Hoje, o que a gente consegue notar é que essas alianças são pauta a pauta. Mas isso pode mudar a depender das barganhas que forem feitas entre ele ou seu partido com o governo. Isso envolve barganhas ou ocupação de cargos", afirma.

Projeto teve boa recepção inicial

O governo apresentou a proposta do arcabouço fiscal em 30 de março. Na data, o mercado reagiu bem ao anúncio: o Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa brasileira, fechou em alta de 1,89%.

Entrevistados pela BBC News Brasil avaliaram que o governo fez um bom trabalho ao procurar previamente as lideranças da Câmara e do Senado para apresentar seu plano e colher sugestões.

A política anterior, o Teto de Gastos, adotada' no governo Michel Temer, estabelecia que o crescimento das despesas do governo ficava limitado ao aumento da inflação no ano anterior.

Mas, com o passar dos anos, o Congresso aprovou mudanças na Constituição para criar exceções ao limite de gastos — como em 2022, para permitir o aumento do Auxílio Brasil, o que na prática acabou com o cumprimento do teto.

Também nos últimos anos, o governo federal tem registrado déficits primários — ou seja, tem gastado mais do que arrecada, o que resulta em aumento da dívida pública.

Com o arcabouço seja aprovado, assim como algumas medidas anunciadas para elevar arrecadação, o Ministério da Fazenda prevê zerar o rombo em 2024.

O governo viu ainda, na proposta do arcabouço fiscal, uma oportunidade de sentir a temperatura do seu apoio no Congresso, de expandir gastos em programas sociais e em investimentos e de estimular a redução da taxa básica de juros (Selic) pelo Banco Central.

Isso porque, quando o governo limita a expansão das suas despesas, ele contribui para aquecer menos a atividade econômica, desacelerando a alta dos preços.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Seu Terra












Publicidade