Discurso de Levy indica 5 pontos que devem mudar na economia
Novo ministro da Fazenda demonstra defender a austeridade fiscal, cortes de subsídios do BNDES e o fim das desonerações para setores específicos
O discurso do novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao assumir o cargo nesta segunda-feira foi interpretado por analistas como uma confirmação de que ele pretende dar uma guinada de 180 graus na política econômica, perseguindo uma agenda mais "liberal".
Além de apresentar sua equipe ─ formada principalmente por economistas ortodoxos ─ Levy defendeu a austeridade fiscal, cortes de subsídios do BNDES e o fim das desonerações para setores específicos. Por um lado, abraçou medidas de simplificação tributária. Por outro, falou da possibilidade de um aumento de impostos.
Mas se há consenso de que a posse de Levy deve ser o início de um novo ciclo na política econômica, também há dúvidas tanto sobre o grau de autonomia que o novo ministro terá para liderar essa guinada quanto sobre a capacidade de essas políticas impulsionarem o crescimento da economia.
Para Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, por exemplo, as mudanças propostas por Levy vão na direção certa, ao priorizar a responsabilidade fiscal e dar seriedade à gestão das contas públicas. "Mas ainda não sabemos como o Planalto vai reagir se essas medidas começarem a afetar o emprego e renda das famílias", diz ele.
Já para o economista heterodoxo Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a estratégia é equivocada.
"Com Levy, (a presidente) Dilma Rousseff está tentando repetir o que foi feito no primeiro governo Lula, quando o ministro Antônio Palocci implementou uma série de políticas de austeridade para recuperar a confiança dos mercados. O problema é que em 2003 o crescimento só foi retomado em função do crescimento da China e valorização das commodities e o contexto em que vivemos é outro", opina.
Abaixo confira o que, segundo indicações do discurso de Levy e medidas já anunciadas pelo governo, pode mudar na condução da política econômica:
1) Ajuste fiscal
Em 2014, o governo havia se comprometido a economizar 1,9% do PIB para pagar os juros da dívida pública ─ no que é chamado por economistas de "superávit primário".
A meta, porém, não foi cumprida e uma lei teve de ser aprovada às pressas no Congresso para alterar a forma como essa economia é calculada.
Levy se comprometeu a fazer um superávit de 1,2% neste ano e de 2% em 2016 e 2017 ─ e isso pode ser feito por meio de duas estratégias: corte de gastos e aumento de impostos.
Na semana passada, a equipe econômica começou a dar sinais em quais áreas pretende cortar quando anunciou regras mais rígidas para o acesso a benefícios trabalhistas e previdenciários, como seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. E no discurso de posse Levy deu indicações de que também pode elevar alguns impostos.
Para alguns analistas, o ajuste fiscal precisa ser duro, para que o governo consiga recuperar a confiança dos mercados.
Belluzzo e André Perfeito, da Gradual Investimentos, discordam. "Já estamos em um cenário de estagnação, com retração do consumo e da geração de postos de trabalho. O risco é que um ajuste muito forte aprofunde um cenário recessivo", diz o economista-chefe da Gradual.
Ou seja, na avaliação desses especialistas, mais impostos significariam menos dinheiro sendo gasto para consumir e contratar, impedindo, assim, a retomada da economia.
2) Impostos
Em seu discurso de posse, Levy defendeu uma simplificação tributária, com unificação das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), mas admitiu que o governo avalia a possibilidade aumentar alguns tributos para colocar as contas públicas em dia.
"Possíveis ajustes em alguns tributos também serão considerados", disse.
Há rumores de que entre os projetos que estariam sobre a mesa está a reativação da CIDE (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis, que foi zerada em 2012.
No discurso, o novo ministro também criticou as desonerações de setores específicos.
"Não podemos procurar atalhos e benefícios que impliquem redução acentuada da tributação para alguns segmentos, por mais atraentes que elas possam ser, sem considerar seus efeitos na solvência do Estado (...) Essa seria a fórmula para o baixo crescimento endêmico", disse.
Neste início de ano já houve uma recomposição da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos carros, estratégia usada desde 2012 pelo governo Dilma para estimular o setor automobilístico.
3) Papel do Estado
Fazendo menção a um discurso feito por Dilma no mês passado, Levy defendeu, em sua posse, o fim do "patrimonialismo" e sua "herança nefasta".
A diferença é que Dilma referia-se ao problema da corrupção. No caso do ministro, a maioria dos analistas interpretou a crítica como uma defesa da redução da interferência do Estado na economia e do fim das proteções e subsídios a setores específicos.
"A antítese do sistema patrimonialista é a impessoalidade nos negócios do Estado nas relações econômicas e na provisão de bens públicos", afirmou Levy.
Para André Perfeito, da Gradual, o ministro procurou "marcar sua autonomia e mostrar que há uma mudança de mentalidade na Fazenda."
Mas ele faz a ressalva de que Levy tem um poder limitado dentro do governo ─ e em áreas como política industrial. "Aparentemente, o BNDES pode continuar a ser presidido por Luciano Coutinho, por exemplo", diz Perfeito.
4) BNDES
Os empréstimos do BNDES cresceram substancialmente durante os governos Lula e Dilma turbinados por aportes do Tesouro, o que ajudou a aumentar a taxa de investimento na economia.
A questão é que o Tesouro se endivida pela taxa Selic ─ hoje a 11,75% ao ano ─ enquanto os empréstimos do BNDES são remunerados pela chamada Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), mais baixa. A diferença, ou subsídio, acaba sendo bancada pelo contribuinte.
Para se ter uma ideia, esse subsídio custa cerca de R$ 28 bilhões por ano, ou o valor aproximado do custo total da Copa do Mundo no Brasil.
Em dezembro, o governo resolveu aumentar a TJLP pela primeira vez em 11 anos, de 5% para 5,5%, reduzindo o valor desse subsídio.
E em seu discurso, Levy ressaltou que uma mudança de estratégia nessa área pode gerar uma economia de "bilhões de reais nos próximos anos".
O governo também já vem dando indicações que pretende diminuir os repasses ao BNDES a partir deste ano, embora, na avaliação de Campos, da Tendências, isso deve ser feito de maneira gradual para permitir a adaptação e a "correção de distorções" do mercado.
Para Belluzzo a estratégia arriscada. "Não acho que o setor privado brasileiro tenha disposição ou condições de assumir o financiamento de projetos importantes para o país, como faz o BNDES", diz ele.
5) Combate a inflação
Com a inflação muito próxima do teto da meta definida pelo Banco Central (6,5%) o esperado é que este ano seja marcado por uma política monetária mais dura, com alta dos juros.
Durante o primeiro mandato de Dilma, o governo tentou reduzir o nível dos juros, como parte de uma política que ficou conhecida como "nova matriz econômica". Para economistas ortodoxos, o fato de o BC ter sido obrigado a voltar a elevar os juros seria uma prova do fracasso dessa política.
Entre os grandes desafios a serem enfrentados no combate a inflação está o impacto que a alta dos chamados preços administrados ─ como energia e combustíveis ─ deve ter no índice de 2015.
Segundo analistas, no ano passado esses aumentos foram represados para segurar a inflação, o que acabou gerando perdas para o Tesouro e os cofres da Petrobras (no caso dos combustíveis).
O governo tem dado indicações de que isso deve mudar ─ e o consumidor deve preparar o bolso para lidar com as altas de tarifas.
"É uma prioridade o realinhamento dos preços relativos e daqueles administrados, pois essencial para o bom funcionamento da economia e exigido apra manutenção da solidez do Tesouro", defendeu Levy.