É possível incluir Pé-de-Meia no Orçamento em 2025 sem pressão fiscal, diz pesquisador do Ipea
Especialista diz que medidas aprovadas pelo pacote de corte de gastos permitem custeio do programa dentro das regras, mas governo insiste em manobra questionada pelo TCU, que julga processo nesta quarta
BRASÍLIA - Se o governo Lula quiser, é possível incluir o programa Pé-de-Meia de forma integral no Orçamento em 2025 cumprindo as regras fiscais sem pressão sobre as contas públicas, de acordo com o economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Camilo Bassi.
O Tribunal de Contas da União (TCU) bloqueou recursos da poupança do ensino médio e mandou o Executivo incluir os valores no Orçamento. O governo, no entanto, insiste em operar o programa de forma paralela neste ano e recorreu da decisão, alegando que a política pública corre o risco de ser interrompida. O apelo do Executivo será julgado pela Corte de contas nesta quarta-feira, 12.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo cumpriu a lei aprovada no Congresso Nacional para pagar o Pé-de-Meia (leia mais abaixo), mas que está disposto a fazer adequações se os ministros e técnicos do tribunal de contas julgarem necessário. Procurados, Ministério do Planejamento e Orçamento e o Ministério da Educação não se manifestaram.
O governo planeja gastar R$ 15,5 bilhões no Pé-de-Meia em 2025, mas só colocou R$ 1 bilhão na proposta orçamentária, contando com os gastos paralelos.
Segundo o especialista, há recursos na peça orçamentária que podem ser remanejados sem pressionar o equilíbrio entre receitas e despesas e o limite de gastos do arcabouço fiscal - e também sem comprometer despesas obrigatórias.
O dinheiro pode vir da verba reservada ao ensino em tempo integral, que passará a ser bancada com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e abrirá um espaço fiscal, e de recursos que ficarão livres após aplicação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), que destrava verbas antes carimbadas para fundos específicos.
As duas medidas foram aprovadas no pacote de corte de gastos no ano passado e agora deverão ser incorporadas no Orçamento, que ainda não foi aprovado pelo Congresso Nacional.
O Legislativo deve votar o Orçamento só depois do carnaval. O governo pretende encaminhar aos parlamentares uma proposta para promover as alterações necessárias, mas, até o momento, não colocou o Pé-de-Meia nas balizas do Orçamento.
O que aconteceu com o Pé-de-Meia:
O Pé-de-Meia é uma bolsa paga a estudantes do ensino médio criada para incentivar a permanência dos jovens e adolescentes nos estudos. O programa envolveu uma operação complexa que somou R$ 12,1 bilhões em 2024. Desse valor, foram pagos R$ 5,6 bilhões diretamente aos estudantes.
Para financiar o Pé-de-Meia, o governo destinou R$ 6 bilhões do Orçamento da União, recursos que vieram diretamente da arrecadação federal e foram aprovados na peça orçamentária, mesmo ficando fora dos limites do arcabouço fiscal.
O governo autorizou a transferência de outros R$ 10 bilhões de dois fundos privados, dos quais a União é cotista, para financiar o Pé-de-Meia, mas o TCU considerou essa prática irregular. O uso dos fundos foi aprovado por lei, mas não passou pelo Orçamento - o que, na prática, contraria a Constituição e outras normas técnicas, segundo especialistas em contas públicas.
Para 2025, o governo Lula enfrenta um impasse. O Poder Executivo considera que vai precisar de R$ 15,5 bilhões para custear o programa. O valor é maior que em 2024 porque a poupança foi ampliada para jovens e adultos do antigo supletivo e estão previstos os primeiros pagamentos para quem fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e concluiu o ensino médio.
O governo pediu ao TCU para continuar usando os recursos dos fundos privados e prometeu apresentar um plano para incluir o dinheiro de forma total no Orçamento em 2026 - ou seja, não agora, mas só no próximo ano. Ministros e parlamentares governistas entraram em campo para convencer os ministros do tribunal a aceitar a proposta.
"Nós estamos procurando atender à área técnica do tribunal, mas, ao mesmo tempo, garantir a continuidade do programa que hoje atende 4 milhões de estudantes", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na segunda-feira, 10, após uma reunião com o relator do processo no TCU, Augusto Nardes. "Nós levamos uma série de considerações para ele; ele vai processar internamente e nos dar a devolutiva oportunamente", afirmou o chefe da equipe econômica.
Na terça-feira, 11, Haddad reforçou que o governo cumpriu uma lei aprovada no Congresso Nacional, que autorizou o uso dos fundos privados questionado pelo tribunal. "Nós apresentamos (ao TCU) a validade da lei aprovada quase por unanimidade no Congresso, mas estamos dispostos a ouvir os técnicos e ministros para adequar, se for necessário. Mas há uma lei aprovada que está sendo cumprida", disse.
As alternativas para colocar o Pé-de-Meia no Orçamento:
Considerando que são necessários R$ 15,5 bilhões e o governo colocou R$ 1 bilhão no Orçamento, faltariam R$ 14,5 bilhões para o Pé-de-Meia em 2025. De acordo com Bassi, é possível remanejar os recursos da seguinte forma:
• R$ 4,8 bilhões viriam do ensino em tempo integral que o governo deixará de gastar em 2025 porque o programa passará a ser custeado pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), conforme o pacote fiscal aprovado no ano passado;
• R$ 6,2 bilhões do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), gerido pela Receita Federal e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que ficarão livres com a ampliação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), medida também aprovada no pacote fiscal;
• R$ 3 bilhões viriam do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que da mesma forma serão automaticamente desvinculados e ficarão livres no Orçamento com a DRU;
• E R$ 931 milhões da Cide-Combustíveis que iriam para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e que também serão desvinculados com a DRU.
Os remanejamentos somam 14,9 bilhões, suficientes para completar os recursos que faltam no programa.
"Temos uma miríade de opções que permitem o Pé-de-Meia de maneira transparente, dentro do Orçamento e cumprindo na íntegra o que TCU está pedindo", diz o especialista. "E sem gerar nenhum problema em relação aos dois regramentos que fundamentam o arcabouço fiscal, ou seja, o teto de gastos e o resultado primário."
Segundo Bassi, o cardápio sugerido é uma opção mais recomendada do que usar os recursos dos fundos privados, que operam por fora do Orçamento e correm o risco de quebrar ao destinar verbas para o Pé-de-Meia, pois o dinheiro desses fundos deveria ser usado como garantia nos financiamentos para os quais foram criados originalmente.
Também é uma alternativa ao uso dos recursos do Fundo Social do pré-sal, que é autorizado por lei, mas que criaria um problema contábil e pressionaria o resultado primário, ao destinar uma receita financeira para custear uma despesa primária, causando um desequilíbrio no balanço fiscal que o governo precisa entregar no fim do ano.
