Donald Trump versus Acordo de Paris: como saída dos EUA do pacto climático afeta a agenda no Brasil
Presidente norte-americano retirou país de cúpula climática em seu primeiro dia de mandato, preocupando especialistas da área sobre o futuro de metas ambientais
A decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos (EUA) da cúpula do Acordo de Paris não surpreende, mas impulsiona um temido retrocesso na agenda climática global, que também afeta o Brasil. Especialistas da área ouvidas pelo Estadão, que avaliam dessa maneira o cenário, veem o movimento do presidente republicano como perigoso e com possíveis consequências duras de ordem econômica e social para o tema da sustentabilidade.
O anúncio de retirada foi feito na segunda-feira, 20, como uma das primeiras ações do segundo mandato do republicano. Trump ainda revogou decretos que subsidiavam a transição energética nos EUA e anunciou planos para aumento da produção de combustíveis fósseis - um dos maiores emissores de gases de efeito estufa (GEE) - no território norte-americano.
Segundo as analistas consultadas, os principais temores relacionados a esse movimento são: de que a iniciativa de Trump no comando da maior economia do mundo possa ser uma influência para outros países em um 'efeito dominó' de saída do tratado, de que haja diminuição nos investimentos para a agenda climática e de que o sucesso da COP-30, que será realizada no Brasil em novembro deste ano, possa ser comprometido.
Com isso, de acordo com elas, o movimento do presidente republicano deve exigir um novo arranjo global com lideranças de outros países, entre eles o Brasil, para firmar alianças e tomar as rédeas do tratado internacional de combate aos extremos climáticos, enfrentando a difícil tarefa de não contar com os EUA na mesa de negociações durante o evento.
Após o anúncio de Trump, o presidente da COP-30, André Corrêa do Lago, reconheceu nesta terça-feira, 21, que a saída dos EUA do pacto climático global irá impactar os preparativos da conferência. "Estamos todos ainda analisando as decisões do presidente Trump, mas não há a menor dúvida que terá um impacto significativo na preparação da COP e na maneira como nós teremos que lidar com o fato de que um país tão importante está se desligando desse processo."
Lago acrescentou que o Brasil irá conversar com os Estados Unidos para que haja uma saída do tratado de forma "mais construtiva". Apesar do anúncio feito por Trump, a retirada do país do Acordo não é imediata e pode tramitar por cerca de um ano.
Segunda tentativa e o 'efeito dominó'
Em 2015, o Acordo de Paris foi assinado por quase 200 países, durante a COP-21, na França. Nele, os representantes se comprometeram a elaborar estratégias e financiar medidas para minimizar as emissões de gases poluentes e limitar o aquecimento global até 1,5°.
No seu primeiro mandato, entre 2017 e 2021, Trump já havia solicitado a retirada dos EUA do tratado climático. O país só retornou ao compromisso no início do governo de Joe Biden, que acabou de deixar a Casa Branca para a entrada do republicano.
"A saída dos EUA do Acordo de Paris é, sem dúvida, lamentável, mas absolutamente esperada", frisa a cofundadora do FGV Clima, Clarissa Gandour. "A questão climática envolve o que, na Economia, chamamos de externalidades em escala global. Quando os EUA freiam sua ação climática, todos nós entramos no rateio dessa conta, pois serão mais emissões e um agravamento da emergência climática, com todos os seus efeitos físicos e sociais que não estão restritos aos EUA."
Segundo Gandour, o perigo de um 'efeito dominó' é iminente. "Quem quiser irá encontrar respaldo no governo dos EUA para não apoiar a ação climática. Prevejo uma mudança no ritmo dessa ação em várias dimensões: menos recursos, menos inovação e menos ação para enfrentamento da crise", diz. "Isso é extremamente perigoso. Não ter o apoio dos EUA representa um desafio gigantesco para a ação climática global."
COP-30 e 'novas peças no xadrez'
A autonomia dos estados norte-americanos com suas próprias regulações ambientais é o que pode ajudar a frear o rompimento mais significativo do país com metas climáticas globais, o que pode ser um fator positivo com multinacionais que operam no Brasil, considerando a avaliação da líder de engajamento do Climate Finance Hub Brasil, Linda Murasawa.
No entanto, o grande desafio do País será lidar com as pendências já esperadas para serem resolvidas na COP-30, como o aumento do financiamento verde para os países emergentes, sem a participação dos EUA. A nação está entre o grupo de países ricos acionados na COP-29 para destinar US$ 300 bilhões anuais para financiamento climático até os próximos 10 anos.
"A COP-30 já tinha uma grande responsabilidade em relação à questão de dar continuidade às negociações (da COP-29). A expectativa em relação a ter que juntar financiamentos e trazer instrumentos e soluções como um todo é bem ampla, e agora, com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, a expectativa é ainda maior sobre o que pode acontecer. Precisamos entender quais serão os efeitos colaterais dessa saída."
Para a especialista em sustentabilidade Sonia Consiglio, que é SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU, se for tomada como base a primeira vez que Trump retirou os EUA do acordo, essa segunda saída pode não ser "o fim do mundo". Segundo a analista, apesar de a medida ser um "sinal ruim" para a agenda, é provável que haja um "rearranjo no xadrez mundial" que pode redimensionar o protagonismo na pauta, abrindo espaço para o Brasil.
"A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris abre espaço para novos protagonistas ou também para protagonistas atuais ocuparem mais espaço, como a China, como a União Europeia mais fortalecida e, até mesmo, como o Brasil, com todos os seus desafios. O País está muito mobilizado em torno da COP-30. Confio muito no rearranjo que somos capazes de fazer frente às adversidades. "
Para as empresas locais, o momento será de avaliação e cautela. "As empresas têm trazido as metas climáticas para sua estratégia, e não se muda estratégia de um dia para noite. É claro que as companhias estão avaliando os impactos (dos decretos de) Trump, mas as metas climáticas corporativas têm uma lógica muito mais ampla, tendo a ver com o setor, mercado consumidor e regras internacionais de concorrência. A saída do Acordo será um elemento importante nas análises que as empresas farão, tal qual elas fazem diariamente com (outros) novos fatos."