Dólar atinge R$ 6,20, recua após leilão do Banco Central, mas fecha com novo recorde
É o quarto dia útil seguido em que o BC injeta dólares para tentar reduzir as cotações; moeda tem subido de forma consistente desde a apresentação do pacote de corte de gastos, mal recebido pelo mercado
Em meio à escalada do dólar, o Banco Central voltou a intervir no mercado nesta terça-feira, 17, em que a moeda americana chegou à marca inédita de R$ 6,20. O segundo leilão do dia, logo após essa cotação ser atingida, fez a moeda recuar. Ainda assim, o dólar alcançou novo recorde no fechamento, a R$ 6,0961, alta de 0,04%.
O BC fez pela manhã e depois do meio-dia leilões de moeda americana à vista e vendeu um lote de US$ 1,272 bilhão no primeiro e US$ 2,015 bilhões no segundo. Este é o quarto dia útil seguido com leilão de dólares — na segunda-feira, 16, o montante oferecido ao mercado foi de US$ 4,62 bilhões. Mas a primeira intervenção nesta terça-feira, 17, não foi suficiente: às 12h15, a moeda rompia a barreira de R$ 6,20. O BC fez novo leilão, entre 12h17 e 12h22.
No leilão após o meio-dia, a taxa de corte foi de R$ 6,150, e foram aceitas 22 propostas no certame, que tinha lote mínimo de US$ 1 milhão. Desde o dia 12 de dezembro, o BC já injetou US$ 12,760 bilhões em recursos novos no mercado por meio de sete leilões à vista ou com compromisso de recompra (leilão de linha).
Os leilões são uma tentativa do BC de reduzir a cotação da moeda americana, que disparou especialmente após a apresentação do pacote de corte de gastos apresentado pelo governo no último dia 27 de novembro. As medidas foram consideradas pelo mercado financeiro como muito abaixo do necessário para controlar os gastos públicos. Desde então, o dólar pulou da casa dos R$ 5,80 para R$ 6,09 (valor do fechamento desta segunda-feira), chegando agora aos R$ 6,20. Em um ano, a desvalorização acumulada já passa dos 26%.
Entre a última quinta-feira e o início da tarde desta terça-feira, foram US$ 7 bilhões em três leilões de linha, com compromisso de recompra, e US$ 5,76 bilhões por meio de quatro leilões à vista.
A frequência dessas intervenções é a maior desde o fim de 2021, quando o BC chegou a fazer nove leilões, entre vendas à vista e com compromisso de recompra, apenas em dezembro. Nessa época, o dólar oscilava em torno de R$ 5,70, próximo das máximas históricas para o período.
Entenda abaixo por que a moeda americana não para de subir:
Risco de desidratação do corte de gastos
Segundo operadores do mercado financeiro, o real vem sofrendo com as incertezas fiscais, diante do risco de desidratação das medidas de contenção de gastos durante a tramitação no Congresso.
O governo Lula anunciou um pacote de cortes de gastos com o objetivo de dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal (o instrumento que substitui o teto de gastos aprovado pelo Congresso em 2016 e introduzido no governo Michel Temer) e retomar a confiança no equilíbrio das contas públicas.
A equipe econômica estima uma economia de R$ 327 bilhões em cinco anos com as medidas, enviadas ao Congresso Nacional. Entre as propostas estão a limitação do crescimento do salário mínimo e mudanças nas regras do abono salarial e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), além de combate aos supersalários do funcionalismo público e ajustes na previdência dos militares.
Ainda não convencido de que esse plano sairá do papel, há quem prefira investir em dólares, em vez em papéis sensíveis à política econômica brasileira.
Piora da percepção do mercado sobre a economia
Nesta segunda-feira, 16, o Boletim Focus, com a síntese do sentimento do mercado em relação aos próximos seguintes, evidenciou o agravamento da deterioração das expectativas de inflação, apesar de o Copom ter acenado com mais duas altas de 1 ponto porcentual da taxa Selic na tentativa de controlar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva críticas ao aumento da taxa de juros feito pelo BC, veiculadas em entrevista ao Fantástico, na véspera, contribuíram para ampliar entre investidores a desconfiança sobre o compromisso do governo em cortar despesas.
Também na segunda-feira, o Tesouro Nacional divulgou levantamento em que aponta piora da dívida pública e atribui essa deterioração ao novo ciclo de alta do juro e ao aumento do saldo negativo entre as despesas e a arrecadação do governo (o chamado déficit primário). Prevê que a dívida bruta pública chegue feche 2024 em 77,7% do Produto Interno Bruto (PIB) — a soma de todos os bens e serviços finais produzidos pelo País —, avance para 79,7% em 2025 e chegue a 81,7% em 2026, quando se encerra o atual mandado.
Busca de 'proteção cambial' diante da incerteza
Analistas veem uma demanda por proteção cambial que reflete o aumento da percepção de risco fiscal. Além de serem consideradas insuficientes, as medidas de contenção de gastos do governo podem ser diluídas no Congresso, que tem prazo exíguo para aprová-las ainda neste ano. O recesso parlamentar começa no dia 23 e vai até 1º de fevereiro de 2025.
Demanda reprimida pela moeda americana
Conforme operadores do câmbio, os leilões de venda à vista que o BC vem fazendo não chegam a ser uma surpresa, tendo em vista que há uma demanda reprimida por divisas neste fim de ano. Havia empresas e fundos esperando o dólar cair para comprar. Como isso não aconteceu, vieram ao mercado agora para fazer as remessas de fim de ano porque esta é a última semana com liquidez de fato no mercado. /Com Cícero Cotrim/Brasília